O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (Análise e crítica)
A premissa da história é a mesma. Os reinos e alguns personagens também. Mesmo sendo inevitável a sensação de “deja vu”, o diretor Peter Jackson consegue não se repetir e dá à sua mais recente saga um tom diferenciado do atribuído a “O Senhor dos Anéis”, o que pode, inclusive, não corresponder a algumas expectativas. Claramente dividido em 5 momentos – que podem ser chamados de atos –, a narração do longa-metragem vai tomando vida e envolvendo o espectador gradativamente.
O primeiro dos cinco atos tem a duração de aproximadamente 40 minutos (de um total de 160) e é responsável pelos momentos mais cansativos do filme. Nele, o mago Gandalf (Ian McKellen) vai ao Condado, terra dos hobbites, e oferece uma aventura a Bilbo Bolseiro (Martin Freeman): roubar o cristal encantado protegido pelo dragão Smaug, que, pela ambição, devastou há tempos antes o lar dos anões, que, depois disso, se tornaram errantes.
Torna-se enfadado por alguns motivos: o primeiro é o fato de, diferente de Frodo (Elijah Wood), o público não se familiariza tão instantaneamente com Bilbo por uma certa falta de carisma mesmo. Não sei se proposital, mas a princípio o personagem é apresentado de forma caricata e melodramática, tanto que até o final do filme não ganhou tanto destaque, mais parecendo um personagem secundário. A segunda razão é o clichê da não-aceitação do herói como tal, algo muito típico até que o mesmo faça uma atitude digna de reconhecimento lá para o final da película (como de fato acontece). E, por fim, o terceiro porém é o interminável jantar com os anões, que invadem a casa de Bilbo: entre cantorias, demonstrações de falta de educação e piadas sem graça, passam bocejantes 25 minutos, que poderiam ser resumidos em cinco. Daí uma das principais críticas à nova empreitada de Jackson: a não necessidade de transformar o livro original, cuja história é muito simples, em uma trilogia com filmes aparentemente tão longos. Seria pura megalomania desta vez?
Enfim, inicia-se o segundo ato, quando o pequeno hobbit aceita a missão e vai atrás dos anões, que já haviam partido junto a Gandalf. A história começa a ganhar ares aventurescos, embora o tom ainda continue um tanto infantil, muito semelhante a contos a que assistimos nas sessões da tarde. Somos apresentados, então, ao mago Radagart, o Castanho (Sylvester McCoy), o personagem mais constrangedor do filme. Inútil, entra e sai do mesmo do nada e sem importância. Além disso, a primeira sequência que agita a trama: o divertido embate entre os anões e os trolls, em um fantástico espetáculo de computação gráfica.
Depois de 1h20min de projeção, eis que chegam à terra dos elfos, Valfenda, momento em que se inicia o terceiro ato da trama, que passa a adquirir uma linguagem mais sombria e semelhante à de “O Senhor dos Anéis”. E é justamente quando as duas sagas se cruzam. De fato, não é necessário assistir à franquia anterior para compreender o enredo de “O Hobbit”. Mas não deixa de ser esclarecedor. Posto que revisitamos certos personagens importantes como a divindade élfica Galadriel (Cate Blanchett), o rei dos elfos Elrond (Hugo Weaving) e – principalmente – Saruman (Christopher Lee), o mago que se bandeou ao lado negro da força, mas que aqui, de forma proposital, se apresenta de forma dúbia, parecendo ainda querer restabelecer a paz. Com novas alianças, o grupo segue em direção à antiga terra dos anões e começa a enfrentar perigos reais. Sendo o maior deles o líder orc Azog, cujo braço esquerdo foi mutilado na guerra contra os anões por Thorin Escudo-de-Carvalho (Richard Amitage), líder dos pequenos. Ambos buscam vingança. O perigo e a tensão no grupo se tornam cada vez mais ameaçadores, e a sequência de cenas da guerra entre os Gigantes de Pedra deixa isso muito claro. Em perigo, Bilbo é visto pelos reis dos anões como um empecilho ao seu sucesso.
Montados em grandes feras, os orcs são responsáveis por conduzir os anões a uma armadilha, quando se inicia o quarto ato, que se passa em uma espécie de reduto de orcs de segunda linhagem. Por ser ainda menor que os anões, Bilbo consegue escapar, porém cai em um abismo. A ligação à trilogia anterior se torna mais forte quando o Um Anel vai parar na mão do hobbit, que se esbarra acidentalmente com o monstruosamente adorável “Precioso” Gollum, o guardião da joia (e particularmente o meu personagem favorito da saga). Sem sombra de dúvidas, este é o melhor ato do filme. Com um texto brilhante, eles começam um inusitado jogo de adivinhação: se Bilbo vencer, Gollum lhe mostrará a saída; caso contrário, o pequeno hobbit será devorado pela criatura. Em posse do Um Anel, Bolseiro consegue escapar da fúria de Gollum, que, ao sentir falta do seu “precioso”, jura vingança e morte ao hobbit, que, sem saber do risco que corre, fica com o artefato. Essa incrível sequência de cenas explica a premissa de “O Senhor dos Anéis”, uma vez que aquela trama se passa 60 anos depois dos acontecimentos relatados em “O Hobbit”. Ao final do ato, quando todos pensavam que Bilbo os havia abandonado, ele se reencontra com o grupo, e mais uma vez cria nova tensão com o líder dos anões.
O ato final, como não poderia deixar de ser, é a grande batalha entre Azog e Thorin, e a premissa de uma continuação para então se chegar ao reino dos anões.
Tirando alguns vacilos – como o fato de Gandalf nunca usar a magia quando de fato se precisa e um enredo mais lento que o necessário –, o roteiro é bem costurado e compreensível a todos, sendo alguns pontos soltos ainda com certeza explicados nos dois próximos filmes.
Quanto aos efeitos visuais, esses são um espetáculo à parte. Inqualificáveis, adjetivos como “sensacionais”, “perfeitos”e “surreais” não são capazes de mensurar o vislumbre com que nossos olhos são presenteados. E o 3D tem a função justamente de realçar toda essa beleza “graficamente real”, visto que o recurso da interatividade não é o mais trabalhado. Juntos a uma impecável fotografia, é o elemento que mais chama a atenção na fita. Não que outros fiquem aquém: elenco, direção de cena e de arte, figurino, maquiagem, texto, sonoplastia, uma expressiva porém discreta trilha sonora, todos se casam em perfeita harmonia e forjam uma verdadeira obra de arte, que, se não encantar o coração, com certeza o fará com os olhos.
Resta-nos agora esperar por dezembro de 2013, quando a segunda parte será lançada. Tudo indica que ela será centrada no grande vilão, o dragão Smaug, que acorda de seu sono ao pressentir a vinda dos anões remanescentes. E, então, o que podemos esperar de Peter Jackson para esta continuação? Fiquemos no anseio.
Nota: 9,0.