O Hobbit - A Desolação de Smaug (Crítica)
Estamos de volta à Terra Média! Neste final de semana estreia em todo o mundo a segunda parte da aventura do hobbit Bilbo (Martin Freeman) e dos treze anões liderados por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage) na cruzada pela retomada da antiga cidade destes, Erebor. Trata-se da adaptação dos capítulos 7 a 13 da obra “O Hobbit”, escrita por J. R. R. Tolkien e lançada com enorme sucesso de público e crítica em 1937. Dentre muitas peripécias, os guerreiros haverão de passar pelos perigos da Floresta Negra, conhecer novos povos e ainda escapar das investidas dos maléficos orcs.
De imediato, dois antagonismos ficam muito evidentes ao se assistir a versão de Peter Jackson. A primeira é o serviço que ele faz à obra do autor, pois fica claro que ninguém além do mesmo conseguiria transpor tão magistralmente e com tamanha fidelidade esse universo literário tão fantasioso às telas. O diretor, fã assumido, parece que nasceu destinado a esta missão e inventa situações que caberiam perfeitamente ao romance, como a sequência dos barris na correnteza, que devido à nova contextualização totalmente condizente à narrativa surpreende, entretém e dá fôlego à trama (assim como nos tira o ar por conta dos efeitos surreais).
Entretanto, paradoxalmente Jackson presta um desserviço ao próprio texto por prolongá-lo além da conta e criar subtramas que acabam confundindo o espectador ou até de certo modo fatigando-o. É o caso das conexões que a toda hora vem à tona com a trilogia “O Senhor dos Anéis”, que em “Uma Jornada Inesperada” (2012) deixava a estória interessante mas que agora a deixa mais pesada. O retorno de Legolas (Orlando Bloom), por exemplo, não deu impacto substancial à trama, a não ser o fato de o elfo simbolizar uma espécie de guarda-costa para Bilbo e companhia. As tentativas de fazer um romance proibido entre ele e a elfa inferior Tauriel (Evangeline Lilly) e de ainda criar um triângulo amoroso com o anão Kili (Aidan Turner) ficaram aguadas e fora de contexto.
A introdução de Bard (Luke Evans), importantíssimo na obra original, quebra o ritmo do longa e lhe proporciona dramaticidade além da conta. Fica claro que o personagem será mais explorado no filme que concluirá a saga, muito embora o seu grande feito deva ser transferido para o hobbit. Ademais, a bruxaria do Necromante (inexistente na obra original) e as situações inventadas (e até redundantes) com o dragão alongam a película na tentativa fajuta de explicar o porquê de ele fazer parte de uma trilogia, no típico oportunismo hollywoodiano para se fazerem grandes bilheterias. Enquanto isso, partes deliciosas (como o diálogo com Beorn, a subida à montanha e a travessia pela Floresta Negra) foram suprimidas ou pouco desenvolvidas. Esqueceram-se de que o livro em si já é um roteiro de primeira, portanto se configuraram desnecessárias tantas modificações.
Não há muito a se dizer no que tange à qualidade extrema dada a esta superprodução. Fazendo jus ao generoso orçamento e ao já certo sucesso de bilheteria, os efeitos continuam ainda grandiosos, beiram a perfeição e transferem toda a fantasia do texto de Tolkien para as telas. É bem verdade que o 3D embaraça certas imagens em que tons escuros se sobrepõem e causa certa confusão visual, mas somos recompensados com a interatividade em alguns sustos de objetos que parecem voar em direção ao rosto. A direção de câmera, com os seus ângulos abertos, proporciona ao público uma visão sempre total dos ricos cenários onde se passam as aventuras, tão eloquentes como os descritos por Tolkien.
O clímax, o encontro com o dragão, que acontece depois de 120 minutos, possui o mesmo impacto no filme como o esbarrão do hobbit com Sméagol no longa antecessor. Com captura de movimentos e ainda dublado pela voz gravíssima de Bernedict Cumberbatch, Smaug é o dragão melhor construído na história do Cinema e ainda deve encabeçar as listas dos maiores vilões dos filmes de fantasia. Apesar de o roteiro várias vezes o fazer passar como bobo para esticar a duração [como um ser monstruoso daquele não consegue fisgar um anão sequer?], a caracterização e o diálogo são bastante fidedignos, e em vários momentos as situações presentes na literatura [perfeitas!] são seguidas à risca.
É lógico que é um ótimo entretenimento e que os fãs do gênero ou até aquelas pessoas mais descompromissadas vão se divertir bastante, só que desta vez não conseguiram superar a magia da escrita de Tolkien, que encontra refúgio muitas vezes na simplicidade, no humor e na leveza. Agora, preferiram empregar o tom sombrio de forma ininterrupta – sendo que tudo que é demasiado acaba enjoando ou perdendo o efeito almejado. E ainda saí da sala de exibição me perguntando se Bilbo é de fato o protagonista: não tanto pelas situações ou pelo pouco crescimento pessoal dele na história, mas principalmente pelo fato de o ator parecer ter se poupado e não ter dado o carisma necessário ao personagem.
Bem, fiquemos agora na expectativa pela grande batalha final entre anões, elfos e homens contra orcs e wargs, evento que promete ser épico e grandioso como poucas vezes se viu na história do Cinema. Como farão para encaixar no meio disso tudo Sauron (também dublado por Benedict Cumberbatch) e sua magia negra me deixou ainda mais ansioso. Mas só em 2014...
Nota: 7,5.