“Os Descendentes” (The Descendants)

“Os Descendentes” (The Descendants)






Mastigando para os marinheiros, George Clooney é um descendente demi royal – sua tetravó era uma princesa nativa que se casou com seu tetravô, um próspero ocidental à moda antiga e deste casamento, além dos descendentes veio uma fortuna, retalhada ao logo das gerações e no presente instante a família tramita para a venda de uma gleba astronômica numa das ilhas havaianas.

Essa é a camada número 1 e a ação se passa no Havaí, lembrando os docentes que o Havaí no caso não é uma marca de camisetas, uma lanchonete ou um seriado televisivo. Estamos falando do arquipélago que em 1959 se tornou o 50º estado americano. Com isso a decoração da narrativa não poderia repousar em melhor arranjo.

Baseado no livro de Kaui Hart Hemmings, o texto apenas sinaliza que a população do paradisíaco território também sofre de pobreza, doença e outros infortúnios. O que não impede que o local em si forneça prístinas filmagens.

Na camada número 2 a mulher de Clooney está em coma devido a uma barbeiragem náutica. Década e meia atrás ela pariu duas filhas que são, por seu turno, descendentes.

Agora estamos na camada número 3, com o pai demi solteiro e duas fêmeas, uma pré-adolescente e a outra com os dois pés na Idade da Besta. São elas, respectivamente, Amara Miller e Shailene Woodley. Impressionante como as atrizes mirins norte americanas atuam com impecável tino dramático. Será nesta camada que o protagonista ficará sabendo, pela sua filha mais velha, que mamãe estava tendo um caso. Daí por diante o filme flui como um ukelele sob uma palmeira em Honolulu, com todos os ingredientes na panela sob a batuta de Alexander Payne.

O romance de Hemmings, reunindo os estopins normais das tragédias cotidianas – sexo, adultério, grana, partilha, fofocas, etc., coloca o protagonista trilhando “o caminho do meio” no meio de múltiplas fogueiras, sobrevivendo, entretanto, sem queimaduras sérias.

Clooney fica arrasado ao saber que sua esposa não apenas tinha um caso com outro, como também amava o outro.

No currículo de Alexander Payne constam as direções de “As confissões de Schmidt” e “Sideways”, entre outros títulos. No presente trabalho ele também faz o caminho do meio, não força a barra em nenhuma situação e tampouco forja incômodo ao espectador, em nome de eventuais invencionices. Payne fiou-se na cartilha dos sábios, que reza: quando não se sabe o que fazer, faça o clássico.

Clooney é um pai desabituado as filhas e de repente as duas grudam no seu dia a dia. Ele e a mais velha iniciam um arremedo de investigação sobre o amante da mãe, mas o que vale nessa situação é a cumplicidade de ambos.

Elizabeth, a mãe, deve ter tido um sério lampejo nalgum ponto entre o seu casamento e o acidente náutico, que culminou na decisão de deixar por escrito que, se algum dia se transformasse num vegetal, por favor desliguem as máquinas.

Clooney, o pai desacostumado se vê também imbuído da missão de avisar – por telefone ou pessoalmente – aos parentes e amigos da vítima para se despedirem o quanto antes, pois no momento que tirarem o plugue da tomada Elizabeth partirá desta para melhor.

Assim, temos o protagonista rodeado por um teatro de sombras, sendo as emocionais tão tangíveis quanto o inusitado e um tanto inconveniente melhor amigo da mais velha, o aborrecente interpretado por Nick Krause, e dá para ficar enfeitando a equação até amanhã.

The Descendants conta ainda com as participações dos carismáticos veteranos Beau Bridges, na pele de um dos inumeráveis primos de Clooney, e Robert Forster, o sogro amargo, que diz ao iminente viúvo: se você tivesse dado um barco para ela, ou mais ação em casa, isso não teria acontecido.

Se o texto de Kaui Hart Hemmings atesta que o Lado B igualmente existe no Havaí, por outro lado explica que lá é um péssimo lugar para a venda de ternos. Mesmo os poderosos podem mostrar eficiência nos seus negócios trajando o tempo todo bermudão, camiseta florida e chinelos.

O bom trabalho de Alexander Payne&Cia rendeu Globo de Ouro 2012 de Melhor Filme - Drama e Melhor Ator (Drama) para George Clooney e Oscar 2012 na categoria de Melhor Roteiro Adaptado.

Mês passado o Havaí foi palco de uma das célebres aulas do professor Adamus, sendo um dos tópicos de extrema serventia ao personagem de Clooney:

“O feminino não precisa do masculino para lhe fornecer a energia masculina, ela já está no seu interior. Um homem não precisa de uma mulher para lhe fornecer a energia feminina, ele já a incorpora.

Esta compreensão pode provocar problemas num relacionamento estabelecido se somente um parceiro entende que ele é inteiro e completo com ou sem o outro”.




 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 23/05/2012
Reeditado em 02/07/2021
Código do texto: T3683951
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