“Treze Dias que Abalaram o Mundo” (Thirteen Days)

“Treze Dias que Abalaram o Mundo” (Thirteen Days)




O que acontece com Thirteen Days é que ele, o filme, tem uma legião de fãs, desde professores de diversas áreas e outros acadêmicos, cinéfilos profissionais e amadores e até mesmo os maiorais da fita - os curiosos pela história de modo geral. Deixando claro desde o começo – o evento em si é do balaco, tanto visto da ótica externa como da interna sendo, a fatia mais saborosa do bolo, a junção de ambas as  visões.   Numa rápida pincelada o externo pode ser definido desse modo: “Em outubro de 1962 um avião U-2, que fazia vigilância de rotina, tira fotos revelando que a União Soviética está em processo de colocar uma plataforma de lançamento de armas nucleares em Cuba. (...)Por treze dias o destino da humanidade esteve nas mãos de um grupo reunido no salão oval na Casa Branca, pois a possibilidade de uma guerra nuclear era real”. 

A visão interna revela um mar de leituras que não pode ser desprezado, sendo, talvez, a primeira impressão a de que JFK teve uma missão caudalosa no planeta, cujo cerne esteve arqui presente nesse período. Qualquer toupeira de bengala, por mais bem intencionada que fosse, não hesitaria um segundo em apertar o botão e varrer do mapa quantos milhões de seres fosse necessário, a fim de proteger outros tantos milhões. Matemática e metaforicamente dizendo, seria o mesmo que você surpreendesse em seu próprio lar uma gangue apontando armas para seus entes queridos e dispusesse apenas de 13 segundos para pensar “ou nós ou eles”. Isso supondo vossa extrema ligeireza no gatilho a ponto de derrubá-los numa tacada poupando assim os seus familiares. Mas, você resolve pensar e depois de muita conversa todo mundo sai vivo do episódio. Taí uma metáfora válida.  

Roger Donaldson dirige e vai ser bom assim em dar aula na Quinta Dimensão, embora não se sabe (nesta resenha não se sabe) se tal clareza vem do livro homônimo escrito por Bobby Kennedy ou do roteiro. Que importa?  Cutucando um pouco a metáfora descrita acima JFK descobre, num piscar de olhos, que o inimigo colocou no seu quintal (sem aviso prévio) uma quantidade de mísseis suficiente para dizimar 80 milhões de americanos em 5 minutos.  Atirar primeiro seria a única solução concebível. 

Kevin Costner estrela na pele de um cidadão cuja história real merece seu quinhão de tributo na Grande História. Kevin faz Kenny O'Donnell, nascido em 1924, amigo pessoal do presidente, juntou-se ao grupo de JFK em 1958 e de 60 a 63 era considerado, mesmo que não com todas as letras, Chief of Staff. Foi contra o envolvimento dos EUA no sudeste asiático, todavia, arquitetou a trágica viagem a Dallas em 63, ele estava no carro detrás, na hora do tiroteio. Depois disso Kevin passou a trabalhar com Bobby e dizem que a morte deste último tornou-se um duro golpe na sua vida, tendo a mesma terminado em 1977 por conta do abuso de álcool. 

Pierre Salinger, biógrafo, escreveu:  “JFK endossava as opiniões de O'Donnell por saber que as mesmas eram desprovidas de quaisquer reivindicações  pessoais. Na mente de O'Donnell pairava uma única pergunta: isso será bom ou ruim para a nação?”.

Com isso, o leitor ganha uma visão mais ampla do personagem  vivido por Kevin Costner.

No dia 14 de outubro o avião U-2 captou as imagens e desde esse instante pondera-se que o colosso USA não poderia vingar à custa de funcionários que fossem filhos do sobrinho do enteado da viúva de um primo do ex-ministro. Coisas que fingem funcionar deste jeito mais cedo ou mais tarde desabam. 

Todo o episódio dos “Treze Dias...” visto passo a passo, por si só, é capaz de educar mais de uma geração, apoiado na questão mais simples do universo – ele é a tradução crua dos versos de Lulu&Nelsom: “A vida vem em ondas como o  mar...”.   

Primeiro eles analisam as imagens e vão bater na porta de Costner com ampliações gigantescas. Sem rapapés, exclamam: precisamos ver o presidente agora. 

Conclusão da análise – as fotos mostram mísseis SS4, carregados de ogivas de 3 megatons e com alcance de mil milhas. Na primeira reunião do presidente com seu gabinete Donaldson mostra 19 pessoas à mesa e fica-se sabendo que os mísseis podem se tornar operacionais num prazo entre 4 e 14 dias. São 32 mísseis. Lembrando ao leitor que para se obter mais informações a respeito era necessário efetuar mais voos de reconhecimento.

Primeira pergunta de JFK: supondo que Kruschev não tenha perdido a razão e não queira a Terceira Guerra Mundial, o que temos diante nós?
Resposta do Secretario de Estado Dean Rusk : se permitirmos a introdução de mísseis nucleares soviéticos em um país satélite do nosso hemisfério as consequências diplomáticas serão terríveis. 

Donaldson joga com isso logo na abertura dos créditos. Como todo educador, ele sabe que o ser humano em qualquer época tem uma certa dificuldade em lidar com o real. Em 62 eles estavam preocupados com bambolê e hoje com o YouTube. Na época o que estava em jogo era a Terceira Guerra Mundial, uma guerra de megatons, bem entendido. Ainda nessa reunião vem a opção alternativa a um ataque aéreo, que seria a pressão internacional. Essa turma lidava com cenários...

Robert Macnamara, Secretario de Defesa, adverte que se forem atacar, esse ataque deve acontecer antes dos mísseis se tornarem operacionais. Nesse ponto JFK não vê outra saída senão soltar a cavalaria. Kevin Costner pondera que se matarem russos (havia 3.400 deles em Cuba), os soviéticos vão retaliar sobre Berlim, daí a OTAN se envolve e de novo o pano de fundo – a guerra - salta para frente. Finda a reunião JFK, Bobby e O'Donnell (Bruce Greenwood, Steven Culp e Costner) decidem formar uma equipe de expoentes para se reunirem numa sala e chegarem a um termo diverso do genocídio. Serão os principais conselheiros e membros chave de cada departamento. Isso teve o nome de Comitê Executivo de Segurança Nacional. Repare o leitor que estamos ainda na primeira reunião e de cara o consenso unânime é que a via diplomática não vai funcionar – muito lenta e enquanto se conversa os mísseis estão sendo montados. 

A didática de Donaldson&Bobby foi lançada em 2000, contém 145 minutos de duração e mostra dentre outras que a chave do esforço para salvar a humanidade estava nas comunicações embutidas em ações dir-se-ia corriqueiras. Se por um lado o mecanismo base do evento se detinha na equação - enquanto Kennedy pondera os militares querem desembainhar as espadas, por outro um sem número de gestos agia incansavelmente a fim de estabilizar a gangorra.

Fazia-se necessário mais um voo de reconhecimento e Costner se encarrega de “comunicar” ao piloto: não seja abatido. Noutro instante, McNamara (Dylan Baker), censura o almirante sobre os tiros de alerta ao navio russo. O almirante protesta dizendo ser isso uma norma internacional e, além do mais, apenas um alerta.

McNamara exclama: aí que está, neste momento que se danem as normas internacionais, nós estamos inventando uma linguagem.

Ou seja, sem tiros, era necessário mandar um recado para o outro homem mais poderoso do mundo, Kruschev.

Comenta-se hoje, através de diversos meios, que a humanidade, a despeito da barbárie exposta na mídia, caminha a passos largos para uma consciência individual que, se por ventura algum gaiato decretar guerra, a massa reagirá assim: guerra? Tô fora, tenho um franguinho no forno e depois vou no cinema com minha mulher. Ou: guerra?! Nem a pau, hoje eu vou pescar e amanhã começo um curso de dança. Ou: guerra? Vocês estão loucos? Acabei de pagar a faculdade do meu filho e pretendo tirar uns dias numa pousada à beira mar...

Enquanto esse dia não chega o bom cinema alivia e instrui, “Treze Dias...” faz uma homenagem honesta a uma galera que deu tudo de si para garantir não só aquele momento, mas por consequência também este, aqui e agora.









 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 25/10/2012
Reeditado em 11/06/2021
Código do texto: T3951404
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