Na imagem acima, em primeiro plano, Mashiro com seu gato; logo atrás, em vermelho, sua heróica guardiã Arika; as demais são outras otomes da Academia Garderobe.

 

 

A redenção da Rainha Mashiro

A REDENÇÃO DA RAINHA MASHIRO
Miguel Carqueija

Não importa o quanto um sonho é exagero, pode se tornar verdade se você acreditar nele.”
(Arika Yumemya: “Mai Otome”, capítulo 26)

“Eu não posso morrer ainda.”
(Rainha Mashiro)

“Esta é a coragem de uma donzela.”
(“Otome wa do “my best” desho?”, canção de Mika Kikuchi e Ami Koshimizu, que encerra todos os episódios)



“Mai Otome” é um dos melhores animes que eu já assisti.
Com 26 episódios, é magnífico, belamente colorido, engraçado, comovente, emocionante e profundo. Apresenta muitos personagens, bastante ricos e diferenciados, num universo ficcional extenso e complexo. É uma ficção cientifica com ares de fantasia medievalesca, embora se passe em outro planeta e num futuro muito distante.
A personagem mais importante, em torno da qual flui a saga, é a jovem Arika Yumemiya, de 14 anos, idealista, inocente, infantil, leal e corajosa, que se dirige à Academia de Garderobe para se tornar uma “otome” (palavra japonesa que significa “donzela”), isto é, uma guerreira dotada de poderes de tecnomagia, treinada para servir a algum figurão de qualquer reino. Em contraponto com Arika está a seca e pouco amistosa Nina Wong, que também estuda para ser uma otome. E aos poucos vai crescendo na trama a original figura de Mashiro Blan, a Rainha de Windblon, uma menina como Arika e Nina. Mashiro é leviana, fútil, irresponsável, pouco interessada no povo de seu país; acostumada com mordomias, voluntariosa, mimada, Mashiro é uma figura antipática que porém, a certa altura da história, se enobrece e se agiganta, tornando-se uma personagem messiânica. Ela cria um gato gordo, Mikoto, que a acompanha ao longo da série.

 


Ao conhecer Arika, Mashiro não apreciou a sinceridade da menina e chegou a estapeá-la, sem imaginar que ela seria a sua maior amiga.

 

 

Há em “Mai Otome” uma enxurrada de detalhes, desde a tecnomagia das otomes (meninas virgens que recebem super-poderes através da infusão de nano-robôs em seus organismos, poderes que são mantidos enquanto conservam a virgindade) e do “Harmonium” (gigantesco instrumento musical que pode controlar as otomes ou anular sua “certificação”) até o complicado jogo político envolvendo muitas nações monárquicas. A maravilhosa protagonista Arika, inconfundível com suas tranças, aparece no encerramento dos episódios numa encantadora vinheta, sendo vista de costas e com os braços abertos, correndo por uma infinita paisagem cósmica, ao som da envolvente canção-tema “Otome wa “do my best” desho?” cantada por Mika Kikuchi e Ami Koshimizu. Uma canção tão linda que fica em nossa cabeça.

 


Arika Yumemiya: uma heroína virgem e inocente, como não se vê nos dias atuais.

 

Eis alguns dados técnicos da franquia:
O mangá original é criação de Hajime Yatate, com roteiro de Hiroiyki Yoshino, cenário de Higuchi e arte de Kenetsu Sato. Foi publicado em 2005 e 2006 pela Editora Akita Shoten, e totalizou cinco volumes. O anime, também de 2005-2006, foi produzido pelo Estúdio Sunrise e dirigido por Mazakazu Obara.
Antes de mais nada precisamos entender que a história de “Mai Otome” não se passa na Terra, mas no fictício planeta Earl, situado em algum ponto no espaço e colonizado há séculos pelos terrestres. Entretanto, não há mais contato com o planeta de origem; não se viaja mais pelo espaço; a antiga tecnologia em grande parte foi perdida.
O foco da saga é a Academia de Garderobe, situada dentro do reino de Windblon, que se prepara para coroar a herdeira do trono, a Princesa Mashiro Blan. Com uma estrutura de certa forma monástica, a Academia Garderobe, onde se formam as otomes, é como uma espécie de Vaticano, sendo Windblon equivalente à Itália. Garderobe monopoliza antigas tecnologias que não são disponibilizadas aos diversos reinos e fazem falta especialmente aos Aswad, uma tribo de nômades do deserto, obrigados a sobreviver em difíceis condições e chefiados por uma mulher muito especial, Midori, chamada a “Líder”.
É nessa terra de Windblon e na Academia de Garderobe que aparece um dia Arika, que faz o possível para se aproximar de uma pouco amistosa Nina Wong, criada como filha adotiva pelo ambíguo Major Sergei Wong, das forças militares do Principado de Artai; atualmente sob o comando do melífluo Duque Nagi.
A situação em Windblon é muito especial. Cerca de quinze anos atrás a princesa recém-nascida desapareceu durante um ataque dos Aswad e o casal real morreu. Algum tempo depois encontraram o bebê — a Princesa Mashiro — mas corria a boca pequena que aquela menina não era a verdadeira princesa. Mesmo assim, com 15 anos, ela seria agora coroada Rainha de Windblon.
Existem personagens fascinantes na trama. Maria Graceburt, por exemplo, a austera e seca diretora auxiliar de Garderobe, que em plena crise (quando a academia é invadida) ajoelha e reza; Natsuki, a diretora, que foge para organizar a resistência; Chie, a aloprada que fica “espiralando” com sua espiral mágica; Ers, a doce amiga e colega de Arika e Nina; Haruka, uma otome maluca, histérica, da República de Aries, onde ela é brigadeira-general; e o perverso John Smith, do Reino de Schwarz, com sua invenção para anular o poder das otomes.Isto sem falar no nanico, presunçoso e caviloso Duque Nagi Daí Artai, que premedita a invasão de Windblon para se apoderar do Harmonium e obter o controle das otomes. Também existe — entre muitos outros personagens — a lendária otome desaparecida, Mai Tokiha, que foi parar em Zipang, e a poderosa Shizuru, que dá cobertura à fuga de Natsuki Kruger.
Arika é uma figura encantadora com sua integridade, sua imensa bondade (retribuindo desprezo e hostilidade com amor), sua ingenuidade de criança e sua espontaneidade. Ela é a menina predestinada, que espalha o bem e a alegria ao seu redor. E percebe-se que, em sua humildade, ela é uma peça-chave para o desenrolar da história e seu desfecho.
A Rainha Mashiro, porém, traz um diferencial muito forte à trama. Quando o país é invadido de surpresa por uma traição do Duque Nagi e John Smith, no caos que se segue Mashiro se vê misturada com um grupo fugitivo e, anônima, oculta num manto. Ela não deseja ser reconhecida, não só porque é perseguida, como porque os seus próprios cidadãos a odeiam — o que ela constata estarrecida, ao ouvir o que falam aquelas pessoas que fogem com ela. Mesmo o menino que a socorrera com água, Mimi, compartilha desse ódio à rainha. O remorso começa a atingir a jovem soberana, com a lembrança de todas as suas leviandades: “Eles não têm pão? Que comam doces!” Ainda por cima ela tem de testemunhar uma cena trágica: Aoi, sua criada, esbarrou com o grupo fugitivo e é reconhecida. Tratada com brutalidade, é levada á beira de um penhasco. Ameaçam jogá-la do precipício se ela não disser onde está a rainha. Nesse momento Aoi avista ao longe Mashiro: as duas se fitam e Aoi, com uma lealdade heróica, declara: “Mesmo se soubesse eu não diria”, e se deixa cair. Horrorizada, Mashiro foge. Ela acaba sendo encontrada pelo povo do deserto, que já havia encontrado Arika, que se tornara otome da monarca adolescente. No passado Mashiro conhecera Arika e por não gostar de certa franqueza da menina, a esbofeteara. Mesmo assim, ao se perder com Arika, por acaso, num esquecido subterrâneo do palácio, precisara da ajuda da garota e fizera dela a sua otome particular. Arika não lhe guardara raiva.

 


O destino as reuniu: a Rainha Mashiro Blan e a otome Arika Yumemiya, a mais leal das guardiães, numa hora dramática para o Reino de Windblon.

 

Midori pensa em utilizar os poderes de Arika, mas nem esta nem Mashiro pretendem servir aos award nesse aspecto, embora, durante sua estadia, colaborem nos trabalhos. Mashiro vai reconhecendo a importância de ser útil aos semelhantes. O grande lance, porém, ocorre após o avistamento do grupo windbloniano do qual Mashiro havia se separado. Midori entendia que Mashiro não devia consideração àquelas pessoas: haviam-na renegado como rainha e, por mais, tinham assassinado a sua atendente.
Mas o remorso, a noção do mal que fizera ao seu povo, remoíam a jovem soberana vestida de azul. Quando ela vê, do alto de um platô, aquelas pessoas serem acometidas por uma fera do deserto, dá ordem a Arika para agir.
Em geral uma otome é limitada em seus poderes, que necessitam uma “certificação” da pessoa real a quem cada uma serve; certificação feita mediante um ósculo no brinco. Por estranho que isso pareça, é assim que uma otome materializa seus poderes de magia tecnológica, podendo então voar e invocar grandes espadas. Dessa maneira Arika mata o monstro, porém Mimi já fôra gravemente ferido.
Mashiro vê-se presa de angústia. Quando ainda não fôra reconhecida, perguntara a Mimi se ele também odiava a rainha. E o menino dissera que, com certeza, do alto do palácio onde vivia, Mashiro não podia enxergá-los, enxergar aquela comunidade paupérrima.
E agora Mimi morre diante de seus olhos. A cena é das mais antológicas já vistas num seriado de animação. As lágrimas de Mashiro são sinceras e sofridas. E quando ela se ergue e encara aquelas pessoas, pronuncia um discurso dos mais admiráveis:


“Ouçam todos! Eu sou a Rainha Mashiro! Sou Mashiro Blan, de Windblon. Não tenho sido uma boa rainha. Por minha causa vocês tiveram muito que sofrer. Sei que muitos de vocês me desprezam. Sinto muito! Mas se puderem me dar uma chance, ainda gostaria de ser a sua rainha! Serei aquela que consertará o que estiver errado, e que ouvirá a todos!”

Mashiro afirma que defenderá o povo, mesmo que a sua vida corra perigo. “Confiem suas vidas a mim”, acrescenta com insuspeitada força moral. A graça divina tocou Mashiro; ela agora é uma iluminada, uma profetisa da justiça. A grandeza assumida por Mashiro toca e comove aquele povo; e é essa pessoa transfigurada que corre até onde se encontra a majestosa Midori, e se ajoelha diante dela, levando o rosto ao chão, numa atitude de profunda humilhação:
— Líder... eu imploro... cuide dessas pessoas por enquanto.
Midori, por força das circunstancias, é uma mulher fria, impassível e desconfiada:
— Você está implorando como Rainha de Windblon?
Mashiro faz que sim, e Midori prossegue:
— Então levante-se.
Mashiro se ergue e as duas líderes negociam. Mashiro declara que, se recuperar o reino, disponibilizará a tecnologia de Garderobe para o povo do deserto. A histórica reivindicação dos Aswad. Midori, porém, ainda hesita, pergunta se Mashiro será capaz de fazer o que promete. “Eu o farei”, garante a pequena rainha, com firmeza. Midori ainda lembra: “Você sabe que nós, Aswad, nos vingamos de quem nos trai? Mashiro anui. Finalmente Midori sorri ligeiramente: “Então eu acreditarei em você”. E elas se apertam as mãos, firmando o pacto.
Nessa mesma noite Mashiro afastou-se do acampamento dos Aswad com Arika, indo até a beira do penhasco, de onde avistavam um grande panorama. E Mashiro confidencia à sua fiel guardiã:


"Quando penso no que poderia ter sido evitado se eu tivesse agido, quando somente eu poderia agir...", e, chorando, ela se abraça a Arika: "Esta é a última vez que eu choro. Por favor, Arika, deixe-me chorar em seus braços."

Arika acolhe carinhosamente sua rainha em prantos e, tendo avistado a cena a distância, Midori se convence de que a chave da vitória de seu povo está na Rainha Mashiro e sua otome.
Mashiro cumprirá à risca as suas promessas. Ela agora é uma figura edificante, exemplar.

Embora a otome Arika seja a personagem principal, com um papel messiânico a cumprir, onde a sua generosidade resgatará Nina do tortuoso caminho a que ela foi levada a seguir, além de decidir o futuro do planeta; apesar da comovente presença de Arika do começo ao fim da série, é este episódio referido, o 21, “O despertar da Rainha Branca”, o de maior impacto ao mostrar o engrandecimento de Mashiro Blan, cuja redenção também será um fator de grande peso para o desfecho desta extraordinária saga. Pois Mashiro disporá apenas de cinco episódios para consertar a situação que sua passada leviandade causou: em três episódios costura os acordos necessários e reúne as otomes dispersas e nos dois últimos comanda o ataque à capital de Windblon para libertar seu país e seu povo.

 


Unidas pela Justiça: Mashiro e Arika, libertadoras de Windblon, Garderobe e do Povo do Deserto.


comentários: (...), Maria Santino, (...), Maria Araújo, Jurubiara Zeloso, Milla Justine, Elaine Márcia, Debora Nascimento, Norma Aparecida Silveira Moraes, Alex Raymundo, Tex Lotann, Beatriz Nahas, Maria Cândida Vieira, Marta Sirino, José Lourenço Florentino, Lucimara Vaz, Argonio de Alexandria, George Barbalho, Miguel Carqueija.