Análise do filme o Enigma de Kaspar Hauser

Com base na Teoria do Relativismo, no Empirismo e no Behaviorismo, analisaremos o filme “O Enigma de Kaspar Hauser”, fazendo uma ligação direta com a linguagem e sua importância na vida de cada indivíduo perante a sociedade em que vive, a fim de obter uma visão crítica, filosófica e conceitual do personagem principal do filme tratado.

O Enigma de Kaspar Hauser, de Werner Herzog (1974), conta a história de um garoto alemão que viveu longos anos de sua vida enclausurado em uma torre, sem convívio com a sociedade e com a natureza. Um homem, cuja identidade nunca fora revelada, era encarregado de alimentá-lo todos os dias. Vivendo nestas condições, Kaspar não desenvolve a fala, suas funções motoras só funcionam na parte superior de seu corpo e, por não ter contato com o mundo exterior, não sabe distinguir as diversas coisas que neste existem. O homem que o alimentava passa a ensinar Kaspar a escrever algumas palavras, que obedece sem questionamentos. Seu olhar e seu comportamento são apáticos, tudo indica que ele não desenvolveu seus instintos de defesa. Após ensiná-lo a escrever, o homem que dele cuidava, leva-o, pela primeira vez, para o mundo exterior, ensinando-o a ficar em pé e sustentar seu próprio corpo. Novamente, Kaspar não reluta, não indaga e não esboça nenhum tipo de emoção. A partir deste momento, é possível perceber que o jovem Kaspar não possui noção de tempo e espaço, não entende a sociedade e não desenvolveu cordenações físico-motoras.

O desenrolar do filme começa quando Kaspar é deixado em uma praça, em Nuremberg, segurando uma carta escrita pelo homem anônimo com uma breve apresentação explicando a condição do jovem, na qual fora direcionada ao capitão da cavalaria local. As únicas palavras que foram ensinadas a Kaspar era “Cavalo” e “Quero ser cavaleiro como meu pai”, pois ele as ouvira diversas vezes do homem anônimo e apenas repetia, sem saber o significado. Ou seja, como na fase primaria da vida dos seres humanos, Kaspar repetia os sons que ouvia, sem que soubesse do que se tratava de fato, como uma criança em sua fase de aprendizado da fala.

Nesse momento pode-se notar vários aspectos quanto a importância da linguagem na sociedade e sua relação com o mundo. Aos olhos da sociedade, Kaspar é visto como um estranho selvagem, ao mesmo tempo em que ele tem um semblante distante e olhar assustado.

Sr. Daumer, um homem que o vê sendo apresentado em um circo como atração, resolve cuidar de Kaspar e ensiná-lo todos os costumes de uma civilização, por exemplo, a fala, a escrita, a música, o comportamento e os aspectos básicos de relação homem-sociedade.

Kaspar, apesar de aprender a falar, não consegue entender os significados linguísticos e elaborar seus pensamentos através da fala. Ele também não entende alguns conceitos estabelecidos como, por exemplo, Deus, pois não aprendeu e não tem noção quanto aos simbolismos e signos.

Assim, quando pisam nos pezinhos de feijão que Kaspar plantou escrevendo seu nome, ele sente-se triste. Analisando este aspecto, é possível notar ele criando simbolismos, colocando significado em algo “abstrato”. Ou seja, apesar de começar a compreender a criação de símbolos para as coisas do mundo, ainda não possuía a percepção exata para separar o que é um símbolo do que é real e sente-se como se tivessem pisado em si e não no jardim. Tal afirmação pode ser explicada também a partir do seguinte trecho: “O ato próprio de conhecer é uma síntese vivida pelo ser humano entre a percepção do objeto de conhecimento e o conceito que é criado sobre esse objeto. É a construção da representação, que se torna, nesse ato, uma fusão vivenciada, fruto de uma tensão dialética que ocorre entre percepção e conceito” (FERREIRA, 2007, pág.18).

Analisaremos mais profundamente o porquê disso:

Em sua primeira infância o homem aprende e estabelece relação de cultura e tudo que é exterior a ele mesmo. Assim, como estabelece o conceito do empirismo, o homem necessita de experiências adquiridas no mundo fisíco, de instrução e educação para sua formação, através destas experiências, o homem passa a ter ideias. Porém, é importante ressaltar que essas experiências tem relação direta com os sentidos (olfato, tato, visão, degustação e audição), estes levam informações ao nosso cerébro, fazendo com que tenhamos conhecimento sobre determinado assunto ou ainda diferenciação de objetos e formas, resultando em nossa reflexão. Ou seja, nossas ideias são reflexos da percepção dos nossos sentidos.

Durante toda a História, o homem desenvolveu a narrativa para seu aprendizado, como fábulas, mitos e contos, colocando significados em seus elementos. Por isso, temos noção de elementos mesmo eles sendo abstratos, como por exemplo, o amor, Deus, inferno, saudades, entre outros. Aprendemos a expressar nossos pensamentos e sentimentos em palavras, a fim de mostrar para o próximo nossas opiniões e assim, sermos compreendidos pela sociedade em que vivemos, estabelecendo a comunicação.

No caso de Kaspar, que viveu enclausurado, podemos afirmar que por não ter passado pelos processos de socialização e aprendizagem necessários para a compreensão da representatividade dos signos, e não ter vivido nenhum tipo de experiência com o mundo, seus pensamentos eram vazios, pois só conseguimos fazer a construção de um pensamento através da linguagem. Assim, seus comportamentos podem ser definidos no que se chama de genética, que são os comportamentos pré-definidos, por exemplo, comer e beber, ou seja, nossos instintos mais primatas que visam nossa sobrevivência.

Segundo Benjamin Lee Whorf e a teoria relativista, o mundo não possui uma estrutura própria, essa estrutura é imposta pela linguagem e a língua determina o pensamento. Uma frase que exemplifica este conceito é de Ludwig Wittgenstein, um dos fundadores filosóficos desta teoria: "As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo."

Sendo assim, se Kaspar não tinha a capacidade linguística, logo, podemos afirmar que seu mundo era diferente do que o mundo dos que viviam em sociedade. Mesmo ele aprendendo a falar, sua concepção e interpretação sobre o mundo não se equiparou ao da sociedade. Kaspar dizia que tinha somente o começo de uma história e que não conseguia ter o final, talvez porque seu repertório de palavras, frases, significados e símbolos fossem restritos. Como ele poderia colocar em palavras algo que não sabe o nome e seu sentido? Ou como ele poderia entender certos assuntos, se não tinha um conhecimento prévio dos seus significados? “Aprendia palavras, mas nem sempre aprendia o que elas significavam, sua construção de signo linguístico permanecia, muitas vezes, incompleta, já que sabia a parte acústica, mas não era capaz de identificar totalmente o conceito.” (Talita Rossetti)

Dentro destes aspectos, outro fator interessante que nos mostra os problemas causados por conta da falta de linguagem em sua vida, é quando ele diz que enquanto viveu trancado na torre nunca sonhou com nada.

Há uma cena em que Kaspar toca, inocentemente, no fogo pela primeira vez, sem possuir noção alguma de perigo, queima a mão e sua reação resume-se a chorar. Fazendo um breve comparativo com um ser humano que passou pela fase de aprendizagem na infância, este indivíduo, ao se queimar, iria gritar e talvez até chorar, mas não apenas choraria, como fez K. Hauser. Tal reação é aprendida através do contato que temos com o mundo desde pequenos e também dos avisos de nossos pais, sempre nos informando “não toque nisto, pois vai te machucar” ou “não pegue isso, pois é sujo”, tornando o ato de gritar uma reação para que percebam que algo de ruim nos aconteceu, sendo uma forma de alerta para o perigo. Desta forma, os indivíduos vão criando os reforços positivos e negativos, ou seja, K. Hauser após ser queimado pelo fogo e sentido a dor, terá o reforço negativo, aprendendo que não deve repitir a ação caso não queira sentir dor novamente. Assim, é possível notar que a relação que ele tem com o mundo – esse novo mundo, esse estranho mundo – é diferente devido a sua falta de integração com outros indivíduos.

A sua relação com a música era mais intensa, pois esta arte faz parte da linguagem não verbal, logo, ele podia sentir e expressar pela música coisas que não conseguia verbalizar. A música é composta da mescla de sons e silêncio e é capaz de tocar o indivíduo, causar-lhe diversas sensações de acordo com as notas que são utilizadas e permite também que o compositor expresse seus sentimentos mais profundos através dela. Sendo assim, Kaspar não necessitava de explicações prévias para compreender e sentir os sons, era algo que acontecia naturalmente, além de um mundo em que ele não se sentia ameaçado ao adentrar. O piano mostra, de maneira sutil, o processo de adaptação de Kaspar no mundo em que foi inserido. Em um primeiro momento o personagem não sabia do que se tratava o instrumento, pois nunca havia visto um (assim como todas as outras coisas as quais fora apresentado), porém, após conhecer o piano, começa a aprender algumas notas, ler partituras e por fim, passa a tocar com grande talento.

Após diversas conexões da liguagem com algumas teorias, podemos concluir que a integração de um indivíduo com o meio e a sociedade em que vive é imprescindivel para sua formação física, motora e psicológica. Podendo, na falta destes, fazer com que o ser humano não evolua sua inteligência total e a parte racional do cérebro, transformando-se em um ser sem pensamentos e sem ideias.

Ou seja, é necessário que o ser humano tenha contato com outros indivíduos, para que viva novas experiências físicas e psicológicas e possa ter contato com o mundo exterior, para conhecer suas variadas peculiaridades. Desta forma, os humanos vão criando símbolos, significados, conexões, sentimentos, aprendem a se defender, entendem como funcionam as relações sociais, as normas de bom convívio, a escrita, a fala e o mundo de coisas subjetivas e objetivas, sabendo distingui-las.

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Carolina Hanke e Bruna Amorim
Enviado por Carolina Hanke em 28/11/2012
Reeditado em 21/03/2013
Código do texto: T4009620
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