O Homem de Aço (Análise e Crítica)
Com o sucesso crítico e comercial da franquia conhecida como O Cavaleiro das Trevas, a Warner Bros, empresa que detém os direitos dos principais personagens da DC Comics, soube que tinha em suas mãos a chance de criar um universo coeso e interligado, tão como fez a concorrente Marvel com o projeto que culminou no fenômeno “Os Vingadores”. Todavia, existiam alguns empecilhos: o fracasso do longa “Lanterna Verde” (2011), a gama de personagens não tão prestigiados da editora e o seu maior ícone, para completar, teve a sua imagem associada quase que eternamente a Christopher Reeve. Toda a equipe, então, adquiria um desafio enorme em suas mãos: como [re]contar a história de Superman e dar a sensação de que tudo se parte do zero?
Em uma de suas entrevistas, Christopher Nolan – diretor da última trilogia do Batman e produtor executivo de “O Homem de Aço” – expressou o quanto estava sendo difícil essa tarefa, até pelo fato de encontrar um inimigo também imbatível e que pudesse duelar mano a mano com o herói, impossível de ser abatido por ter poderes ilimitados. Encontrar o ator e o diretor ideais se tornou igualmente uma árdua empreitada. Entretanto, ao assistir à película, tem-se a impressão de que boa parte dos anseios de Nolan foi almejada.
A história já é mais que batida e se diferencia em determinadas partes da narrada em “Super-Homem – O Filme” de 1978, só que agora a despretensiosa aventura cede lugar a um ensaio futurístico de ficção científica. Graças ao desequilíbrio ambiental promovido pelos nativos, o planeta Krypton está preste a ser extinto e um de seus líderes, Jor-El (Russel Crowe), alerta o Conselho sobre o problema, mas não é ouvido. Numa tentativa de salvar o seu habitat, um dos guerreiros mais valentes, o general Zod (Michael Shannon), se rebela contra o sistema, é acusado de traição e recebe a sentença de passar 300 anos na Zona Fantasma. Antes disso, porém, Zod mata Jor-El, que há minutos enviara em uma nave seu filho Kal-El (Henry Cavill) em direção à Terra. Ao chegar aqui, o bebê é encontrado pelo casal Jonathan e Martha Kent (Kevin Costner e Diane Lane), que cria o menino, percebe seus dons e lhe nomeia Clark Kent. Quando Zod e seus asseclas, entretanto, fogem e vêm à Terra para encontrar Kal-El, a humanidade que o acolheu corre o sério risco de desaparecer.
Por ser um filme de origem, é na primeira hora que basicamente se tenta explorar as relações entre os núcleos da trama e o espectador vai se familiarizando com eles, principalmente criando empatia pelo protagonista. Começando em Krypton, os excelentes efeitos especiais criam um local exótico, sofisticado e tecnológico – embora frio, principalmente por conta da formalidade entre os habitantes. Passado este primeiro ato, a narrativa salta e se torna não linear, e logo já somos apresentados ao Clark adulto – um homem sério, excluído e solitário. Sua infância e juventude são relembradas pelo recurso do flashback com atores mais jovens e até com o próprio Cavill, o que torna a história mais dinâmica e menos didática.
Até então o roteiro cumpre bem o seu papel e mostra uma trama objetiva e sem rodeios. Ele descobre a verdade de sua origem e a aceita. Há, atualmente, a tendência de o herói rechaçar o fardo de sua missão ou por não se sentir capaz ou por não querer abrir mão de sua vida. Mas, por talvez já estar ciente do que era, Clark veste o uniforme, dá seus primeiros voos e não teme o que virá pela frente. Dessa forma, o texto escrito por David S. Goyer, baseado em elementos recentes de hq’s do kryptoniano, ganha dinamismo e até certa originalidade.
Além do perfil do protagonista, outros elementos se destoam das versões mais clássicas, e um deles é Lois Lane (Amy Adams), que deixa de ser aquela repórter inteligente mas que nunca percebe que o homem pelo qual é apaixonada trabalha com ela na mesma repartição para ser mais descolada, perspicaz e corajosa. Tanto que logo conclui que Clark e Superman são as mesmas pessoas, e ele nem se preocupa com esconder os fatos. Sua audácia é tamanha que parte dela, numa daquelas viradas sem sentido que sempre existem nos roteiros, a ideia de salvar o mundo do ataque de Zod, um vilão de personalidade e propósitos muito parecidos com o interpretado por Benedict Cumberbatch, em “Star Trek – Além da Escuridão”: algumas de suas razões são legítimas, sendo, contudo, a maneira de as executar questionável e o que faz dele o antagonista.
O filme ganha mais movimento no último ato, cheio de sequências de embates homéricos entre as duas partes. Socos, prédios desabando e voos parecem querer compensar aqueles que esperavam há décadas por lutas contra um inimigo de peso, em uma megalomania de efeitos especiais. Alguns criticam negativamente Zack Snyder, alegando que essa destruição exagerada muito lembra a de “Transformers – O Lado Oculto da Lua”. Eu discordo. Enquanto Michael Bay se apoiou em mais de uma hora de efeitos e sequências intermináveis para se desculpar por um roteiro totalmente inócuo, em “O Homem de Aço” o diretor contextualiza essas tomadas, que não são desnecessárias e não poderiam ser menos grandiosas, afinal são dois deuses.
Ainda na parte técnica, a trilha sonora de Hans Zimmer embala todo o projeto em perfeita harmonia, atribuindo tensão ou candura, se o momento pedir. Mesmo ainda que se sinta falta do tema clássico composto por John Williams, Zimmer atualiza suas canções na medida que também se atualizou o herói. Sob a batuta de Nolan, Zack Snyder, já acostumado em adaptar super-heróis, faz bonito na direção, acerta nos ângulos abertos e finalmente abre mão daquela câmera lenta tão característica em seus trabalhos: em um filme ágil, esse recurso não caberia.
Quanto ao elenco, todos estão muito bem encaixados em seus papéis. Crowe rouba todas as cenas em que participa, ótimo como o prudente Jor-El; Shannon compõe um típico vilão que achou o lugar correto entre o caricaturesco e a convicção; Costner, apesar de aparecer menos que deveria, incorpora com talento o sujeito pacífico e racional que procura defender seu filho dos males do mundo; e Cavill interpretou com firmeza seu primeiro grande protagonista, embora suas falas não sejam as mais impactantes e ele apresente em certos momentos desconforto, assim como gestos e caras emburradas não muito convincentes. No entanto, depois de Reeve, é o melhor Clark Kent/Superman de que temos notícia.
Embora muitas vezes seja uma apologia a Jesus Cristo (ter 33 anos, ser uma espécie de messias, o grande salvador...), retratou-se o clássico herói por uma nova perspectiva, diferente da perfeição, e o final escolhido prova isso, e talvez por essa razão possa não agradar aos mais ortodoxos. O realismo de Nolan evidencia que estamos numa nova era em que maniqueísmos e inércias não podem existir – que, apesar dos sentimentos de ética e culpa, somos capazes de atos desesperados e com duras consequências.
Em suma, acerta-se bem mais que se erra. E mesmo com algum marasmo em seus 132 minutos (desconsiderando os créditos finais) é uma obra que cumpre o seu papel de divertir, ainda que não haja situações humoradas, posto que o filme possui um viés mais adulto (e se esperaria outra coisa de Nolan?). O resultado final é muito bom, e de fato conseguiram dar uma nova energia à mitologia do Super-Homem e esperança aos fãs de em breve vermos Liga da Justiça nas telonas. Mas muita água ainda falta passar por essa ponte... Salve, Nolan!
Nota: 8,0.