Jules e Jim (Uma Mulher para dois) de François Truffaut

François Truffaut, um mestre da vida.

Relembrar François Truffaut neste início do século XXI, quando os matrixes se revelam e tornam o cinema uma obra do demônio, e resgatar a sua proposta humanista como cineasta e como cidadão do mundo é deveras salutar.

Carros-bomba explodem algures, ouviremos novamente a missa em latim e, se tudo der certo, no futuro veremos mais filmes a François Truffaut nas telonas e telinhas. Porque não só de retrocessos se faz a vida. E Truffaut trouxe um grande avanço para a arte do cinema.

Não seria demais relembrar a sua vida sofrida, a sua infância em meio às incompreensões da família, pai não conhecido, conflitos com o padrasto que o levaram direto para reformatórios juvenis, a sua revolta, até que o destino o coloca em contato com o cinema através de André Bazin, o criador da Cinemateca Francesa, que cuida do menino e o alimenta com sonhos e cultura. Truffaut contou tudo isso através dos seus filmes autobiográficos, a começar pelo primeiro filme “Les quatrocente coups”, que em português teve o título incompreensível de “Os incomprendidos”. A expressão francesa significaria “Travessuras” ou “peripécias” e é já uma homenagem ao cinema, pois um dos primeiros filmes franceses de Georges Méliès, o inventor do “cinema-fantasia”, em oposição ao “cinema-verdade” de Lumière, chamava-se “Lês quatrocente farces de diable”.

Jules e Jim, (Uma mulher para dois), é o terceiro longa-metragem de Truffaut, feito em 1962, ainda em preto e branco. Nele uma série de inovações cinematográficas, pois a proposta daquela geração era mudar o cinema e mudar o mundo. Os seus heróis eram, John Ford, Roberto Rosselini, Alfred Hitchcock. Aqueles críticos do Cahiers du Cinema empreenderam a sua revolução cinematográfica, conhecida como “Nouvelle Vague”, nova onda, ou bossa nova, como queiram. No Brasil, Cinema Novo. Na Itália, Fellini estava no auge. No Japão, Kurosawa reinava. Na Suécia, Ingmar Bergmann lançava obras primas todos os anos. Bons tempos para os amantes da sétima arte.

Mas se Fellini ousava na fantasia, Kurosawa impressionava pelo detalhismo da cultura nipônica, Ford emocionava pela conquista do faroeste, Glauber Rocha trovoava com Corisco, Bergmann ilustrava quão demorado pode ser um minuto, Hitchcock com o suspense, Truffaut enveredou pelo cinema eminentemente urbano, pelo realismo romântico, pelo lirismo ingênuo e quase à la Jacques Tati. pelas questões que afetam os cidadãos comuns em sua vida cotidiana, fazendo uma síntese perfeita entre as duas vertentes do cinema francês, um cinema-verdade com alguma dose de fantasia, ou vice-versa.

Um outro cineasta francês, Robert Bresson, autor de várias obras-primas, destacando-se “Pickpocket”, a história de um obsessivo batedor de carteiras, pode ser considerado um precursor de Truffaut.

Jules e Jim está baseado num romance, o filme deixa isso claro. Em off, uma voz narra a ação, essa a primeira inovação. Veremos anos mais tarde o seu herói autobiográfico, Antoine Doinel, escrevendo compulsivamente (Os Beijos Roubados), veremos o seu amigo-rival, Jean Luc Goddard, usando o mesmo recurso em “Pierrot-le-fou”, um herói escrevendo o seu diário enquanto a ação se desenrola. Pois Truffaut não fazia apenas cinema, fazia cinema-romance, escrevia com a câmera. Utiliza, também uma montagem que lembra o cinema mudo, com legendas que se inserem subitamente e a música primorosa que comanda toda a montagem.

Jules e Jim é, antes de tudo, a história de uma amizade, e dos percalços que atingem a amizade sem destruí-la. Um é francês, Jim, o outro germânico, austríaco ou alemão. Estão, no início do século XX na Paris dos nossos sonhos, a cidade-luz da cultura e dos artistas, no fim da “belle époque”. Lá está a grande pintura, Picasso pintando As “Demoiselles Dávignon”, Matisse, os grandes escritores, o início do cinema. E lá estão Jules e Jim, em 1912, amigos artistas e boêmios. Conhecem Catherine, uma mulher instigante, que os domina, e flerta com ambos. Forma-se o triangulo amoroso .

“Indecisa entre dois amores — um pronunciado, outro tímido —, Catherine marca encontro com Jim, num café, para conversar. Ele atrasado, pensa que ela, no horário, foi incapaz de esperá-lo. Aguarda uma hora e vai-se. Catherine chega, no minuto seguinte, mas Jim não está mais.

“Alô, Jim? Te acordei? Nós partimos para o meu país, Catherine e eu, para nos casarmos.” — anuncia Jules, no dia seguinte, eufórico.

Por um desencontro de minutos, Jim perde Catherine? Por um erro de cálculo, Catherine entrega-se ao homem errado? Truffaut não dá a resposta e nem permite às personagens voltar atrás. Logo estoura a Grande Guerra e eles se separam de acordo às bandeiras de suas respectivas pátrias.” (Trecho do excelente ensaio de Julio Daio Borges em http://www.jdborges.com.br/ensaios/julesjim.htm), a qual remeto o leitor que quiser todos os detalhes da história).

A “belle epoque” acaba com o início da Primeira Grande Guerra (1914-1918), os amigos são convocados, um para o exército francês, o outro para o exército alemão. Passam a ser inimigos, portanto. Mas a amizade persiste. Após a guerra, voltam a se encontrar. Catherine, casada com Jules tem uma filha. O amigo Jim os freqüenta. Catherine começa a demonstrar desequlíbrio mental, a sua afeições oscilando entre os amigos.. No final do filme, o conflito se resolve com a morte. Catherine toma um automóvel com Jim, e o joga de uma ponte no lago. As imagens finais mostram Jules carregando as urnas mortuárias com as cinzas de Jim e Catherine.

Como se vê, uma história perfeitamente adequda ao mundo que estava fazendo a sua "revolução sexual".

Ficha Técnica

Título Original: Jules et Jim

Gênero: Drama

Tempo de Duração: 104 minutos

Ano de Lançamento (França): 1964

Estúdio: Les Films du Carrosse / Sédif Productions

Distribuição: Janus Films

Direção: François Truffaut

Roteiro: François Truffaut e Jean Gruault, baseado em livro de Henri-Pierre Roché

Produção: Marcel Berbert

Música: Georges Delerue

Fotografia: Raoul Coutard

Desenho de Produção: Fred Capel

Edição: Claudine Bouché

Elenco

Jeanne Moreau (Catherine)

Oskar Werner (Jules)

Henri Serre (Jim)

Vanna Urbino (Gilberte)

Boris Bassiak (Albert)

Anny Nelsen (Lucie)

Sabine Haudepin (Sabine)

Marie Dubois (Therese)

Christiane Wagner (Helga)

Michel Subor (Narrador)

Sinopse

Paris, início do século XX. Jules (Oskar Werner), um judeu-alemão tímido, e Jim (Henri Serre), um francês extrovertido, se tornam grandes amigos. Eles têm muitos dos mesmos interesses, entretanto procuram alcançá-los de forma bastante diferenciada.

Em uma viagem para uma ilha um pouco distante da Grécia, eles vêem uma estátua com um sorriso sem igual e quando voltam à Paris conhecem Catherine (Jeanne Moreau), que se parece com a escultura.

Logo os três boêmios se tornam um trio inseparável e eles têm muitos momentos agradáveis em passeios de bicicletas ou idas à praia. Enquanto o cenário político mundial estremece com a possibilidade da Primeira Grande Guerra, eles estão determinados em aproveitar a vida ao máximo e viver para o momento.

Jules se apaixona por Catherine e implora a Jim que a deixe cortejá-la e não interfira. Jim concorda, então o trio vai para o sul da França, onde eles tem primorosas férias. Jules propõe casamento a Catherine, que aceita.

Um pouco depois de retornarem a Paris eclode a Primeira Guerra Mundial. Assim Catherine e Jules vão para à Alemanha e os dois homens combatem em lados opostos da guerra.

Após o armistício, Jules encontra Jim e pede para ele ir visitá-los em sua casa, um chalé no Rhineland. Jules e Catherine têm uma filha de cinco anos, Sabine (Sabine Haudepin). Jim pode ver imediatamente que o matrimônio está em crise. Catherine fala de todos os seus amantes para Jim, mas Jules quer manter o casamento a todo o custo, apesar do caso dela com Albert (Boris Bassiak), um outro amigo.

Quando Jules decide que se ele não pode ter Catherine o melhor amigo dele deve tê-la, ele dá a sua aprovação para eles terem uma ligação.

Jules se divorcia de Catherine e assim ela e Jim podem se casar, mas após algum tempo Jules quer vê-la imediatamente. Jim tem que voltar a Paris para um negócio e acaba se reencontrando com Gilberte (Vanna Urbino), uma antiga amante. Isto afeta de forma profunda sua relação com Catherine, mas muitas coisas mais iriam acontecer.

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