360

Diretor: Fernando Meirelles

Roteiro: Peter Morgan

Anos atrás, antes do Vimeo e a do Youtube serem alternativas reais para ver curtas metragens eu os via apenas no Festival de Brasília. Era a única oportunidade de ver filmes diferentes. Comparado àquela época – em que não tínhamos os mundo ao alcance das mãos através da web – os festivias de cinema são outra coisa. Deixaram de ser a principal (ou a única) opção de ver algo fora do mainstream. O caso é achava a maioria dos filmes muito ruins. Vez por outra via algum filme que de fato mexia comigo, algo que fazia valer a pena todos os outros. Dentre os vários curtas que tanto me tocaram um mexeu comigo de uma maneira diferente. O roteiro tocava temas sociais, era divertido e inteligente. Mas algumas coisas faziam deste pequeno filme, ‘Palace II’, excepcional: A narrativa dele era diferente, era dinâmica, bem construída. A atuação (que à época quase me convencia em pouquíssimos filmes) era maravilhosa. Filme bem cuidado em todos os seus elementos e que lembrava muito um filme que você, caro leitor, com certeza viu, ‘Cidade de Deus’. Não a toa, eram os mesmos atores, a mesma preparadora de elenco, a mesma equipe e o mesmo diretor, Fernando Meirelles. ‘Palace II’ foi a preparação para ‘Cidade de Deus’. De lá para cá Fernando dirigiu poucos filmes, mas com grande repercussão. Seus filmes foram indicados a vários prêmios internacionais, incluindo ao de melhor filme, melhor direção, melhor roteiro, melhor ator, melhor atriz. Sendo assim não podia deixar de ver sua última produção, ‘360`.

A maioria dos longa metragens que chega às salas é de filmes que tem um protagonista que no começo do filme passa por um evento que o tira da sua zona de conforto, de sua rotina. Daí, neste mundo estranho o protagonista vive situações com as quais não está acostumado e, por isto, tem que tomar decisões de fato (ao invés de apenas ficar ancorado ao conforto de sua rotina). Ok, confesso, li ‘Herói de Mil Faces`. Mas admitam, a maioria dos filmes obedece (ao menos neste aspecto) à esta teoria. Para ilustrar: Uma mulher pode ser largada por seu marido, isto a leva a um mundo diferente em que que tem que tomar decisões que não tomaria normalmente – como em comédia romântica de Mag Ryan. O fato é que 360 foge à regra. Qualquer tentativa de enquadrá-lo resultará em um malabarismo intelectual tão formidável quanto forçado. Isto porque o filme não tem um protagonista (ou um Herói, nos termos de Joseph Campbel).

Não é uma história, mas várias em que a maioria das personagens participa uma vez como protagonista e depois como coadjuvante. Assim que os enredos vão se costurando. Por exemplo: Temos a emocionante estória da jovem carioca (Laura) que se encontra com um jovem condenado como sex ofender (estuprador?). Tyler passou 17 anos preso, foi condenado como sex ofender (estuprador?). Sua pena está acabando e – após um intenso programa com acompanhamento de uma assistente social – sente que está preparado para ir a uma colônia de reabilitação.

Laura foi tentar a vida em Londres. Após flagrar o namorado tendo um caso decide pegar um vôo para o Brasil. Eis que uma tempestade faz com que vários vôos sejam cancelados. Laura marca um encontro com um amigo que conheceu no avião. Mas não é que ela por engano se senta na mesa do ex-presidiário? E o que esta linda menina magoada, recém separada e em um lugar onde não deve nada a ninguém resolve fazer? Claro, seduzir o primeiro menino bonitinho que aparece. Já um bocadinho bêbada Laura leva o ex-presidiário para o seu quarto.

Um pouco antes deste desafortunado encontro Tylor liga para sua assistente social pedindo ajuda. A nevesca não estava nos planos de ninguém. Agora ele – que esteve preso durante metade de sua vida – está em contato com um monte de mulheres, crianças, jovens . . . O filme é muito feliz em mostrar como Tylor está vulnerável. Enquanto conversa por telefone se esforça para encostar o pé no pé de uma criancinha.

Laura e um amigo marcam um encontro em um restaurante – que está lotado. Sem querer ela se senta na mesa marcada por Tylor. Muito bem, Laura é uma linda jovem, ligeiramente alcoolizada, recém separada, em um lugar que em que não deve nada a ninguém, o que decide fazer? Claro, seduzir o primeiro gatinho que aparece à sua frente. E quem vem a ser este gatinho? Claro, Tylor, o condenado como estuprador.

Quando o amigo com quem Laura marcou o encontro (interpretado por Anthony Hopkins – que ator!) chega ao restaurante só encontra um bilhete dizendo que só se vive uma vez e que ela foi ao quarto com o gatinho. Este momento do filme - que é tenso por si só – tem o suspense aumentado quando a assistente social liga para a polícia do aeroporto e avisa que Tylor é uma ameça à segurança pública. Ao invés da polícia fazer como pede a assistente social (e ficarem de olho nele) eles apenas avisam através do auto falante que tem um estuprador solto pelo aeroporto. Ou seja, o amigo de Laura fica desesperado com o bilhete que ela deixou. Mas não pode fazer nada a respeito uma vez que não sabe o quarto onde Laura está!!!

O desfecho desta sub trama (ou plot, para os adeptos de anglicismos) se dá assim: Laura insiste em seduzir Tylor a transar com ela. Tylor – evidentemente muito perturbado – corre para o banheiro, se tranca e joga água gelada no corpo. Depois se masturba. Ao sair encontra Laura dormindo. Ele fica apreciando Laura, passa a mão próxima a seu corpo, a centímetros dos seus seios, mas não chega a encostar nela.

Em outras vezes a participação da personagem em duas histórias se dá mais circunstancialmente. Por exemplo: Temos a história do dentista que se apaixona por uma mulher casada. Em busca de um conselho recorre primeiro a um sábio religioso (imãm), em seguida a uma sábia secular (uma psicóloga). O sábio muçulmano o aconselhou veementemente a continuar sendo um bom homem e, deste modo, largar completamente a ideia de ir atrás de uma mulher comprometida. Por que ele em seguida traz a mesma questão para a sábia secular? O dentista não se satisfez com a resposta religiosa e buscou uma resposta alternativa. A psicóloga disse que é possível ser feliz sem seguir os preceitos religiosos.Do outro lado do enredo temos a mulher casada por quem ele está apaixonado. Ela se dá conta de que o marido não é um bom companheiro e – até por saber do amor que o chefe nutre por ela – decide se separar.

O desfecho desta sub trama também é emocionante: Ela acabou de pedir divórcio e ele de se consultar com a psicóloga. Enquanto tratam um paciente o dentista aplica uma anestesia erradamente, a tensão entre os dois é incrível. Então o dentista a chama para um ambiente reservado e... a demite. Ela fica desesperada, pergunta se fez algo de errado. Ele diz que não, que vai recomendá-la, que conseguirá outro emprego fácil, que vai pagar seis meses de salário... isto não a consola... Isto porque de fato a psicóloga ofereceu uma flexibilização. Disse ser possível viver em dissonância em relação aos preceitos religiosos e ser feliz. Mas não ofereceu o que ele realmente buscava: Uma justificativa moral para fazer o que queria.

Assim como se dá com músicas todos os filmes, mesmo os ruins, são obras de arte. Sendo uma obra de arte o filme tem uma unidade. Por que a trilha sonora está lá? Por que cada interpretação se dá de um modo específico? Por que a fotografia tem tais e tais enquadramentos, tais e tais motivos? Por que a edição tem determinado ritmo em um ponto e outro ritmo em outro (falando nisto, adorei a edição de 360, daria um post específico sobre o tema)? Do mesmo modo que os outros elementos do filme tem uma razão para estarem onde estão o mesmo se dá com o roteiro. Já que nem todas as histórias são bem amarradas então por que estes sub enredos estão juntos? É a primeira pergunta que me faço ao ver este tipo de filme. Tenho muita segurança em dizer que é sobre tensão sexual – que cerca todas as histórias. Mas esta é uma resposta vaga. Tenho certeza de que existe uma resposta mais específica e mais profunda. Que tal você, caro leitor, tentar uma?

Gente, esta é a segunda resenha de filme que faço desde que resolvi voltar a escrever. Ainda estou trabalhando no meu estilo. Estou pensando em seguir com deste modo, ao invés de falar no filme todo me focar em uma ou duas cenas e fazer uma análise mais profunda. Também estou me segurando para não tergiversar demais. Será que estou em um bom caminho?

Valeu por me acompanharem, grande abraço!