O Impossível (Análise e crítica)
Exatamente um dia depois do Natal de 2004, o mundo assistia perplexado às imagens de um dos maiores desastres naturais da Era Moderna. Um maremoto de magnitude 9.1, nas profundezas do Índico, produziu ondas gigantescas que devastaram o sudeste asiático. Os litorais de países como Indonésia e Tailândia, o mais afetado, literalmente foram varridos do mapa. Na tragédia, estima-se o número de 225 mil vítimas, que nunca poderão ser contabilizadas de forma pontual, pois muitas famílias jamais terão a chance de enterrarem os corpos de seus entes queridos, já que o mar os tomou como dono.
Todavia, em meio ao caos, algumas centenas de vidas foram salvas. E aí se pauta a premissa de “O Impossível”, do diretor espanhol Juan Antonio Bayona. O filme é baseado na incrível estória de uma família que conseguiu se reencontrar, apesar de todas as circunstâncias; e é exatamente por ser “baseado” e não “adaptado”, que qualquer tipo de “licença poética” pode ser inserido aos acontecimentos. O primeiro é o fato de a família real ser de origem mexicana, e no longa eles serem ingleses: obviamente, por questões comerciais, preferiu-se trocar a nacionalidade da família, embora isso não influencie negativamente algum aspecto da película. O segundo porém é a margem de brechas para possíveis clichês, que mais abaixo serão aqui apontados.
Desde o princípio, a linguagem do diretor é rápida e objetiva. Sem floreios, ele nos apresenta a família formada por Maria (Naomi Watts), Henry (Ewan McGregor), e os seus três filhos, com destaque para o mais velho, Lucas (Tom Holland). Entre diálogos e situações de uma família normal em férias, logo a catástrofe toma conta da produção. Entretanto, diferente dos tradicionais filmes-catástrofe, a fúria da natureza não se apresenta como a grande vilã: o foco é o drama dessa família, que, a todo custo, tenta se reencontrar. Entre gritos, sangue e mortes, evidenciam-se as emoções humanas, como a solidariedade, a dor, a esperança, o medo...
Outro aspecto louvável é que algumas cenas são transmitidas sob o ponto de vista dos personagens. Na hora que são submersos pela água, um silêncio toma conta de toda a sala, vindo o som aos poucos retornando depois de os personagens emergirem. Além da angústia, a câmera passa a ser os olhos dos protagonistas e convidam o espectador a estar naquela situação. E a sonoplastia, por sua vez, passa a ser o ouvido deles, lentamente desentupidos de água no contato com a atmosfera. O fato de o idioma tailandês e nenhum outro senão o inglês não serem traduzidos também nos coloca no estado de desespero e confusão emocional em que os personagens se encontram, posto que estão em um país cuja cultura é totalmente diferente da deles. Ou seja: por que compreender o que dizem naquelas línguas? Se acontecesse conosco, nós as compreenderíamos? Ademais, as diversas nacionalidades que aparecem na trama conseguem mensurar que esta foi uma tragédia que afetou e vitimou os quatro cantos do mundo.
Além da direção e sonoplastia bastante interativas, destacam-se também o roteiro linear de Sergio Sanchéz, as excelentes interpretações de todo o elenco – com destaque para Watts e o jovem Holland –, as cenografia e ambientação, e a incrível trilha sonora de Fernando Velázquez. Versátil, o compositor incorpora elementos dignos de suspense clássico [violinos fortíssimos em notas agudas] para dar a “O Impossível” toda a carga psicológica que pede. Em outros momentos, é ela que nos conduz ao choro e à reflexão acerca daquilo que de fato importa na vida [entram os pianos suaves em tons medianos]. Brincando com o espectador, sob comando do bel-prazer de Bayona, as composições nos ligam ainda mais àquelas emoções.
Mas, infelizmente, não se trata de um filme perfeito. Voltando a alguns parágrafos acima, se disse que o baseamento poderia comprometer a história e a embebedar em alguns clichês. É o que acontece com o personagem de McGregor. Este excelente ator dramático é de certa forma ridicularizado na figura piegas de um pai-herói que, quase por intuição, consegue achar sua família. Por ele e as situações à sua volta serem tão clichês, foi o único personagem do filme com o qual não simpatizei, basicamente pelo fato de ele destoar de todo o contexto original que o cercava.
Existem algumas observações que poderiam ser expostas aqui, incluindo até uma interessante questão religiosa que foi [acredito eu, corretamente] descartada pelo diretor, por a subjetividade não combinar com os aspectos do filme. Mas elas fariam deste texto um artigo e não uma resenha, como é o seu propósito.
Em suma, então, pode-se dizer que poucas vezes o título fez tamanho jus ao filme como neste. É realmente impossível: não se emocionar, chorar, observar a pequeneza e [principalmente] a grandeza humanas, não se colocar naquelas situações... Nesta época de final de ano, Bayona passa a linda mensagem de que o que importa é estar ao lado da família e de pessoas que nos amam e a quem amamos, de quem precisamos e nos precisarão para o resto das nossas vidas...
Nota: 9,5.