João e Maria – Caçadores de Bruxas (Análise e crítica)
Muita gente vem distorcendo o básico: não é o Cinema que vem transformando narrativas infantis em histórias de mistério e terror. O que o Cinema vem fazendo é justamente o contrário: resgatar a essência desses contos, que de fada não têm absolutamente nada. O problema está em como se tem feito isso... As recentes tentativas foram com o banal “A Garota da Capa Vermelha” (a versão dark da Chapeuzinho Vermelho) e com o mediano “Branca de Neve e o Caçador”, que remete à vertente tenebrosa da personagem-título. Agora é a vez dos irmãos perdidos na floresta terem a chance de se apresentarem ao grande público no longa “João e Maria – Caçadores de Bruxas”, roteirizado e dirigido por Tommy Wirkola.
Outra distorção bastante desagradável está em dizer que o roteiro não seguiu a versão original do conto. É preciso lembrar a certos desavisados algo deveras importante: que versão original? Assim como os supracitados, esse conto se originou pela tradição oral e, pela lógica, foi sendo modificado durante o passar dos anos, até ganhar uma espécie de “versão definitiva”, que se imortalizou pelos Irmãos Grimm, no século XIX. Tal escrito que, por sua vez, não se pode de forma alguma ser considerado como o original. Sendo assim, optou-se por uma saída – ao meu ver – prudente: mesclar elementos das variáveis antigas e adicionar alguns novos. Ora, tendo muitas origens, não se deixou de ser fiel, certo?
Embora a premissa desperte algum interesse a princípio, percebe-se certo didatismo e não é para menos: havia uma ideia de que o filme também fosse para crianças, que foi depois descartada (a faixa indicativa é para maiores de 16 anos). Por ser tudo muito explicadinho (como se fosse para crianças), acaba ficando redundante e bobinho para o público adulto. Dessa forma, o espectador é apresentado ao casal de irmãos ainda pré-adolescentes abandonados pelos pais na floresta assombrada, que caem nas garras da bruxa que pretende comê-los, fogem e se transformam em caçadores de bruxas negras. Já adultos e famosos por ser feitos, são contratados por um prefeito para salvar sua cidade, onde 12 crianças sumiram misteriosamente.
Sem pretensão alguma, a mensagem do filme é clara: a diversão pela pura diversão. Por isso, amantes do Cinema mais exigentes com certeza enxergarão muitos pontos negativos. Mas não deixarão de ter razão: a história é previsível e embebida em clichês, as interpretações de Jeremy Renner e Gemma Arteton são caricatas e medíocres, não há sincronia entre os personagens (nem parecem que são irmãos, às vezes se comportam mais como se fossem amantes), o núcleo vilanesco é superficial e opaco, a trilha sonora é mal-empregada, a violência e alguns efeitos gráficos são forçados, os cenários artificiais... Sim, está longe de ser uma película tecnicamente louvável. E precisaria ser para o que se propõe?
Entretanto possui as suas qualidades, e a primeira delas é a objetividade. Talvez numa tentativa de aumentar o número diário de sessões, em 85 minutos de fita todas as situações são resolvidas. O que não deixa de ser bom: já que é vazio de sentido, por que enrolar as pessoas com chatas cenas existenciais e melancólicas? Exagerados a fim de se fazerem jus ao uso do 3D, o público se diverte com a interatividade nos efeitos gráficos: pedaços de madeira e facas arremessadas, entre outras coisas, assustam e entretêm, embora a tecnologia não tenha sido aproveitada no tocante dos planos dimensionais da imagem, preferindo se trabalhar com a aproximação e não com a profundidade.
No intuito de dar leveza, o humor aparece em alguns gestos e diálogos dos personagens, inclusive em passagens ironicamente metalinguísticas, mas nada que nos faça também morrer de rir. As coreografias de luta estão bem ensaiadas e dinâmicas, mesmo ainda eu não entendendo uma simples questão: por que seres tão poderosos, como no caso a nossa bruxa má, insistem perder tempo no mano a mano com os meros mortais, e ainda saem perdendo? Deve ser por essa mesma “lógica” que Superman ainda não matou Lex Luthor... [risos]
Acredito que cada filme tem de ser avaliado conforme as suas intenções, e “João e Maria” não decepciona no que oferece: entretenimento momentâneo, daqueles que se esquece pouco tempo depois de sair da sala de exibição. Poderia ser melhor? Muito. Vale o ingresso? Meia-entrada, visto o preço absurdo do 3D. Mas, como sou fã confesso desse tipo de história, recomendo – embora com algumas ressalvas.
E o que faltava, parece não faltar mais. Bela Adormecida, outro conto tradicional de origem oral e imortalizado pelos Grimm, terá sua adaptação sombria cinegráfica em “Malévola”, com Angelina Jolie. O que desanima um pouco é que a responsável pela iniciativa é a Disney, com todo o seu irritante “politicamente correto”. Até lá, então!
Nota: 6,0.