Homem de Ferro 3: Tony Stark e a desmistifação/humanização do herói contemporâneo
(Crítica Complementar)
Qual o fã de quadrinhos não se lembra de uma cena, seja nas revistas ou em alguma adaptação para outra mídia, em que o seu herói predileto arrisca ou até perde a vida em prol do bem-estar coletivo? Ou então busca justiça em vez da simples vingança? Pois é, foi-se a época em que os heróis eram símbolos de perfeição e altruísmo. Passados ¾ de século desde a estreia de Batman e Superman nos quadrinhos, o que temos hoje são heróis cada vez menos super e mais propícios a falhas e fracassos. Numa tentativa de se adaptarem à nova realidade contemporânea, até eles tiveram de ser moldados.
No recém-lançado “Homem de Ferro 3”, a ênfase na figura de Tony Stark (Robert Downey Jr.) deixa evidente uma tendência que se propagou na nona arte – os quadrinhos – lá entre os anos 1980 e 1990: a humanização do herói. Quem ficou na sala de projeção para acompanhar a cena pós-crédito teve a oportunidade de perceber que toda a narração do filme é, na verdade, uma conversa entre o empresário bilionário e Bruce Banner/Hulk (Mark Ruffalo) em um... consultório??? Sim, o Homem de Ferro está no divã e o Hulk é o seu analista. O herói mais poderoso e carismático do universo Marvel, além de responsável por ter salvado a Terra de sua dizimação, tem problemas existenciais, se sente fraco e precisa desabafar.
Embora o longa tenha lá os seus problemas – quem quiser pode ler a minha crítica na relação de textos publicados –, o desenvolvimento do personagem é o único ponto forte do roteiro e o que segura de fato o filme. São as atitudes errôneas de Stark – o seu lado humano – que vão fazê-lo se dar conta das coisas mais importantes que ele tem na vida. Logo no início da trama, o personagem se apresenta instável e aflito. Não consegue dormir e quando o faz ainda tem pesadelos. Sentimentos ruins começam a tomar conta dele, inclusive o medo de perder a quem mais estima, sua namorada Pepper Potts (Gwyneth Paltrow). Paradoxalmente, é justamente ele quem a coloca em perigo.
Quando seu guarda-costas e amigo Happy Hogan (Jon Fraveau) é gravemente ferido em um atentado com bomba, Stark jura vingança ao “terrorista responsável”, Mandarim (Ben Kingsley), e em rede nacional cede o endereço de sua residência, como se marcasse um confronto. Seu lado narcisista acaba se esquecendo do perigo, e sua residência então é alvejada por inúmeros atentados com armas e mísseis poderosos. Despreparado, vê o seu reinado ruir e a mulher que ele ama feita de refém. Toma conta dele o sentimento da vingança, algo muito comum no ser humano normal, principalmente em quem já desacredita no poder da justiça.
Focada na persona, a película mostra o herói/homem em uma batalha de cunho íntimo. Dado como morto, terá que recomeçar do zero a fim de reaver aquilo que lhe pertence. Mesmo sendo uma história fantasiosa e provavelmente inverossímil, é necessário que o espectador se identifique e de alguma forma crie laços com esse herói tão conturbado, que poderia ser o próprio espectador. Afinal, quem nunca teve de recomeçar sem expectativa de nada, se viu sozinho nessa jornada e se sentiu fracassado? Quem nunca teve de recuperar forças de onde não imagina para seguir em frente? O sofrimento, além de sensibilizar, nos faz criar identificações; e quando vimos um herói sofrer também nos sentimos heróis.
O fato de ele pouco usar a sua armadura – que melhor caracteriza o seu alter ego – ressalta justamente a sua força e superação. Como se fôssemos nós, de cara limpa, enfrentando as peripécias do nosso dia a dia. Para não chocar o público infantil – e não perder bilheteria por conta da classificação indicativa – os filmes do Homem de Ferro não retratam algo muito importante da biografia do personagem, que é o fato de ele ter sido alcoólatra e quase ter perdido tudo por causa do vício, como é demonstrado no excelente arco “O Demônio da Garrafa”, do final da década de 1970. Entretanto, neste terceiro episódio da franquia, existe uma cena em que ele diz isso, que quase chegou ao fundo do poço por causa da bebida e que nada mais o faria perder coisas importantes. Embora só mencionado, não deixa de ser um dado significativo, capaz de mostrar a fraqueza (o vício) e a superação (a reabilitação).
Dessa forma, o egocentrismo não é sinônimo de egoísmo. Todos nós precisamos no decorrer da vida de momentos em que devemos pôr a nós mesmos em ênfase e cuidar de nossas vidas. Na medida certa, esses momentos são essenciais para que nos restabeleçamos com a sociedade, afinal de contas só a pessoa satisfeita consigo mesma poderá se relacionar melhor com o outro. No contexto do longa, a cena do resgate de civis em atentado a uma aeronave mostra justamente isso. Numa trama de cunho pessoal, pretende-se dizer que o egocentrismo de Stark não necessariamente remete ao egoísmo. Ele ainda se preocupa com o próximo e é altruísta, uma atitude que somente somou a seus propósitos.
Seguindo a tendência de sucesso da última trilogia Batman, dirigida por Christopher Nolan, a Marvel deixou uma mensagem bem clara através de “Homem de Ferro 3”: que esta nova fase dos seus filmes vai se focar nos dilemas dos homens e mulheres que vestem os uniformes e as armaduras – suas emoções, medos, fraquezas, perdas, reconquistas, superações... E quem, a princípio, tem a ganhar com isso é o público, que será presenteado com a possibilidade de sair das salas de cinema não somente extasiado pelas lutas e aventura, mas também emocionado e podendo refletir sobre o mundo, a sociedade e – o mais importante – si próprio.
Basta querer, observar e estar disposto para isso. Anos atrás, quem poderia dizer que filmes de super-heróis seriam mais que puro entretenimento e fantasia? Apesar de todos os seus clichês e furos de roteiro, a essência desses filmes está evoluindo; e isso é um convite para que seus espectadores façam o mesmo.