“The Wonders - O Sonho Não Acabou” (That Thing You Do)

“The Wonders - O Sonho Não Acabou” (That Thing You Do)



E pensar que neste mês Paul McCartney completou 70 anos. E Ridley Scott lançou mais uma besta cinematográfica de grande espalhafato. O que é que isso tem a ver? Ora, que pergunta, cinema e música, e depois, você fica livre para associar da maneira que melhor lhe aprouver.

Ficou constatado num laboratório secreto que o maior efeito especial existente em todo o showbizz chama-se Uma Grande Idéia. E mais, também ficou provada a existência de um pavilhão no céu para artistas, inventores e humanistas de toda espécie. Na verdade são vários pavilhões. Tom Jobim, por exemplo, tem estandes e estandes no pavilhão da música. Basta ter uma música para participar, o que não vem a ser o caso do Maestro Antonio Carlos. Já o nova-iorquino Adam Schlesinger ali terá no mínimo uma barraquinha – foi ele quem compôs That Thing You Do, a pedido de Tom Hanks, que havia tido uma grande idéia.

Vamos à idéia – inventar uma banda que tivesse ao menos um hit capaz de subir nas paradas como um meteoro e chegar um pouco abaixo dos calcanhares dos rapazes de Liverpool, em 1964. Esse hit precisaria ter a cara deles. A cara dos Beatles, bem entendido.

Hanks pensou na construção todinha, do rés do chão ao estrelato. A formação da banda, a mudança de andamento da principal canção, o nome original do quarteto e suas naturais transmutações em decorrência da pronúncia, o disco gravado na igreja, a primeira vez no rádio, o primeiro empresário, que atuava numa caminhonete, espetáculos maiores, o encontro com o grande empresário do meio – o próprio Hanks, daí por diante.

Madurinhos que passaram batido ou se esqueceram da obra e jovens incautos fartos da mesmice tanto na música quanto no cinema podem estourar o champanhe, por aqui seus heróis não morrem de overdose.

Liv Tyler, perfeita como a groupie alto astral, Tom Everett Scott, o baterista que, na primeira apresentação deles, pensa – ora, essa balada tá muito certinha, vamos esquentar as coisas - era o toque que faltava para a canção That Thing You Do se tornar um sucesso.

Steve Zahn e Ethan Embry, outros dois músicos da banda. O primeiro carente, sem noção, para ele a alegria é incondicional, o segundo larga tudo e vai se juntar a US Navy. Johnathon Schaech, cantor e compositor mor, pretenso intelectual e eterno insatisfeito, tudo molecada, atestando com a imbatível veracidade da idade que no fim de contas somos protagonistas de um sonho possível, e cada qual com suas idiossincrasias gravitando plenamente no universo perfeito criado por Hanks.

A pequena cidade de Erie, Pensilvânia, berço dos Oneders, ponto de partida de uma direção de arte multidisciplinar e impecável - roupas, maquiagem, acessórios, carros, letreiros, tiques, crenças, comportamentos, eletrodomésticos, o que você pensar está no seu devido lugar, inclusive a loira de época Tina Powers, interpretada por Charlize Theron.

No pavilhão celeste Hanks também terá estandes na área da atuação, mas na seção dos diretores de cinema sua barraquinha será lustrosa e vistosa. Idem para a seção de música. Com exceção da canção título ele assina boa parte da trilha, que por sinal concorreu a estatueta no ano seguinte.

“That Thing You Do” foi lançado em setembro de 1996 e deixou muita gente se perguntando que raio de banda é essa, ou, como é que eu não vi isso.

E pensar que o protagonista de Woody Allen em “Meia Noite em Paris” é um cara que deseja viver próximo de seus ídolos, numa outra época. Ele inclusive está escrevendo um livro sobre um personagem que trabalha numa loja retrô. Ora, o criador Hanks pensou em algo parecido, só que ao invés da nostalgia do passado ele reinventa o passado. Tom Everett Scott estuda bateria ouvindo o disco de Del Paxton, um aclamado músico de jazz inexistente. A banda The Wonders fará turnês pela América custeada por uma gravadora fictícia e dividirá o palco com sua “galáxia de estrelas”, que pintam e bordam sucessos do arco da velha somente na realidade alternativa.

Qual o que, ainda há quem desdenhe dos espiritualistas, que dizem que a vastidão do celeiro dentro de cada um de nós é imensurável.

Para encerrar com palatável redundância, a grande magia está na composição de cenas capazes de cutucar nosso cerne, como, por exemplo, a primeira vez que “That Thing You Do” toca no rádio.

Liv Tyler sai correndo pela rua, ela esbarra em Ethan Embry, que estava vendo o uniforme de marinheiro numa loja especializada, eles correm para onde trabalha Tom Everett Scott, uma loja de eletrodomésticos, daí começam a ligar os aparelhos, do nada surgem Steve Zahn e Johnathon Schaech, eles dançam e cantam, as pessoas olham, há uma eletricidade juvenil no ar, pelo êxito conjunto, pela própria música, por aquele pequeno ponto no placar do infinito capaz de transformar uma existência inteira numa fração de segundos.

Mesmo que seja tudo mentira.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 26/06/2012
Reeditado em 02/07/2021
Código do texto: T3745506
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