Azul é a cor mais quente
Azul é a cor mais quente
O que achei: Muito bom e sensível.
Pontos fortes: O filme apreende situações que vivemos no amor e na vida em geral. Atuação excelente. Direção solta.
Ponto Fraco: O enfoque em umas cenas de sexo foi um pouco longo. As cenas de sexo explícito até me agradaram, mas as achei longas demais. Também me cansou um pouco a ênfase na corpo da protagonista.
Gente, vocês gostam de serenidade? Vocês gostam de aproveitar, sentir o momento? Ou você é do tipo que se joga no rio revolto da vida navegando do passado para o futuro sempre em busca de mais – sem nem saber que mais é este? Bem... Sou do segundo tipo. O tipo aflito que quer viver a vida em intensidade. Tenho certeza que os budistas não escolhem o meu caminho. Me ressinto de não ter momentos de descanso. Só por domir a tarde já me sinto cupado de não estar estudando ou produzindo. Não digo que sou super produtivo, as vezes sou, geralmente não. Mas sou sempre aflito com isto. E você, como é? Pergunto isto porque se for como eu (e creio que a maior parte das pessoas são) você terá dificuldade com alguns filmes mais lentos. Filmes que não apontam sempre onde vão. Alguns filmes não oferecem aquele jogo de prometer um caminho para o qual você caminhará, alguns não apontam caminho algum. Te deixam parados ali para você contemplar a riqueza do cenário, do momento. Outros não te deixam respirar um segundo. Os filmes infantis além das tramas têm piadinhas a todo momento, você sempre está amarrado ao menos em duas tramas (a principal e a piadinha do momento). Alguns filmes ora caminha, ora descansam em uma cena para você degustá-la.
É o caso de ‘Azul é a cor mais quente’. O filme tem uma trama, anda para frente, te promete, te prende em alguns momentos. Em outros momentos o filme te deixa sem um fio condutor para que a gente curta as delícias e as angústias junto a Adèle (protagonista). Uma menina típica. Ela vive aquele momento conturbado da adolescência em que descobrimos nossa sexualidade em meio a um ambiente social regado por muitos hormônios. Para mim o ponto forte do filme é que ele apreende muitas situações muito complexas das nossas vidas.
A primeira apreensão diz respeito ao grupo de amigas com quem Adèle anda no segundo grau. Elas vivem a adolescência de uma maneira poderosa, temperada pelas possibilidades sexuais que a escola oferece. Mas o vivem de uma maneira muito restrita. É impressionante a pressão que uma delas faz no sentido de orientar as escolhas da menina que acompanhamos. Um garoto lindo e interessante está gamado em Adèle, como ela pode deixar escapar esta oportunidade de ouro? Adèle – sem muita convicção – vai conhecer o garoto, que é sensível, bonito... Talvez um pouco restrito culturalmente, mas e daí? Ela acaba dando uma chance genunuína (não é apenas pró-forme). Logo percebe que se tornou uma pessoa triste. É óbvio que a tristeza está em forçar um envolvimento com quem não a apetecia de verdade. A pessoa que a despertava era uma misteriosa menina de cabelos azuis... Nesse contexto a pressão que toda adolescente sente para seguir determinados caminhos é muito bem ilustrado. Primeiro ponto para o filme!
O segundo ponto tem que ver com a origem das meninas que formam um casal: A Adèle vem de uma família de trabalhadores. Emma, seu grande amor, vem de uma família culta e mais rica. Ao visitar a família de Emma já temos um impacto: o respeito dos pais pela escolha lésbica de Emma é uma surpreza. E tudo é diferente pois são uma família sofisticada, cheia de quadros, com comida chique. Eles tem uma conversa ótima. A mãe pergunta a Adèle que carreira deseja seguir. Sem titubiar diz que quer ser professora de crianças, arrumar um emprego seguro e rapidamente, e em um trabalho gratificante (já que gosta de crianças). A família fica questionando a falta de ambição de Adèle. Em um contraponto, quando Adèle chama Emma para um almoço com os pais elas fingem ser apenas amigas. Os pais de Emma servem macarrão e questionam a opção arriscada (de trabalhar com arte) de Emma. Estes duas refeições, ora com a família de uma, ora com a família de outra, são um excelente meio de vermos como suas origens são diferentes. E esta diferença atinge o relacionamento. Achei lindo que Emma cobra de Adèle que ela vire uma escritora. Não era uma demanda interna de Adèle, ela estava super feliz e completa em suas aulas para crianças. Me parecia que Emma procurava uma artista em Adèle apenas por uma questão estética – uma namorada professora não é tão glamurosa. Gostei muito disto no filme pois a abordagem mais comum é o das pessoas sendo admoestadas por escolher viver de arte, neste caso ela é questionada por querer um trabalho certo e por querer trabalhar logo.
O terceiro ponto muito bacana é o relacionamento amoroso mesmo. As meninas se conhecem, se descobem e se devoram. Inclusive o filme chama muita atenção desde o começo para a beleza de Adèle. Mas mostra tanto a bunda e os lábios da menina que até eu – um faminto pela beleza feminina – achei que não precisava tanto. O romance começa bonitinho naquele jogo de sedução. Ambas são atraentes, Adèle com beleza e pureza jovial. Emma sempre carregada de um olhar misterioso, como a guardiã de um mundo rico (o mundo lésbico e cultural). Passa a uma tórrida paixão cheia de sexo, de desejo e de corpos extraordinários. Inclusive este é o ponto em que o filme chama a contemplação. Ele chama a apreciarmos o sexo pelo sexo das quelas meninas que tanto se desejavam e se amavam. Não era um pedaço de um novelo que chegaria a algum lugar. Nisto (nas cenas de sexo) se concentra a maior parte do espírito conteplativo do filme.
A terceira apreensão do filme que me tocou muito foi o do fim do relacionamento. Emma estava trabalhando muito e se distanciando. Adèle é deixada meio de lado e acaba saindo e encontrando um colega charmoso com quem acaba desenvolvendo um caso. Emma descobre e é violentíssima! Na mesma noite que percebe o que acontece Emma empurra Adèle para a rua, joga apenas uma trouxinha de roupas e tranca a porta. Adèle então vaga pelas ruas absoutamente transtornada. Mas... quem de fato traiu? Quem foi mais violento? Uma pergunta pessoal como esta não tem uma resposta certa. Para mim Adèle foi gradualmente sendo posta de lado, o que fez não foi correto. Mas seria correto ficar levando uma vida opaca, sem brilho, sem paixão? E qual a violência maior, transar com alguém de fora do relacionamento ou ser expulsa a gritos do relacionamento (e da casa onde vivia)? Entendo darmos valor à monogamia, a uma certa visão de fidelidade. Mas acho que trataremos o assunto com mais serenidade se observarmos existem várias formas de negligênciar um relaciomanto. Ficar com alguém de fora dele é apenas uma, provavelmente nem é a mais violenta.
Há que se ressaltar que muitas cenas, particularmente as cenas mais difíceis foram magnificamente interpretadas. A cena da briga é poderosíssima. Atuação que só veio coroar um roteiro e um filme muito sensível e atual.