Azul é a cor mais quente - O que o filme me sussurrou ao ouvido
Escrevi há poucos dias sobre este filme excelente. Ele conta uma história de amor completa entre duas meninas. No começo uma colegial (Adèle) se apaixona por uma menina um pouco mais velha. Apesar da pouca diferença de idade Emma já está na faculdade, já é maior de idade, já conhece o mundo gay. O filme mostra o nascimento, o florescimento e o fim de uma história de amor. No ensaio passado escrevi o que achei mais significativo, escrevi sobre o que o diretor quis dizer. Mas me faltou coragem de dizer o que ‘Azul é a cor mais quente’ ao meu ouvido, o que o filme disse particularmente a mim – mesmo sem ter sido sua intenção.
No meio do filme Adèle já vive com sua parceira, Emma, que está prestes a fazer sua primeira exposição. Gente, Adèle é super lindinha. Faz toda a comida, é simpática com todo mundo (assim como todos são simpáticos a ela) mesmo não tendo a mesma afinidade intelectual. Lindo gesto de amor, não é? O problema se deu logo na cena seguinte. Ela foi lavar a louça toda!!!! Enquanto Emma esperava na cama lendo uma tese sobre um autor que Adèle não conhecia. Simbólico, não? Este gesto auto centrado de seguir o próprio interesse (de Emma lendo, se aprimorando) em contraste do gesto centrado no casal (de Adèle, lavando a louça toda) é bem simbólico dos papéis femininos e masculino. A mulher cuida. O homem segue seu interesse. Daí Adèle vai para a cama demandando sexo (talvez um pouco de carinho para compensar o trabalho que teve). Emma prefere ficar lendo. O ponto é: a partir da primeira exposição Adèle nunca é mostrada como uma pessoa interessante para Emma. A exposição é um ponto de virada neste sentido.
O que acontece em seguida? Emma se distancia de Adèle. Fica cada vez mais próxima à mulher com quem irá se casar. Nada indica que houve uma traição por parte de Emma. Algumas pessoas com quem conversei acharam que houve. Não me importa, para mim não houve. O fato é que Emma se distancia. Adèle, até para preencher seu coraçãozinho abandonado, acaba saindo, dançando, se divertindo e transando com um cara. Emma descobre, fica furiosa. No meio da noite expulsa Adèle, a joga no meio da rua apenas com um saquinho minúsculo com umas poucas roupas. Reparem a cena. Adèle andando no meio da noite, chorando sem ter onde dormir. O filme não colocou, mas ainda fiquei pensando, ‘caramba, e ela ainda vai ter que trabalhar no dia seguinte’. Achei muito, muito violento.
Minha leitura do que aconteceu baseada nas minhas experiências de vida. Do que vivi e do que vi é a seguinte: Emma cumpre o papel masculino. Ela se afasta gradualmente de Adèle pois ela não é mais uma pessoa interessante para Emma. Ao invés de pensar a respeito e conversar a respeito Emma se afasta e na primeira oportunidade usa toda a violência para expulsar Adèle. Neste sentido a “traição”de Adèle foi extremamente confortável. A partir desta traição não é necessário uma conversa dolorosa e extenuante que levaria a um rompimento mais respeitoso. É confortável porque Emma pode se livrar de Adèle e ainda por cima o peso de ter cometido um erro ficou todo para Adèle. Isto tudo está em coerência ao papel de cada uma na relação. O papel masculino é que tende a este tipo de ação egoísta e auto centrada.
Aposto que o diretor não quis dizer isto. Mas é o que aconteceu “na verdade”!