Invocação do Mal (Crítica)
Casas mal-assombradas, portas rangendo, rituais de possessão... Nada disso é novidade para ninguém, principalmente para os mais dedicados e assíduos fãs do gênero terror sobrenatural. Entretanto, todos esses clichês e os sustos deles oriundos são a essência desses filmes e sentimos imensamente sua falta quando eles não são presentes ou, pior, são mal trabalhados. Pensando nisso, surge um nome que parece que ainda dará muito que falar: James Wan, diretor malaio de 36 anos, que precisamente não renovou o gênero mas que vem o resgatando de forma interessante e bem orquestrada.
Sua mais recente estreia no Brasil é “Invocação do Mal” (“The Conjuring”, no original), longa que até o momento já arrecadou mais de US$ 270 milhões em todo mundo, quase catorze vezes mais o seu orçamento. A trama, segundo os créditos, é baseada em uma história real que aconteceu durante os anos 1970. Ao testemunharem fatos paranormais em sua casa recém-comprada, um casal (Ron Livinston e Lili Taylor) e suas cinco filhas pedem a ajuda da sensitiva Lorraine Warren (Vera Farmiga) e do especialista em demônios Ed Warren (Patrick Wilson) para diagnosticarem o que está acontecendo em seu imóvel. Lá, se descobre um passado sinistro que envolve bruxaria, satanismo e possessão, e agora todos terão de correr contra o tempo para que esta família não seja mais uma vítima de mortes macabras.
Com certeza, tal sinopse lhe parece muito familiar. Porém, o que justifica tamanho sucesso e poderia fazer você sair de sua casa para ir ao cinema? Simples: a confecção da obra. Sabendo das armadilhas que uma trama já batida proporciona, o diretor investe em outros elementos para entregar ao espectador um material satisfatório. E o primeiro deles é a escolha do elenco, principalmente o corpo de atrizes. Se Lili Taylor está ótima no papel da mãe que a todo custo procura defender sua família, Vera Farmiga está incrível e rouba todas as cenas na pele de uma personagem forte mas que ao mesmo apresenta uma dolorosa fragilidade. Mesmo crescendo na trama, a atriz e o diretor souberam dar espaço para que os outros personagens também se desenvolvessem.
O segundo ponto favorável é a linguagem trabalhada por Wan, pois se percebe que ele se aperfeiçoou bastante depois de “Sobrenatural” (2010). Desta vez, ele abriu mão do humor meio infantilizado e apostou mais no drama e no suspense no qual todos estão imersos. A tensão vai crescendo aos poucos: enquanto na primeira meia hora de projeção pouca coisa de relevante acontece, as incidências vão ganhando força e dimensão até que se chegue ao final. Valendo-se do jogo “pode ser ou não”, James prende a atenção do público e o surpreende com sustos inesperados. Em alguns momentos nem existe susto, no entanto a tensão do que vai acontecer faz com que as unhas sejam ruídas...
O terceiro critério são as ferramentas utilizadas para se gerar expectativa ao telespectador. Já que os grandes clássicos do gênero estão situados na década de 70 e a ambientação do filme coincide com a época, as referências conceituais a obras desse período, ou um pouco depois, saltam aos olhos. A trilha sonora, por exemplo. Composta por Joseph Bishara, especialista em músicas para o gênero, ela aterroriza desde a primeira cena e nos remete a “A Profecia” (1976) e “Poltergeist” (1983). Como apoio, uma sonoplastia a reforçar a atmosfera carregada. A fotografia de John R. Leonetti é extremamente importante nesse processo e brinca com as emoções nos contrates entre claro e escuro, e luz e escuridão, colaborando com o jogo de “pode ser ou não” adotado pelo cineasta.
Por outro lado, a demora em engatar a ação pode desmotivar a alguns e em outros dá a ideia de que lançaram mão da embromação para desculpar o fato de a película ser um pouco mais longa do que deveria. De alguma forma isso prejudicou o clímax, por resultar em um desfecho aquém do esperado e um tanto corrido. A possessão e o exorcismo, que seriam o ponto alto e poderiam conter maior dramatização, acabaram sendo ofuscados pela demora na introdução e pelo desenvolvimento minucioso.
Em meio a produções oportunistas e que se destinam a trazer sempre o mesmo, senão piorá-lo,“Invocação do Mal” se destaca por investir em si próprio e se levar a sério sem apresentar uma morte ou sequer uma gota de sangue. É o terror nato, cheio de suspense e expectativa, e que com certeza satisfaz a um público que prefere histórias mais bem contadas a pescoços torcidos ou mutilações. Para essa audiência, vale a pena conferir.
Nota: 8,0.