“Margin Call - O Dia Antes do Fim” (Margin Call)

“Margin Call - O Dia Antes do Fim” (Margin Call)





Como nem tudo no mundo da informação é desinformação a la Disneylândia, (às vezes apresentada na forma de Disneylândia escatológica), cinema também é informação e não raro o Cine USA nos brinda com trabalhos surpreendentes no campo do Informar, doa a quem doer. O missionário Michael Moore explicou tin tin por tin tin a crise financeira de 2008 no seu “Capitalismo: Uma História de Amor”. Faltava, porém, computando o fator arte, alguém que dramatizasse a coisa. Aplausos a J. C. Chandor, que escreveu e dirigiu um filme de competência Classe A para leigos e troianos, um trabalho que não cansa um segundo no aspecto técnico e desperta na esfera ilustrativa um quatrilhão de deduções sobre como funcionam os egos nas altas esferas das finanças, especialmente sob pressão.

Vejamos os representantes dos egos: Jeremy Irons, Kevin Spacey, Paul Bettany, Demi Moore, Stanley Tucci, Zachary Quinto e outros.

De cima para baixo na hierarquia desta mega empresa financeira fictícia (inspirada na Lehman Brothers), Jeremy Irons faz o big boss, ele aparece na metade do filme e indaga para o peão Zachary Quinto o que está acontecendo. E ainda diz assim: trate-me como se eu fosse uma criança ou um cachorro, não foi minha inteligência que me colocou nesse cargo.

A ação se dá num período que vai pouco além do ciclo das 24 horas e um dos fatores que chama a atenção do cinéfilo está no quanto os personagens estão focados.

A firma está passando pelo que lá é conhecido como “downsizing”, por nós traduzido como “olho da rua”, Stanley Tucci foi um dos eleitos e ele está reunindo suas coisinhas numa caixa de papelão para deixar o prédio sem delongas. Segundos antes de entrar no elevador ele entrega ao aspirante Zachary Quinto um pen drive e diz: há algo errado, se puder dê uma checada.

Kevin Spacey faz o sênior com 30 anos de estrada e durante a tarde ele expressa aos outros eleitos, os que ainda tem emprego, que eles são os maiorais, etc. e tal e depois se recolhe em sua sala para lamentar a perda da cachorra, ou cadela se preferir, internada numa UTI de cães com problemas no fígado.

A competência de J. C. Chandor foi a de colocar em ação essa virtude mágica do cinema que funciona como uma flecha, possibilitando ao espectador assistir do marco zero ao último segundo com a atenção fixa na tela. Debates sobre o Bem e o Mal e outras querelas, inda que insinuadas lá e cá na velha roupagem da velha ética, mostram-se descartáveis nesse enredo. Até porque os caras lidam com papéis, títulos ao portador, mercado de futuros e o que mais possa sonhar vossa vã filosofia, trocando em miúdos e tirando o glamour trata-se de comércio, compra-se por X e vende-se por Xmais, senão não seria comércio. E ai de quem vacilar.

Paul Bettany, o terceiro na hierarquia possui chefes e ao mesmo tempo comandados, volta e meia ele necessita de um adesivo de nicotina, o dia segue sem novidades em meio a ternos, gravatas, gracejos e ao fim do expediente o que o espera é uma taberna.

O cabeçalho em letras garrafais do Estadão de 02/08/12 sobre o julgamento do Mensalão comunica o seguinte: “A justiça será feita se todos forem condenados”. Ora, tal modo de expressar se aplica também a todos os envolvidos na dramatização da trama histórica aqui exposta. No dia seguinte a corretora vai sair vendendo um peixe podre para todo o mercado, ciente de que isto gerará um efeito dominó avassalador.

Se na madrugada, entre os dirigentes Irons&Spacey ocorre um debate ético, quem salvará o dia seguinte é o famigerado “bucha de canhão”, no caso o operador, incumbido de tagarelar aos 4 ventos que “somente hoje” detém uma promoção imbatível. Cada operador leva 1,3 milhões nesse dia e a idéia é liquidar o estoque. Poucos sabem que tão logo soe o gongo anunciando o fim da jornada todos serão despedidos, com exceção dos chefes e do peão de ouro, Zachary Quinto.

Para quem desconhece, Zachary John Quinto (Pittsburgh, 2 de junho de 1977) se destacou como Sylar na série Heroes, e Spock no longa Star Trek. Hoje com 35 anos, no filme ele interpreta um cara de 28 galgando os primeiros degraus de uma carreira incerta.

Voltando algumas horas no tempo, os chefes saem para a balada e Zachary passa a analisar o conteúdo do pen drive.
Tem início a longa jornada noturna. Em momento algum Chandor mostra o monitor do computador e seu conteúdo. Mostra reflexos deste, seja nos óculos do operador, seja nas janelas próximas, e em momento algum destila “economês” para desentendidos.

O próprio Spacey é chamado para ver o que está acontecendo, às 11 da noite, e depois de coçar os olhos ele diz para o seu subordinado, Paul Bettany, que fora chamado às 9, que desconhece essas terminologias modernas. Enquanto a hierarquia é mobilizada peça a peça os menores na escala debatem sobre os ganhos astronômicos de seus superiores, a idade de cada um versus o sucesso financeiro e onde se gasta essa grana toda.

Às duas da manhã Bettany confidencia para os novatos ter ganho ano passado dois milhões e meio de dólares, metade foi para o Leão, e dez por cento da outra metade em putas e álcool.

Irons chega de helicóptero e ocorre uma reunião banda larga, com vários caciques insones, temerosos e mal humorados.
Demi Moore, impecável como uma veterana do Big Business, cutuca o jovem Zachary sobre o teor de sua conclusão.

A descoberta dele, a partir da suspeita do demitido Tucci, é que existem 3 bilhões de papéis duvidosos circulando por aí, há cerca de duas semanas, e ninguém ainda notou.

Demi Moore indaga qual é sua formação. Ora, o humilde Zachary se formou em engenharia espacial e sua tese versava sobre a resistência dos materiais em velocidades supersônicas, ou algo do gênero, e depois ele diz que no fim de contas são só números. E que está na firma porque o salário é compensador.

Margin Call fez bonito no Sundance Film Festival 2011 e é o trabalho de estréia do formado pelo College of Wooster, em 1996, Jeffrey Chandor. Antes ele fazia comerciais.

Estreou em grande estilo. Seu filme, além de revitalizar nomes de peso ultimamente um tanto capengas devido a papéis ruins, provou que uma proposta artística, inda que voltada para um universo sem arte ou ideais, ratifica o que todo mundo sabe ou deveria saber: no fim de contas a arte pode tudo.

 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 06/08/2012
Reeditado em 28/06/2021
Código do texto: T3816701
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.