Mentes Perigosas

John Smith, 1995

Ponto forte: os pontos fortes deste tipo de filme, ou seja, o conflito entre o mundo da professora e dos alunos, a mudança de conflito (do conflito inicial de ensinar para o conflito com o sistema).

Ponto fraco: a falta de originalidade.

Definir o que é um gênero de filmes é algo muito complicado. O que é uma comédia romântica? Metade das “comédias românticas” que vi para mim não tinham nada de comédia exceto uma ou duas cenas engraçadinhas. E comédia? Os melhores dramas que vi no cinema estavam no cartaz intitulados como comédias, na certa “drama” não tem tanto apelo comercial. Quantas vezes já não me disseram algo como, “A vida real é tão dura, quando quero ver um filme quero me entreter.” Do meu lado acho isto tudo muito equivocado. Queremos nos entreter sim, mas o entretenimento (e isto é o mais louco) também vem de experiências dolorosas. Acho que olhar para dentro de nós mesmos muitas vezes (especialmente para quem não está acostumado) é uma experiência dolorosa, mas também transformadora e prazerosa. Desculpem, acho este tema (o que nos leva a nos deliciarmos com coisas aparentemente desagradáveis) muito interessante. Mas o que importa aqui é outro tema: o gênero cinematográfico.

No Story (excelente livro do Robert McKee) vi uma lista de gêneros cinematográficos. Parecia a classificação chinesa da qual falava Jorge Luís Borges, ela incluía um monte de coisas bizarras como animais de quatro patas, animais do imperador... Enfim, não faço mal juízo dos Chineses, tenho certeza que no seu contexto era uma classificação sofisticadíssima e que tinha muito sentido. Com certeza mais do que a lista de gêneros de filmes atualmente... Ao colocar no mesmo saco (como tipos de gêneros), docu-drama e filme de esportes eu percebo que McKee está misturando alhos com bugalhos. O que importa para classificar um gênero? O modo como o filme é feito? Seu tema? Isto pode até ser uma bobagem para quem apenas vê filmes. Mas ganha importância quando McKee diz que para escrever temos que entender profundamente um gênero e suas regras. Acho muito legal tentar entender o expectador, mas esta dica do McKee me parece mais ir no sentido da produção de clichês do que no sentido da inovação.

Todo este preâmbulo é apenas porque percebo que o filme sobreo qual trata este artiguinho (Mentes Perigosas) poderia de algum modo ser encaixado em um gênero, algo como ‘filmes de escolas’. Seria tão esclarecedor como o gênero (muito em voga), ‘filmes de heróis’. Existem vários filmes de escolas, alguns muito bons como ‘Sociedade dos Poetas Mortos’. Eles têm muitos pontos em comum em sua estrutura dramática (o que talvez devesse ser o único critério para definir um gênero). Antes de ‘Mentes Perigosas’ o último que vi em uma escola foi o ‘Entre os muros da escola’. Mas ele é tão ousado e foge tanto do padrão dramático que, para mim, não faria parte deste tipo de gênero.

Mas a final quais são as características dramáticas típicas de um filme de escola? Uma professora ou professor (no caso Louanne Johnson, interpretada por Michelle Pfeifer) se depara com uma turma de alunos. Esta turma é extremamente desafiadora. Em ‘Mentes Perigosas’ a turma é formada por alunos pobres, marginalizados e que vivem em valores muito diferentes dos valores da professora. E olhem que interessante (acaba de me ocorrer, estou bem eufórico com esta epifania): A estrutura narrativa do filme (em que acompanhamos tudo pela perspectiva da professora) faz com que nós a incorporemos como seu álter ego enquanto estamos imersos no filme. Em outras palavras, os valores dela são os nossos valores enquanto nos entregamos completamente ao filme. Isto não tem nada a ver coma índole da personagem. Se estivéssemos acompanhando a perspectiva de um assassino estaríamos o incorporando (e sua visão) como nosso álter ego.

O conflito e a transição entre dois mundos é algo que sempre me agrada muito. É por isto que gosto de filmes de adolescentes (que transitam entre o mundo jovem e o mundo adulto). Em ‘Mentes Perigosas’ temos o conflito entre o mundo dos becos marginalizados (dos alunos) e o mundo pequeno burguês (da professora Louanne). Quando ela entra em sala de aula a primeira vez os alunos estão cantando, conversando. Não dão a menor atenção a ela até que pergunta o que aconteceu com a professora anterior. É quando eles começam a desafiá-la com sua pulsão, sua energia juvenil, com sua agressividade dizendo que eles acabaram com a professora anterior. É bem aquele comecinho de filme em que pensamos assim, “Como é que ela vai fazer para seduzi-los, para convencê-los de que a professora é importante em suas vidas?”. Se não conhecêssemos a estrutura narrativa (e tenho certeza de que todos vocês a conhecem muito bem) formularíamos um pensamento bem diferente. Algo como, “Ela não vai conseguir ensiná-los, é impossível, eles a têm como uma inimiga.” Este constitui um dos elementos comuns a este gênero, ‘filme de escola’: O conflito inicial tem um caráter duplo. Por um lado é ‘como a personagem principal vai cumprir a missão de ensiná-los´. Por outro lado é ‘como estes dois mundos (o da professora e o dos alunos) vão dialogar entre sí´. Por si só este conflito bi facetado é um dos elementos dos filmes de escola.

Como a primeira aula foi um fiasco total em sua casa Louanne se debruça sobre um monte de livros sobre educação. Infelizmente as sugestões estão longe de contemplar o desafio com que Louanne se depara. Então ela passa a assumir uma série de estratégias bem heterodoxas. A primeira delas é ensinar um golpe de caratê. A estratégia funciona, ela se mostra alguém diferente do estereótipo contra o qual os alunos lutam, aos poucos deixa de ser uma inimiga. Mais um elemento do gênero filme de escola: O professor deixa de ser identificado com o sistema e passa a ser identificado como alguém “do mesmo time” que os alunos. Este ponto é interessantíssimo porque a partir dele o conflito fundamental do filme não se dá com os alunos e sim com o sistema. O que pessoalmente acho muito envolvente e é um dos motivos para que este tipo de filme sempre me envolva. Em Mentes Perigosas o reitor chama a professora e diz que é perigoso ensinar caratê e que ela deve seguir a grade curricular do sistema de educação. Louanne rebate dizendo que é impossível seguir com a grade se a maioria de seus alunos nem sequer sabe o que é um verbo!

A partir daí o professor tem sucesso em sua tarefa primordial, educar os alunos, mas a desafio que o sistema oferece acaba se mostrando maior do que parecia. Estou feliz porque consegui divagar um pouco sobre gêneros cinematográficos e um pouco sobre o que seria um ‘filme de escola’. Também estou feliz pela epifania da personagem como alter ego, mas suspeito fortissimamente que isto é mais uma lembrança de algo que estudei e não uma ideia original minha. Assim concluo com o cuidado de não entregar o final deste filme ; )

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 03/11/2012
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