LIXO EXTRAORDINÁRIO
Nota do Site: 5/ 5
No decorrer do documentário Lixo Extraordinário, o artista plástico Vik Muniz tem um propósito em sua mente: transformar com o seu trabalho a realidade das pessoas. Tal propósito passa a ser esclarecido logo no início do filme, de maneira econômica e eficiente, quando o próprio Vik explica que um dos seus trabalhos mais relevantes consistia na fotografia de indivíduos anônimos de uma determinada região onde, numa pós-produção, essas imagens eram transpostas em quadros e as imagens confeccionadas com grãos de açúcar, produto comercializado pelos próprios indivíduos e profundamente enraizado na cultura daquelas pessoas. A partir daí, Vik Muniz, depois de uma indicação de um amigo, resolve trabalhar com a mesma técnica no Lixão de Gramacho, RJ, usando, neste projeto, elementos extraídos do próprio lixo.
Contudo, a ideia inicial era “fazer arte a partir de elementos do cotidiano daquelas pessoas”, assim, o fascinante neste documentário, no entanto, é que mesmo já embasado de uma experiência anterior, Vik Muniz, parece não ter a menor ideia do que fazer no lixão de Gramacho e, neste sentido, o filme ganha força na medida em que vamos compreendendo o que o artista de fato está concebendo em sua própria mente e, com o auxílio dos próprios trabalhadores do lixão, Vik passa a fazer a seleção do material, a procura do espaço para o trabalho e a própria seleção das pessoas que servirão de modelos para as fotografias de Vik e do seu parceiro, Fábio.
E é a partir do envolvimento dos catadores que o filme ganha uma eficiente força dramática, encontrando neles histórias de vida que se convertem em verdadeiros arcos dramáticos. Assim, Vik vai compreendendo o elemento humano presente naquela realidade e, assim, vai se apropriando positivamente dessas histórias para compor os seus próprios ‘quadros’, o que, inevitavelmente, vai transformando o próprio artista neste processo, refletindo sua própria sensibilidade que, vindo também de uma origem pobre, parece se ver refletido na determinação e dignidade daqueles indivíduos.
E é impossível para nós também não nos envolvermos com aqueles indivíduos. Vistos, numa primeira abordagem, à distância, anônimos no meio da multidão de catadores, Luci Walker e a sua equipe de filmagem retratam a aproximação de Vik Muniz e de Fábio com sensibilidade, quando, de uma forma extremamente espontânea, Vik passa a expor para aqueles que se aproximam sua razão de estar ali, usando sua câmera fotográfica para ‘quebrar’ o gelo. E os personagens e histórias que surgem são sempre fascinantes: Temos por exemplo, o líder da Associação de Catadores local que, após ler O Príncipe e Arte da Guerra (livros que ele tirou do lixo), passou a almejar tornar-se líder local e conseguir melhorias para sua comunidade; O rapaz que, acostumado a catar livros no lixo e sonha em montar uma biblioteca na própria comunidade; A moça que, também catadora, expõe sua fragilidade emocional ao contar sua desilusão amorosa, deixando escapar sua vontade de mudar de vida e sair daquela realidade. E é tocante o plano usado neste momento, trazendo-a em primeiro plano, só para depois vê-la afastar-se e sumir por detrás de um grupo de catadores que encontrava-se ali, atrás dela enquanto ela dava seu depoimento e assumia, por alguns minutos, um protagonismo breve que contrastava com o anonimato que aquele tipo de trabalho forja; e temos ainda a comunitária já idosa que, condicionada àquela realidade, se emocionando com o simples fato de ser ‘matéria-prima’ de uma obra de arte, ao mesmo tempo em que se regozija com o fato de que seu ‘quadro’ viajou o mundo com a sua imagem, deixando escapar um melancolismo disfarçado, já que ela mesma nunca tinha saído do lixo pra nada; e também há a comunitária que divide sua vida em trabalhar no lixão e cuidar de sua família num bairro distante dali. Dentre estas histórias, é uma pena, portanto, que o Sr. Válter, uma espécie de conselheiro ali, tenha morrido logo após seu encontro com Vik Muniz, pois sua espontaneidade em poucas cenas deixam claro que ele teria muitas historias pra contar.
E voltamos à motivação inicial de Vik Muniz em ‘transformar a vida daquelas pessoas’. De fato, com o decorrer do projeto, algo vai mudando entre todos, a começar pelos moradores, que, embora demonstrando certa confiança no inicio, passam por uma mudança drástica em suas atitudes, passando a questionar aquela própria realidade, tomando consciência sobre sua própria condição social, algo ilustrado no momento em que eles estão sendo entrevistados por inúmeros repórteres no momento da exposição dos quadros, passando um discurso seguro e sensível sobre aquele trabalho. E se eles foram mudados pelo trabalho de Vik Muniz, o próprio artista foi mudado por eles. E eis que, numa cena que pra mim é a melhor de todo o filme, Vik Muniz, numa conversa franca com seu parceiro Fábio e a esposa deste, passa a questionar a seguinte situação: “Nós chegamos, os tiramos dali com a promessa de que os retrataríamos em obras de arte e, depois, o que fazer? Como dizer a eles que finalizado o projeto, eles tem que voltar àquela realidade? Como dizer a eles que não podemos mantê-los fora dali?” Esses questionamentos, compartilhados e discutidos, retratam a seriedade do artista com seu objeto de estudo, uma preocupação que todo documentarista deveria ter e compartilhar, a fim de tornar sua obra socialmente mais relevante.
Mas o fato é que, mesmo fascinante em sua abordagem, Lixo Extraordinário ainda contém sua pequena parcela de pecadilhos: o início e o fim do filme, trazendo imagens do Programa do Jô, simplesmente não fazem diferença alguma num filme como esse, e trazer Vik Muniz, já no terceiro ato, visitando suas ‘raízes’, soa tardio, já que poderia ter vindo logo no começo, deixando o restante do filme somente para o projeto de Vik e os arcos dramáticos de seus personagens, pois estes são o que realmente importam, e constatar o ‘final’ de cada um é algo não só gratificante, mas, sobretudo, edificante.
Contudo, a ideia inicial era “fazer arte a partir de elementos do cotidiano daquelas pessoas”, assim, o fascinante neste documentário, no entanto, é que mesmo já embasado de uma experiência anterior, Vik Muniz, parece não ter a menor ideia do que fazer no lixão de Gramacho e, neste sentido, o filme ganha força na medida em que vamos compreendendo o que o artista de fato está concebendo em sua própria mente e, com o auxílio dos próprios trabalhadores do lixão, Vik passa a fazer a seleção do material, a procura do espaço para o trabalho e a própria seleção das pessoas que servirão de modelos para as fotografias de Vik e do seu parceiro, Fábio.
E é a partir do envolvimento dos catadores que o filme ganha uma eficiente força dramática, encontrando neles histórias de vida que se convertem em verdadeiros arcos dramáticos. Assim, Vik vai compreendendo o elemento humano presente naquela realidade e, assim, vai se apropriando positivamente dessas histórias para compor os seus próprios ‘quadros’, o que, inevitavelmente, vai transformando o próprio artista neste processo, refletindo sua própria sensibilidade que, vindo também de uma origem pobre, parece se ver refletido na determinação e dignidade daqueles indivíduos.
E é impossível para nós também não nos envolvermos com aqueles indivíduos. Vistos, numa primeira abordagem, à distância, anônimos no meio da multidão de catadores, Luci Walker e a sua equipe de filmagem retratam a aproximação de Vik Muniz e de Fábio com sensibilidade, quando, de uma forma extremamente espontânea, Vik passa a expor para aqueles que se aproximam sua razão de estar ali, usando sua câmera fotográfica para ‘quebrar’ o gelo. E os personagens e histórias que surgem são sempre fascinantes: Temos por exemplo, o líder da Associação de Catadores local que, após ler O Príncipe e Arte da Guerra (livros que ele tirou do lixo), passou a almejar tornar-se líder local e conseguir melhorias para sua comunidade; O rapaz que, acostumado a catar livros no lixo e sonha em montar uma biblioteca na própria comunidade; A moça que, também catadora, expõe sua fragilidade emocional ao contar sua desilusão amorosa, deixando escapar sua vontade de mudar de vida e sair daquela realidade. E é tocante o plano usado neste momento, trazendo-a em primeiro plano, só para depois vê-la afastar-se e sumir por detrás de um grupo de catadores que encontrava-se ali, atrás dela enquanto ela dava seu depoimento e assumia, por alguns minutos, um protagonismo breve que contrastava com o anonimato que aquele tipo de trabalho forja; e temos ainda a comunitária já idosa que, condicionada àquela realidade, se emocionando com o simples fato de ser ‘matéria-prima’ de uma obra de arte, ao mesmo tempo em que se regozija com o fato de que seu ‘quadro’ viajou o mundo com a sua imagem, deixando escapar um melancolismo disfarçado, já que ela mesma nunca tinha saído do lixo pra nada; e também há a comunitária que divide sua vida em trabalhar no lixão e cuidar de sua família num bairro distante dali. Dentre estas histórias, é uma pena, portanto, que o Sr. Válter, uma espécie de conselheiro ali, tenha morrido logo após seu encontro com Vik Muniz, pois sua espontaneidade em poucas cenas deixam claro que ele teria muitas historias pra contar.
E voltamos à motivação inicial de Vik Muniz em ‘transformar a vida daquelas pessoas’. De fato, com o decorrer do projeto, algo vai mudando entre todos, a começar pelos moradores, que, embora demonstrando certa confiança no inicio, passam por uma mudança drástica em suas atitudes, passando a questionar aquela própria realidade, tomando consciência sobre sua própria condição social, algo ilustrado no momento em que eles estão sendo entrevistados por inúmeros repórteres no momento da exposição dos quadros, passando um discurso seguro e sensível sobre aquele trabalho. E se eles foram mudados pelo trabalho de Vik Muniz, o próprio artista foi mudado por eles. E eis que, numa cena que pra mim é a melhor de todo o filme, Vik Muniz, numa conversa franca com seu parceiro Fábio e a esposa deste, passa a questionar a seguinte situação: “Nós chegamos, os tiramos dali com a promessa de que os retrataríamos em obras de arte e, depois, o que fazer? Como dizer a eles que finalizado o projeto, eles tem que voltar àquela realidade? Como dizer a eles que não podemos mantê-los fora dali?” Esses questionamentos, compartilhados e discutidos, retratam a seriedade do artista com seu objeto de estudo, uma preocupação que todo documentarista deveria ter e compartilhar, a fim de tornar sua obra socialmente mais relevante.
Mas o fato é que, mesmo fascinante em sua abordagem, Lixo Extraordinário ainda contém sua pequena parcela de pecadilhos: o início e o fim do filme, trazendo imagens do Programa do Jô, simplesmente não fazem diferença alguma num filme como esse, e trazer Vik Muniz, já no terceiro ato, visitando suas ‘raízes’, soa tardio, já que poderia ter vindo logo no começo, deixando o restante do filme somente para o projeto de Vik e os arcos dramáticos de seus personagens, pois estes são o que realmente importam, e constatar o ‘final’ de cada um é algo não só gratificante, mas, sobretudo, edificante.