“Todos os Homens do Presidente” (All the President's Men)

“Todos os Homens do Presidente”
(All the President's Men)







Alô, alô terceiro anistas, quarto anistas, e residentes em cinema, além de cinéfilos saudosos de obras multi agregadoras – não raro o passado nos reserva lições sobre presente e futuro cuja valia está longe de ser dimensionada.

Talvez a grande verdade do gênero policial, que ao longo do curso desviou-se do propósito inicial, possa ser enquadrado numa única palavra: investigação. Grosso modo, a explosão do gênero começou com Conan Doyle e Agatha Christie lançando a seguinte raiz: perseguir através do raciocínio e da observação uma suposição quase diáfana. Em suma, o gênero não nasceu com sirenes e voz de prisão.

Robert Redford e Dustin Hoffman investigam. A dupla personifica a coragem e a tenacidade dos jornalistas autores do livro homônimo e que visceralmente viveram essa história - Bob Woodward e Carl Bernstein.

Alan J. Pakula dirige este que é considerado uma das obras primas do cinema e faturou 4 estatuetas. Data: 1976.

Em 1972, durante uma reunião de pauta no jornal The Washington Post, alguém achou interessante o fato de que os seis arrombadores pegos em flagrante na sede do Partido Democrata, leia-se Watergate, tivessem cada um, em média, 600 dólares nos bolsos, e um advogado de plantão.

Pakula filma que é uma beleza o roteiro sem nós de William Goldman. Os planos abertos da redação do Washington Post (rodados lá mesmo) são convidativos, dizem ao espectador, venha se juntar ao mar de escrivaninhas & máquinas de escrever e prestar alguma ajuda, nem que seja fazendo crochê para agasalhar jornais em madrugadas invernais. Foram essas tiras de papel que denunciaram a inexistência de governo constituído e sim a atuação escabrosa de uma gangue de meliantes estatizados.

O que mais tinham os arrombadores? Walkie talkies e duas câmeras 35 milímetros.

Redford é convocado para acompanhar a primeira sessão dos flagrados perante a corte. Muito a contra gosto um advogado, que não quer se identificar, diz ali estar apenas para acompanhar de longe o trabalho de outros advogados e explica:

- Os (outros) advogados me disseram que não seriam indicados para representar os arrombadores, se soubessem que eles já tinham arranjado um advogado.

Redford indaga: como eles poderiam ter arranjado um advogado, já que não deram nenhum telefonema?

Por aí se mede a arquitetura da engenhoca.

A filmografia de Pakula ostenta a estatura dos que escolhem a dedo: "Klute - O passado condena", "A escolha de Sofia", "Acima de qualquer suspeita", "O dossiê pelicano", entre outros.

A dupla de jornalistas parte de rabiscos
em folhas de papel.

Precisa ter um tino cinematográfico avantajado para fazer aquela série onde Redford caça nomes, telefona, em seguida anota, para então começar tudo de novo.

A primeira pergunta dos editores do WP: esses caras (os arrombadores) estavam a mando de alguém, ou agiam por conta própria?

Curioso como na história recente dos USA, nos últimos 50 anos os republicanos representam sempre o partido de Darth Vader.

A operação descoberta por “Woodstein” (corruptela da dupla), era algo sem precedentes e foi desmantelada através da velha máxima: ninguém tropeça em montanha, mas sim em pedrinha. Os assaltantes estavam registrados num quarto de hotel. Já se sabia que todos haviam recentemente se aposentado por serviços prestados ao governo. A polícia encontrou no hotel agendas, com anotações as mais variadas, embora nomes ligados a Casa Branca estivessem em pelo menos duas agendas.

Redford (produtor executivo, junto com Pakula) não se incomoda de fazer papel do jornalista inexperiente. Um dos nomes o leva a Charles Colson, segundo homem mais poderoso dos USA de então, assessor especial de Nixon e que tinha um pôster na sua sala escrito: “quando você os pega pelas bolas, seus corações e mentes vem junto”.

A turma do plus 50, que curte um cinema vez por outra e se esqueceu por completo de “Todos os Homens...”, vai sorrir ao ver no mesmo filme, além dos protagonistas, a trinca: Jason Robards, Jack Warden e Martin Balsam.

Ninguém acreditava no que eles estavam
escavando, em dois níveis básicos:

a. Não vai dar em nada.
b. Isso não é verdade.

Repórter batia perna nos tempos pré-internet.

As cenas da redação no WP, com os ringues dos telefones pretos e o tac-tac das máquinas de escrever reúnem um tipo de hipnose de pouca explicação. Hipnotizam e pronto.

Pessoas se contradizem, sentem medo e ameaçam, mas nenhuma dessas manifestações assume o contorno do berreiro cinematográfico com cheiro de pólvora e correria. Ao contrário, são ações ordinárias, de ordem cotidiana, que ganham ampliação contundente nas mãos de Pakula, vide a cena dos dois pesquisando cartões de biblioteca na Biblioteca do Congresso, praticamente antológica.

Jason Robards interpreta o editor intrépido Ben Bradley, blazer e mocassins, no topo do mundo em 1972 e entrando para a história pela porta da frente.

Redford conhecera um sujeito numa festa, representado pelo ator Hal Holbrook, e este se tornará o oráculo da garagem, apelidado de Garganta Profunda (título de um filme pornô dos 60). Todas essas pessoas estavam cutucando um monstro sem precedentes. Ninguém sabia disso.

Jack Warden, outro editor intrépido. Woodward e Bernstein estavam na mira da demissão, mas a intuição de Warden dizia para dar sinal verde a dupla.

De telefonema em telefonema os repórteres perseguem um cheque de 25.000 US dólar que fora parar na conta de um dos assaltantes e que estivera, antes, sob a guarda do comitê de reeleição de Nixon.

Vide também a reunião de pauta, com jornalistas e editores, chefiada pelo lendário Martin Balsam, um pouco de tudo do mundo de 1972, os comentários à socapa dos entendidos sobre greve de professores, chuvas nas Filipinas, folclores políticos, etc. Ao término dessa reunião ocorre a seguinte consideração da parte de um jornalista reputado: “o que me incomoda não é usarmos fontes anônimas, ou a Casa Branca negar tudo o que publicamos, ou nenhum jornal reeditar nosso material. Há 2.000 repórteres nessa cidade e apenas 2 em Watergate? Desde quando o Washington Post tem o monopólio da sabedoria? Não acreditem nessa história.”

Cinéfilo observador já entendeu que a Volvo tem pé forte no merchandising em Hollywood.

Redford e Hoffman fazem Washington by night, de Volvo, discutindo sobre fatos e intuição. Eles andam carentes sobre os primeiros e entram em cena exemplos de dedução dos 70:

- Se você entra num carro com o rádio ligado e sessão de música ininterrupta por 10 minutos, isso é AM ou FM?

Redford rebate:

- Se um transeunte me aborda na calçada e me pede uma informação ele está perdido ou está me interrogando?

Sintetizando o suplício de ambos – que tipo de matéria eu escrevo, ou antes, o que eu deduzo de toda a informação fragmentária recebida?

O dinheiro continua sendo perseguido por “Woodstein”, a investigação funciona na base da caneta riscando impossibilidades, o que antes era 25.000 US dólar se transforma em 350.000, informação vinda de dentro (sempre vem de dentro), e um dos envolvidos no comitê de campanha presencia a contagem de 6 milhões de dólares em notas de 100. E pensar que hoje isso é trocado do tráfico... Há 40 anos atrás era dinheiro pra chuchu, especialmente sem recibo.

Ben Bradlee pergunta retoricamente:

- Vocês vão escrever uma história dizendo que o Secretario de Justiça, o mais alto posto na defesa da lei, é um ladrão? Tomara que estejam certos...

Woodward e Bernstein mal sabiam que iriam integrar, em definitivo, o portal dos que fazem e assim transmutam-se em sinônimos da luta pela verdade. Entraram timidamente, sem uma armadura reluzente e ganharam a tarja de heróis da democracia. Pra encerrar, “Todos os homens...” contempla todo aquele ou aquela que encara o jornalismo como algo além de press release e que, se se atrever ao bom combate, é capaz de melhorar toda uma situação – seja ela individual ou coletiva.




 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 14/05/2012
Reeditado em 02/07/2021
Código do texto: T3667994
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