As Vantagens de Ser Invisível

As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of being a Wallflower)

Minha avaliação: excelente! Saí do cinema extasiado.

Pontos fortes: primeiro tem o que mais gosto em filmes de adolescentes (a transição entre a vida de criança para a vida adolescente/adulta). Segundo o filme tem uma direção e uma fotografia naturalista que amo. Terceiro o filme trata de temas muito profundos e difíceis com muita delicadeza.

Ponto fraco: Sinceramente não me ocorreu nenhum ponto fraco.

Tenho um amigo que acredita que um filme pode ser bom. Digo, universalmente bom. Ele acredita que existem parâmetros objetivos através dos quais podemos qualificar um filme. Um monte de gente acredita nisto e alguns – até mesmo por razões profissionais – são forçados a avaliar os filmes com estrelinhas (do mesmo modo que se avaliam hotéis). Acho isto tudo muito ingênuo. Não que não possamos estabelecer vários critérios objetivos, podemos sim. Mas um critério que um entendido vai achar muito importante outra autoridade igualmente competente vai considerar muito bobo. Pior, alguém pode achar o filme ruim justamente pelo motivo que o outro achou bom. Por isto que os festivais de cinema são tão políticos. Para mim, mais do que um exame em que se avaliam os méritos dos artistas o juri delineia as tendências da próxima temporada (como em um desfile de moda). O foco das minhas reseínhas deixou de ser contar algo essencial do que é o filme, meu foco passou a ser avaliar o filme e qualificar minha avaliação – de modo que o leitor entenda um aspecto que gostei (sempre me detenho em apenas um ou dois assuntos, tenho medo de me estentendo demais ficar pedante, chato). Digo estas coisas por que um amigo me perguntou “Aquele filme realmente é bom, Chicão?” Da fala dele eu entendi, “Olha, eu não estou nem um pouco a fim de ver este filme. Mas se você me garante que é bom eu vou lá conferir.” Então aqui farei o que faço em relação a todos os filmes. Vou qualificá-lo, mas vou também falar um pouco sobre mim. Deste modo espero que entendam porque fiquei tão comovido.

Aposto que todos vocês vão lembrar de algum amigo ou colega na escola que passou por booling. Muitos de vocês foram em algum momentos alvos, em alguns momentos algozes. Aposto que vários ainda o praticam sem saber de um modo um pouco tênue. Mas o que tem demais se é apenas uma brincadeira? O cara até riu, não riu? Somos adultos agora. Já superamos estas coisas, não superamos? A gente não sofre mais por algo que passamos aos sete anos de idade, sofremos? Eu nunca sacaniaria ninguém. Mas aquele cara! Ah! Pelamor de Deus! Aquele cara nem me conhecia e enfiou os dois dedos no meu nariz! Ele tava pedindo para ser sacaneado. Eu falo deste caso porque uma vez, no fim do segundo grau eu estava conversando com uma amiga grunge (toda sóbria, toda branquela, vestida toda de preto) e um cara que eu conhecia e que não a conhecia chegou na roda. Então ele meteu os dedos no nariz da menina. Este cara – que tinha um apelido como Slot (não vou falar o apelido real) – era muito sacaneado. Ele era muito gordo e sem noção. Mas aí é que está a crueldade. O booling (que aqui no Brasil é muito menos severo que nos EUA) é feito sempre em cima de duas coisas: a auto afirmação e na censura do desvio. Seja o desvio de comportamento, de crenças, de aparência. Falo aqui sem nuna ter estudado o assunto. Apenas com a autoridade de quem viveu estas coisas como alvo, como algoz e como expectador. Inclusive escrevi um roteiro, ‘Na Escola’ (do qual me orgulho muitíssimo) sobre o assunto. Tem algo em comum com ‘As Vantagens de Ser Invisível’, só que no que escrevi os personagens são crianças, em ‘As Vantagens de Ser Invisível’ quem protagoniza são adolescentes.

O começo é bem típico, Charlie está em seu primeiro dia no segundo grau. Logo nas primeiras cenas vemos como os primeiros dias podem ser difíceis... Foram difíceis para mim (que não conversava com ninguém, não sabia muito bem como interagir). Mas com certeza são muito mais difíceis no universo extremamente competitivo americano – onde menosprezar o outro é o caminho mais fácil para a auto afirmação. Gostei muito de uma cena inicial onde vemos o tanto que Charlie é especial e vulnerável. O professor faz algumas perguntas. Várias pessoas levantam a mão e dão respostas equivocadas. Charlie apenas escreve as respostas no caderno. São as respostas corretas. Percebemos que ele não queria chamar a atenção, não queria ser visto como diferente O professor vê que Charlie escreveu uma das respostas e fica impressionado. Ao final ele diz que devia ser mais participativo. Charlie - com seu jeito tímido/esquisitão – fica calado. Percebendo o que que está acontecendo o professor diz, “Dizem que se fizer um amigo no primeiro dia tudo fica mais fácil.” Charlie diz que se só tiver o professor de literatura como amigo está ferrado. Olha quanta elegância! Numa só cena vemos que Charlie é especial, tem algo a mais que os outros, vemos que ele não quer chamar a atenção e vemos que ele é bem diferente. Mas colocar um personagem bi facetado com um lado incrível e um lado vulnerável é bem legal e é bem usado. Temos vários heróis assim, Homem Aranha (repórter jovenzinho nerd e super herói), Rarry Potter (garoto super vulnerável em casa e mago mais poderoso do mundo).... Coisa de herói? Bem, e ‘Uma mente brilhante’ – por um lado um louco por outro a mente de um super matemático. E “Amores Perros”, vocês lembram do mendigo que era um ex-revolucionário e assassino de aluguel? Ou “Encontro Marcado”, um cara meio altista e ao mesmo tempo a morte....

O caso é que ao contrário da maioria dos filmes que citei e ao contrário do que o início excitante sujere o filme não é sobre genialidade ou sobre booling. Estes são elementos que antes de mais nada caracterizam o Jack e o mundo em que vive. No primeiro dia de aula um garoto mais velho se mostra diferente. Parece que o esforço dele (Patrick) é diferente.... ao invés de sacanear os mais novos ele se esforça para fazer com que os recém chegados se sintam a vontade. Jack vai a um jogo de futebol americano (viche Maria! O que ele vai fazer lá?) sozinho. Me admirei da coragem de Jack. Você acha que não é preciso muita coragem para ir nos primeiros dias de aula sozinho para um ambiente social. Que bom, as coisas foram mais fáceis para você. Lá encontra Patrick torcendo alucinadamente (novamente, viche Maria! O que Patrick, um cara com o estereótipo tão alternativo está fazendo no estádio de futebol americano?). Então chega uma menina lindíssima, interessante carismática (só em um plano a gente já entende tudo isto). É Susan, a menina que vai passar o filme todo com um babaca enquanto Jack vai amá-la platonicamente – mas não se preocupem, nem tampouco o filme é uma comédia romântica.

O caso é que o filme por um lado mostra todas estas coisas interessantes sobre as quais falei no parágrafo anterior. Mas à elas intercala algumas informações, algumas pistas de que o filme fala de algo mais. A primeira pista vem por meio do diário, nele Jack escreve que ficou internado e que por um ano teve o contato apenas com a família. A segunda pista vem de um jeito mais interessante. Patrick e Susan se mostram inteligentes, pessoas que se expõem às vicissitudes da vida, jovens no sentido mais ousado da palavra. Eles viram seus amigos e o levam à primeira festa que já foi. Festa estranha com gente esquisita. Logo Jack inadvertidamente aceita alguns biscoitos de maconha e fica muito doido. Chama a atenção das pessoas, fala coisas meio bizarras – o que não tem muito problema, esta é não é a festa do pessoal popular, é a festa de pessoas mais abertas. Nesta festa acontecem algumas coisas muito importantes para o filme. Primeiro Jack flagra Patrick se pegando com Brad! Mas Brad é dos populares, faz parte do time de futebol americano (a-ha! É por isto que Patrick gosta de ver os jogos!). Então Patrick pede para Jack não contar que os viram juntos, será “nosso pequeno segredo”. A expressão “pequeno segredo reverbera”, ela é a segunda pista. Em seguida Susan faz um milkshake para Jack (isso que é amiga!) matar a larica. Casualmente Jack fala que nunca usava drogas porque seu melhor amigo não gostava. Quem? Ah!, aquele que se matou enforcado! Susan fica chocada e confidencia a seu irmão, Patrick, que acha que Jack não tem amigos. Daí Patrick chama toda a festa a brindar ao seu novo amigo. Confesso que não lembro extamente quando vem a terceira pista (que é um ponto importantíssimo no filme). Sei que é num momento em que Jack se sente muito bem e e ele diz (ou pensa) que a pessoa mais importante em sua vida era a tia, agora não é mais.

Eu sempre morro de medo que chega a metade do filme e tudo está bem. Sei que o filme tem que rodar mais metade então algo vai ter que dar errado. Como as coisas começam a desandar? Parece que tudo vai bem. A família de Jack sempre foi legal, ele criou importantes amizades, até uma menina o convida para o baile. Está certo, não foi a Susan (seu grande amor), mas já é muita coisa, né? Imaginem a felicidade dos pais! Depois do começo difícil na escola ele já tem grandes amigos, já tem até um date (encontro). Os pais até se esforçaram para não se mostrarem muito surprezos pelo fato da menina ter uma parte do cabelo raspado e outra parte pintado de roxo (o filme é ambientado em oitenta). Ok, de um jeito meio atravessado (típico de adolescentes inexperientes) Jack começa a namorar uma menina de quem não gosta. Só que ele não sabe como terminar o namoro! Chegamos, o fatídico meio do filme em que algo tem que dar errado: Os meninos estão em uma roda bricando de verdade ou consequência. Patrick pergunta, “O que você acha do seu primeiro namoro?”, Jack responde, “Odeio cada momento, todo dia fantasio que um de nós vai morrer de câncer.” Risos, é claro, só pode ser uma brincadeira. Em seguida Jack novamente é é sorteado na roleta da brincadeira. Patrick diz, “Dê um beijo na menina mais bonita.” Uma ótima oportunidade de Jack beijar a namorada e mostrar que tudo foi brincadeira. Mas não! Ele beija Susan!!!!!! Cara, eu me contorci de dor no cinema! Me identifiquei totalmente com Jack. Na sua idade eu seria capaz de algo tão sem noção quanto o que Jack fez. Agora uma pequena digressão, lembram do meu amigo ‘Slot’ que colocou os dedos no nariz da menina? Pois é. É o mesmo tipo de coisa. É o mesmo tipo de falta de noção – de desvio – que faz com que as pessoas sejam alvo de boolyng. Entretanto para Jack a consequência foi muito pior. Ele perdeu seus amigos. Não que as pessoas tenham deixado de gostar dele. Mas ele “sacaneou” a namorada, uma menina amiga e parte da turma desde a infância (ao passo que Jack os conheceu a três meses).

A esta altura já sabemos que Jack tem alguma patologia psiquiátrica mas que ela estava sob controle. Só que agora, nesta circunstância extrema de distanciamento dos amigos, o quadro está se agravando. No ínterim o pai de Brad (o jogador de futebol gay) o flagra com Patrick e dá uma grande surra em Brad. O que já seria bem ruim fica bem pior. Primeiro Brad começa a ficar com uma menina (e Patrick vê). Depois um dos amigos de Brad só de sacanagem dá uma rasteira em Patrick. Patrick indignado confronta, “Você vai deixar isto acontecer, Brad?”. Brad diz que sim. Então Patrick ameaça, “Aonde você levou esta surra?”. Brad se defende, “Foram os caras da rua de baixo que me armaram uma cilada!”, Patrick sabe que dizer que na verdade Brad levou uma surra do pai por terem transado é algo com consequências muito sérias então vai embora sem entregar o seu amor. Em seguida Brad, talvez pela raiva de ser confrontado por Patrick, talvez para continuar o teatrinho em que é machão xinga Patrick de veado. Nossa, Patrick volta e num acesso de fúria dá um soco em Brad. Os amigos de Brad (três atletas de futebol americano) imobilizam Patrick ficam esmurrando o estômago de Patrick. Esta cena cheia de intenções, sub texto, cheia de injustiça, me envolveu bastante. Daí temos Jack vendo seu grande amigo sendo esmurrado. Ele olha para suas mãos e anda em direção à briga. Daí temos um lento fade out (a tela lentamente fica preta). Jack novamente está olhando suas mão, elas estão tremendo. Elas estão roxas.... ele olha ao redor, os caras que estavam batendo em Patrick estão todos caídos. Jack diz, “Se se meterem com algum dos meus amigos se verão comigo.” Emocionante, não é? Eu achei.

E para concluir vou falar sobre o que acho que é o filme. Lembra das pistas sobre as quais falei? O filme ainda dá muitas antes de entregar de mão beijada para o expectadora que mais gosto é em uma cena incrível: Susan faz a mesma pergunta que Jack fez a seu professor de literatura. “Por que fico só com caras babacas?”. Jack dá a mesma resposta que o professor de literatura, “Cada um escolhe o amor que acha que merece”. Então eles têm uma bela conversa, nela Jack tem uma fala que é a pista mais legal do filme, nela ele diz, “Se você soubesse tudo o que passei, tudo o que sinto, tudo o que passa pela minha cabeça, saberia como somos parecidos”. É, mas não vou contextualizar esta fala. A reclamação que mais recebo é a de entregar o final dos filmes nas minhas críticas.... O filme é sobre a dualidade pessoa extraordinária/desajustada, é sobre criar amigos, é sobre viver na escola, é sobre boolyng, sobre drogas, é sobre o romance, é sobre enfrentar os demônios internos, é sobre família. Gente, o filme é sobre a transição da para a vida adulta. O tema da transição de mundos me apetece demais e o “As vantagens de ser invisível” o trata muito delicadamente, por isto gostei tanto dele.

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 10/11/2012
Reeditado em 10/11/2012
Código do texto: T3977952
Classificação de conteúdo: seguro