O Cavaleiro Solitário (Análise e Crítica)
Mais uma vez a nona arte serve de inspiração para a sétima e empresta um de seus personagens icônicos para ser retratado nas grandes telas. Trata-se agora do Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger, no original) muitas vezes propositalmente confundido no Brasil com o Zorro. Originário de um programa de rádio em 1933, o cowboy justiceiro ganhou as páginas das HQs uma década e meia depois, mídia que ainda mais o popularizou, rendendo-lhe, inclusive, uma série televisiva de grande sucesso no ano seguinte.
Aproveitando-se desse filão de adaptações bem-sucedidas de personagens dos quadrinhos, a Disney não economizou e apostou alto na produção. O resultado, como não poderia deixar de ser diferente, salta aos olhos – e também aos ouvidos. Dentre os diversos elementos em uma obra cinematográfica, nesta diversos se destacam pela excelência na qualidade. Começando pela fotografia incrível – que consegue captar o espírito do filme e do Velho Oeste através do jogo de luzes e das lindas paisagens, passando ainda pela exuberante cenografia – que reconstrói com total realidade aquelas cidades bem típicas que conhecemos e se mostra impecável, tão quanto o figurino – bastante característico e adequado a cada personagem.
O deslumbramento não se contém apenas aos olhos. O som e a trilha sonora também dão um show à parte. Quanto a esta, composta pelo calibrado Hans Zimmer, ainda presta homenagem ao seriado clássico, modernizando a inesquecível trilha sonora do personagem. A sincronia entre imagem e áudio é bem harmônica, e o espectador não se sente incomodado pela presença deste, principalmente nas cenas de ação, que ainda ganham maior dramaticidade sem necessariamente apresentar um prisma sombrio à trama.
A princípio, a narrativa é muito simples. Ao voltar para sua antiga cidade já formado como advogado, John Reid (Armie Hammer) procura com seus novos conhecimentos promover maior justiça ao lugar. Mas logo se vê no meio de uma guerra de interesses entre índios e magnatas e acaba perdendo seu irmão, que se casou com a antiga paixão que John havia deixado para trás – Rebecca Reid (Ruth Wilson). Dado também como morto, o novo herói é “trazido à vida” pelo índio Tonto (Johnny Depp), que se torna um misto de mestre e escudeiro, mas que também possui os seus segredos e fomenta uma vingança contra os ambiciosos que, anos antes, mataram toda sua tribo.
Como se vê, não existem dificuldades para se compreender a história. E essa é a principal razão para não se entender o motivo pelo qual o filme dura 140 minutos. Desconsiderando o fato de o personagem não ser muito conhecido do público jovem – maior consumidor deste tipo de entretenimento –, essa pode ser uma possível razão para o fracasso da bilheteria norte-americana já na primeira semana. Se retirados pelo menos 20 minutos, se ganharia maior dinamismo, algo essencial no sucesso de um blockbuster. Em diversos momentos, a trama se arrasta em diálogos nem tão originais e desperta um certo marasmo.
Essa falha do roteiro é um pouco compensada por uma espécie de metalinguagem debochada, em que os próprios personagens se perguntam acerca de uma situação absurda não explicada pelo próprio roteiro, que apresenta seus furos, previsibilidades e clichês. Essas intervenções trazem fôlego e humor (oras pastelão), em um filme que por vezes se mostra sério demais, já que aborda temas como ética na política e sentidos de justiça. Entretanto, fica clara que não há intenção de se discutir ou debater sobre isso, posto que as reflexões vindas dos próprios protagonistas são baseadas naquilo que deles já esperamos, o que deixa superficial qualquer tentativa de fazê-lo.
As atuações não decepcionam de todo, mas também em nada surpreendem. O galã da vez está bem em seu papel de herói ainda em construção, porém não consegue roubar as cenas, talvez por uma ainda falta de carisma. Muito se fala de Johnny Depp e que seu índio seria uma versão terrestre do inconfundível pirata Jack Sparow. Em partes, receio que seja uma injustiça. É claro que se tem uma e outra semelhanças, todavia o ator não falha em lhe dar uma identidade própria e adicionar a ele gestos mais comedidos, comovente olhar melancólico e maior carga dramática por conta de ressentimentos e culpa por se sentir responsável pelo extermínio de seu povo. Quanto ao resto do elenco, algum se sobressai, mas nada que chame tanta atenção – apenas cumprem com sua missão. A escolha do par romântico do Cavaleiro foi desastrosa: além de um rosto fora dos padrões de beleza mais clássicos, não se cria um grande vínculo entre eles, e o público se mostra apático para com o casal. Um baita tiro errado.
Em suma, “O Cavaleiro Solitário” cumpre a tarefa de entreter, mas dificilmente vá além disso. É uma boa pedida para pessoas que já passaram dos seus 50 anos relembrarem do significado do personagem na sua infância. Quanto à geração atual, talvez se interesse por conta de Depp estar no elenco, mas acredito que pouco mais deva aguçar a curiosidade deles, senão os efeitos especiais e as grandiosas sequências de ação. Não custa nada conferir, posto que, por conta de seu estrondoso fracasso comercial, certamente a Disney não investirá numa possível continuação. O grito de ordem “Hi-yo Silver”, infelizmente, ficou arranhado na garganta.
Nota: 6,0.