A PELE QUE HABITO DE PEDRO ALMODÓVAR
A pele em que habito de Pedro Almodóvar é um filme que a principio parece uma pagina em branco. Não há nada a dizer. Mas por pouco tempo. Aos poucos, nos damos conta da grandiosidade da obra, quando percebemos a realidade perversa das contingências que levam o protagonista a agir de maneira alucinada, ou talvez, excessivamente planejada.
Mas voltemos ao diretor, Almodóvar, que pensamos por vezes nos depararmos com filmes semelhantes, imbuídos na mesma temática urbana, nos relacionamentos loucos do cotidiano, na efervescência das relações conturbadas do século XXI, embora percebamos a reinvenção do fazer cinema, na ousadia de cada trabalho. Entretanto A pele que habito parte de novas narrativas, talvez desconhecidas ao grande público, embora muito bem enfronhadas nos cenários e tramas que por vezes pareçam comédia, regadas a certo melodrama. "A Pele que habito" é cercada de elementos de intensidade extrema, de tal ordem que contabilizam uma narrativa muito mais densa e assustadora. Percebe-se que o diretor passeia entre o drama e o humor, cujos elementos de tensão e emoção absoluta produzem uma margem estreita entre o sublime, o maravilhoso, o surpreendente e o ridículo, o assombroso, lamentável, triste. Revela, sem pudores, a imaginação na narrativa, construindo cada passo ao leu dos desvarios das paixões limiares.
O roteiro é baseado no romance Mygale (1995), que mais tarde foi publicado sobre o título de Tarántula (2005), de autoria do escritor francês Thierry Jonquet. Para realizar a obra cinematográfica, a partir deste romance, almodovar se mostra mais maduro, distanciado do sistema estabelecido de gêneros de filmes, com a única preocupação de mercado, ao contrário cria uma obra completamente distanciada dos aspectos populares, trazendo um frescor novo ao cinema atual, misturando drama, triller e ficção científica. Tudo inicia com a intenção obsessiva de um cirurgião plastico, Robert Legard (Antonio Bandeiras) de criar uma pele nova, pois após a morte de sua mulher num acidente de carro, no qual sofrera potentes queimaduras, ele acredita que pela criação de uma pele ela teria sido salva. Doze anos mais tarde, ele consegue cultivar esta pele em laboratório, aproveitando os avanços da ciência, entretanto atravessando campos proibidos, como a transgênise com seres humanos.
A partir dessa trama inicial, o filme, com o seu suspense, vai atraindo a atenção do espectador a cada passo. Almodóvar, assim, toma a ideia do romance de Tierry Jonquet e a transforma a seu gosto, investindo por cenários de sexo, humor, romantismo, obsessão e vingança. Nesta seara se unem os diversos sentimentos e procuras de cada personagem, culminando com a descoberta do médico e do espectador, o qual custa a descobrir qual é o rumo que o protagonista realmente persegue. O filme pretende mostrar, que a partir da pressão interna e do desejo de vingança, o homem, independente de sua classe social, pode cometer as maiores atrocidades, subverter as regras e aproveitar as capacidades intelectuais e de poder sobre o outro. Através da morte de sua filha, enferma e presumivelmente estuprada, o médico executa a sua vingança, exercendo o experimento com o estuprador. Talvez a paixão pudesse ser a grande redentora, ou a morte, ou o encontro da cobaia com a mãe. Tudo está nas entrelinhas deste filme maravilhoso, um misto de terror, drama e o sempre presente humor de Almodovar. Trata-se de um filme para se refletir, até que ponto, podemos interferir na complexidade da natureza humana, sob todos os aspectos, tanto sociais, psicológicos ou mesmo relacionados à própria integridade física, para exercer uma vingança ou encontrar uma saída para nossas vidas solitárias.
Elenco
Antonio Banderas ... Robert Ledgard
Elena Anaya ... Vera/Vicente
Marisa Paredes ... Marilia
Jan Cornet ... Vicente
Roberto Álamo ... Zeca
Blanca Suárez ... Norma
Eduard Fernández ... Fulgencio
José Luis Gómez ... Presidente do Instituto de Biotecnologia
Susi Sánchez ... Mãe de Vicente
Bárbara Lennie ... Cristina
Diretor: PEDRO ALMODÓVAR