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MINISSÉRIE JOSÉ DO EGITO
José do Egito, a nova super produção da Rede Record, seria uma boa minissérie bíblica, e faria jus à qualidade do figurino e ambientação, se não fosse a tendência da roteirista e diretores de personificar as personagens do Gênesis 34: 1 a 31 segundo a maneira de ser, pensar e ver das pessoas da atualidade e preencher as lacunas históricas com ações e diálogos que não correspondem a realidade daquele tempo, bem como com discussões relativas a problemas atuais, que não eram o caso a 3.000 anos. No primeiro capítulo, a jovem filha de Jacó, Diná, questiona o pai por entregá-la em matrimônio ao jovem príncipe Siquém que a havia forçado sexualmente. Esse capítulo também foi caracterizado por nervosismo e irritabilidade excessivos dos personagens, especialmente os jovens que tratam com seus pais sem a menor reverência, retratando a insolência dos filhos de agora, atitudes totalmente incomuns naquela época, mas marca registrada das minisséries bíblicas da Record.
Há não muito mais que quarenta anos, uma moça que fosse estuprada (violentada) ou desvirginada (seduzida, como se dizia), nem mesmo se atreveria a revelar tal coisa, pois se sentia extremamente envergonhada e se caísse nos ouvidos da sociedade nem mais marido arrumaria. E se o estuprador, ou o sedutor, ou outro nome que se chamasse, fosse solteiro e quisesse se casar com ela, isso seria uma tremenda sorte e sua vergonha seria esquecida. E muito mais compensador seria se ele fosse de uma boa família, ainda mais se fosse rico ou um príncipe. É certo que nenhuma moça gostava de ser forçada por violência, mas as pessoas procuravam amenizar o mal feito sem produzir para isso complicações ainda maiores ainda.
No tempo de José, em regra os filhos eram submissos as determinações de seus pais. Eles não obedeciam por medo, mas por confiança e por amor, muito diferente dos filhos de hoje. Se os pais fossem severos, o mundo era muito mais e eles sabiam que os costumes mundanos só podiam produzir dor, sofrimento e morte. Eles tinham certeza que se seguissem as regras dos seus pais se dariam muito bem na vida, pois sabiam que os pais tinham muito mais vivência e isso para eles tinha muito valor. Prova disso foi José, que em tudo obedeceu a seus pais e em tudo prosperou, chegando a vice rei do Egito numa das mais altas dinastias. Mais que os filhos homens, as filhas mulher eram obedientes e submissas, jamais se aventurando solitárias no mundo fora, longe da família e da vizinhança, muito menos se arriscando a encarar um marido que seus pais não tivessem conhecido e escolhido. Jamais uma filha, seja em que circunstância fosse, questionaria uma determinação de seu pai e de nenhuma forma ela colocaria em cheque sua consciência, afrontando-lhe a determinação com um questionamento como o da Diná da minissérie, ainda mais sendo ele um bom pai, como era Jacó. A Diná da minissérie, porém, embora retratando algo ocorrido a 3.000 anos, levantou discussão sobre o estupro e quão revoltada ela se sentia por estar sendo entregue justamente por seu pai a um estuprador. Seu pai, na interpretação da minissérie, foi então um desalmado e inconsequente conivente com um crime tão bárbaro. Mas, ironicamente, ao mesmo tempo ele era tido como um homem de Deus.
Pareceu que se aproveitou aí a oportunidade para desdenhar um pouco da Bíblia, de Deus e dos cristãos, lançando dúvida sobre as atitudes pacíficas, jamais vingativas e tampouco justiceiras, que devem nortear as decisões e soluções de conflitos humanos para reduzir a maldade, a violência e a guerra. Quão oportuno pareceu a roteirista e diretores levantar essa discussão, haja vista ser o estupro um dos grandes males do tempo atual. Entretanto, tal discussão não tem lugar no contexto do tempo da Diná da Bíblia, é disforme nesse tempo, pois o estupro não era comum e tampouco um problema social na época. Haja vista que, embora o mundo fora pudesse ser um tanto primitivo e, talvez, mais selvagem do que agora (embora que isso vai deixando de ser verdade à medida que a violência atual aumenta), as mulheres não andavam perambulando desacompanhadas longe de casa e da família. De qualquer maneira, o homem de bem em geral era muito mais respeitador do que hoje e a boa parte das pessoas e comunidades eram de bem. E, se, talvez, o estupro fosse recorrente entre algum povo pagão, nesse contexto seria considerado tolerável ou, talvez, aceitável.
De amais a mais, o pai de Diná era pacífico, um homem de Deus e de perdão, o que ele também tinha ensinado a ela, como também aos demais filhos, que bem sabiam respeitar as filhas dos outros. Ele não via vantagem em criar inimizade com o povo de Siquém, já que lá era uma cidade, cuja estrutura eles desfrutariam por morar próximo. Inclusive ele impôs condições para o casamento da filha com o príncipe apaixonado e arrependido, bem como para a junção de sua família com o povo dessa cidade e eles aceitaram, submetendo-se todos ao ritual da circuncisão que representava a aceitação e ingresso na religião de Jacó. O contínuo efeito desse ato, a prática dessa nova religião mudaria muito dos costumes e ações do povo daquela cidade. A prática do mal e de maus costumes diminuiria consideravelmente muito em breve e ao longo dos anos.
A Própria Diná gostou muito de terem ido morar lá, tanto é que foi na cidade para ver se encontrava outras moças. De qualquer maneira, o que o príncipe Siquém fez com ela não foi um simples estupro maldoso, mas o extravasar de seu coração apaixonado. Tanto é que ele correu para seu pai pedindo que se apressasse em pedir a mão dela em casamento, pois na verdade essa foi sua intenção desde que a viu. Quanto a ela, é certo que se assustou e chorou por causa desse ataque inesperado e forçado. Mas, porque também tinha um coração perdoador, como seu pai lhe ensinara pelo exemplo, e, certamente, gostara do jovem antes, passado o susto e manifesto o desagravo, perdoou-o e assentiu em casar-se com o moço sem ressentimento.
De qualquer forma, mesmo que Jacó não fosse pacífico e perdoador, não iria declarar guerra a uma cidade Estado, embora que pequena, seu príncipe, rei e exército contando apenas com seus doze filhos. Por outro lado, não havia naquele tempo as leis de agora, tampouco este sistema judicial e policial que conhecemos. As pessoas de bem daquele tempo nem mesmo quereriam esse tipo de justiça belicosa de nosso tempo, pois eram pacíficas e tudo resolviam à mesa redonda e com diálogo. Não havia problema grave o suficiente para não merecer ser discutido e resolvido. As pessoas eram submissas umas às outras; não exaltadas como somos agora. De mais a mais, uma criança era muito preciosa, não só para as mulheres, mas também para os homens. E um filho, embora que fruto de estupro, sempre seria amado como um presente de Deus, jamais sendo descartado, condenado ao aborto ou orfanato só para que seu pai, embora decidido a consertar seu erro, fosse punido por tê-lo feito de uma forma não convencional. Ao contrário, o melhor arranjo era as pessoas se perdoarem e remediar o caso casando-se e fazendo o melhor da vida dali para frente; criando seus filhos protegidos ao máximo das consequências dos erros passados dos pais. De qualquer forma, a grande ambição de uma mulher não era ser homem, pilotar aviões, dirigir caminhão, posar nua, pular carnaval e ir para a guerra, mas casar-se, ter filhos e educá-los. Então uma estuprada que o estuprador voltava retratando-se e querendo casar-se com ela, ainda dizendo que a amava, aproveitava o limão e fazia uma limonada, resolvendo a pendência de uma vez por todas e vivendo feliz dali para a frente. As pessoas aprendiam a amar quem as amava.
Infelizmente, porém, dois dos filhos de Jacó, Simeão e Levi, irmãos de Diná, e não os dez, como a minissérie mostra, poderiam desmentir tudo o que disse sobre os filhos daquele tempo, pois desconsideram o acordo do pai, bem como a exigência que eles mesmos tinham concordado em fazer ao rei de Siquém, seu filho e os demais homens da cidade, de converterem-se a religião de Jacó e circuncidarem-se. E, aproveitando-se justamente do fato de que a circuncisão em adultos produz muita febre, sendo ela mais alta no terceiro dia, invadiram nesse dia a cidade às escondidas de seu pai e demais irmãos e mataram, não somente o rei e seu filho, mas também a todos os homens, saqueando ainda todos os bens da cidade. Todavia, esse genocídio foi uma exceção, sendo que os demais filhos dos dez (pois José e Benjamim não participaram me nada disso), segundo os versos 27 a 29, somente participaram do saque aos despojos; não imaginaram a matança e não participaram dela.
Entretanto, Jacó jamais aprovou esse ato, tanto é que em seu leito de morte, Gênesis 47:5 a 7, na hora de abençoar seus filhos, ele deserdou esses dois filhos, deixando seus descendentes sem território na Terra Prometida de Canaã, espalhando as duas tribos de seus descendentes entre as tribos de seus irmãos. E na volta de Jesus não haverá na cidade Santa, a Nova Jerusalém, nenhuma porta dentre as doze nomeada para os descendentes desses dois, pois sua herança foi dada para os dois filhos de José, as tribos de Manasses e de Efraim por causa da maldade que Levi e Simeão fizeram com os siquenitas.
Lamentavelmente, os filhos nas produções Bíblica da Record tratam com seus pais de igual para igual, sem a menor reverência devida, dando um péssimo exemplo pros filhos de agora. Os atores nessas produções não se preocupam em saber como eram os costumes e maneiras de tratar, conversar e se relacionar das pessoas da época que tentam retratar para contextualizar as cenas à época. As interpretações descaracterizam completamente as cenas, dissipando o clima da antiguidade e solenidade e trazendo as cenas para o cotidiano atual, tornando uma minissérie tão esperada e necessária numa novela comum de agora, com pessoas de agora interpretando os moldes e costumes atuais. E, preenchendo as lacunas da história com ações e textos que não teriam acontecido e ditos na história e naquele tempo e muitas vezes até pervertendo a narrativa e doutrina bíblica com essas distorções, esses roteiristas e diretores deformam a Palavra de Deus contida na Bíblia, tirando-lhe o efeito capaz de ensinar, restaurar os princípios e regenerar nas pessoas o caráter de Deus. Assim, embora a ambientação, o figurino e outros aspectos sejam excelentes, a produção não passa de uma novela, tornando-se uma cultura tão inútil quanto são as novelas.
Wilson do Amaral