“Ausência de Malícia” (Absence of Malice)

“Ausência de Malícia” (Absence of Malice)





Eliane Brum, jornalista, escritora, documentarista, com mais de 40 prêmios nacionais e internacionais na bagagem, dia desses documentou o seguinte descalabro: uma repórter da Bahia, munida de câmera e microfone fez o seguinte com um suspeito, dois pontos travessão: - “Na reportagem, a jornalista o chama de ‘estuprador’ e pergunta se a marca que ele tem no rosto resulta de um tiro”. Ele foi espancado, estava detido por acusação de estupro, mais tarde sua inocência ficou provada, mas ali, na delegacia, a repórter o expôs ao ridículo e decretou a sua sentença aos telespectadores.

Não fosse o movimento You-Tube pela libertação, mais o esforço de Eliane Brum somado ao Ministério Público Federal e outras mentes associadas na crença de que a razão é melhor do que a estupidez e o caso teria passado em branco, o detido teria sido desmembrado e a treva faria um gol. Não fez. Nesse caso o bom jornalismo venceu o mau. Ponto, e gancho encerrado.

“Ausência de Malícia” trata do mesmo tema, mas apresenta, evidentemente (ficará evidente quando você assistir o filme), outros parâmetros e porque não dizer, outro mundo.

Paul Newman faz o impecável “caubói solitário” Michael Colin Gallagher, ele tinha um próspero negócio de importação de bebidas, uma vida estável e uma grande amiga. Perdeu tudo do dia para a noite devido ao péssimo jornalismo de Sally Field.

Rodado em Coral Gables, Flórida, em 1981 pelo indiscutível craque Sydney Pollack, Absence conta uma história boa de assistir, da primeira a última cena e nos mostra um herói liso que nem quiabo escrevendo certo em meio a um lamaçal de linhas pra lá de tortas.

Falta tudo a Sally – malícia, percebimento, simancol, quiçá escrúpulo, exceto sua vontade em fazer uma reportagem sobre um suposto bandido.

O filme começa com ela xeretando com a secretária de redação, sobre o que a “chefia” estaria conversando em segredo.

Existe apenas a suposição de que Paul Newman estivesse envolvido num assassinato, direta ou indiretamente.

Kurt Luedtke assina a escrita, sendo ele mesmo jornalista e sua história baseia-se num fato verídico ocorrido com o filho de um conhecido gangster de Chicago. Na história verídica o desfecho foi turvo.

Aqui, Newman também é filho de um gangster, falecido, tem um tio “barra pesada” - Luther Adler (Tio Santos Malderone), e fica difícil imaginar qualquer ator além dele chegar com tanta categoria na mesa de Sally Field, com o jornal na mão e indagar – foi você quem escreveu isso? Ela derruba o café na mesa.

Cinema já foi um dia o que já foi um dia. (Uau, que sacada...). “Ausência...” merece considerações muita acima das pobres palavras que compõem esta resenha. Há um certo charme no conjunto desse filme cuja explicação repousa, talvez, no que se conhece por “fruto de uma época”, mas deve ser considerado o toque de ouro de Sydney Pollack.

Paul e Sally irão passear de barco. Ela indaga se ele já foi casado. Ele responde, fui casado com uma mulher muito bonita, mas não era amiga. Eles irão jantar umas duas ou três vezes, terão um rápido affair, ela consegue errar três vezes em suas reportagens, cada pergunta que ela faz é para cercar seu suposto passado ou presente criminoso, “por impreça que parível” Newman é um cara que anda linha, na primeira vez vem o papo da cama, ela diz que tem mais de 30 anos e não precisa de convites, ele retruca "Maybe I do", (talvez eu precise).

Semana passada foi veiculada na mídia brasileira o cabeçalho que “mais da metade da população endossa a tortura”. Pense bem o quanto comunica essa informação...
Dispensaria, inclusive, o mau jornalismo.

O segundo erro de Sally foi não enxergar o que estava escancarado – que a melhor amiga de Newman tinha problemas outros, visíveis a olho nu. A atriz Melinda Dillon faz Teresa Perrone, fumante, em tratamento psiquiátrico (por motivos outros), testemunha chave para a inocência do protagonista – eles estavam juntos na data do assassinato de um líder sindical. Ela pede para Sally, “olha, por favor, não escreva no seu jornal que foi por causa de um aborto, sou católica, moro com meu pai...”. Sally retruca que estamos em 1981 e as pessoas compreendem essas coisas. Teresa não compreendeu.

“Notícias são sempre ruins para alguém”, diz o chefe de Sally.

A tolerância que Newman tem para com a repórter é fora do comum. Durante seus encontros ele conta histórias de vida extremamente ilustrativas, mas é a tal parábola da pérola e dos suínos.

Depois de uma perda atrás da outra o herói resolve jogar o jogo. Você ainda tem meio filme para assistir, e de bônus ganha um punhado de cultura in(útil), como por exemplo a diretriz não escrita para a imprensa na Miami de 30 anos atrás, que também muito comunica:

- Só chame de tubarão se ele sair da água e morder algum banhista. Do contrário, chame de peixe.







 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 19/06/2012
Reeditado em 02/07/2021
Código do texto: T3732809
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