SIM...ORSON WELLES, IT’S ALL TRUE!

Ele não era brasileiro.

Mas cantou o nosso país, as nossas belezas e as nossas mazelas, com a maestria e sensibilidade de um nativo da terra.

Não faz muito tempo em que tomei contato com a história dos projetos artísticos cinematográficos de ORSON WELLES, pelas bandas de cá!

Ainda outro dia, resolvi aqui resenhar o seu brilhante projeto, que iniciou-se por volta de março de 1942, aonde sob o título de “IT”S ALL TRUE” , numa caravana à América latina, ele decidira encenar quatro episódios: dois brasileiros, um SOBRE O CARNAVAL, outro, "QUARTO HOMENS SOBRE UMA JANGADA"...um mexicano, “MY FRIEND BONITO”, e um quarto, que acabou por cair na sua desistência em dezembro de 1941, pouco depois do ataque japonês aos Estados Unidos, na segunda grande guerra.

A filmagem que aqui descrevo, retrata um episódio verídico ocorrido no Brasil em setembro de 1941, época da então implantação do Estado Novo de Getúlio Vargas, na qual QUATRO JANGADEIROS cearenses, resolvem fazer uma viagem por Jangada, por eles construída, do Ceará ao Rio de Janeiro, ocorrida de 14/09/ a 15/11/1941, a fim de exigir do governo a concretização de direitos trabalhistas por ele "concedido" aos pescadores, mas que tão somente jaziam no papel daquele governo populista.

A expedição ocorreu comandada por um líder dos jangadeiros, o JACARÉ, um pescador simples da região, mas dotado de grande inteligência, sensibilidade e liderança entre os seus.

O filme, um média metragem, em preto e branco, apenas sonorizado por canções, encanta pela fidelidade com que retrata o sofrimento e as condições sociais precárias de toda a costa do litoral brasileiro.

Nós,espectadores de cinemas, já acostumados com este cenário de mazelas, tão cantado pelos nossos cineastas, fazemos uma excursão de volta ao tempo, nos encantamos e também nos assustamos ao ver que pouca coisa mudou, se é que mudou.

E a mim , particularmente, me tocou o fato de que a poesia do nosso sofrimento inundou o coração dum poeta estrangeiro.

Os personagens, pessoas simples, moradores das vilas de pescadores, foram garimpadas pelo próprio cineasta, e são atores natos espetaculares, cujas histórias encarnadas na própria pele, fluem com naturalidade nas cenas do filme.E isto encanta.Vale a pena ser visto como pérolas da história do cinema.

No decorrer das filmagens, houve um trágico acidente com o próprio mestre da embarcação, O JACARÉ, que acabou por perder-se no mar.

Este fato parece ter sido decisivo para a não conclusão das filmagens.

Orson Welles teve altos custos de produção, foi despedido, e o filme só foi concluído sete anos depois da sua morte, nos idos de 1993, por BILL KROHN , MYRON MEISEL, E RICHARD WILSON.

ORSON WELLES, que faleceu em 1985, jamais ganhou a oportunidade de terminar o seu trabalho.

Mas existe neste filme, um personagem, talvez o real protagonista a quem devêssemos homenagear incontestavelmente: A JANGADA SÃO PEDRO.

Sempre achei que a Jangada tem alma.Observem...é um verdadeiro poema vivo.

Sempre que vou ao nordeste, fico admirando esta obra de arte construída em madeira, de forma tão artesanal!

Todas elas têm história, têm braços, têm vida, têm sonhos, têm tempestades, têm idas, têm voltas...mas às vezes ficam.

Ficam no mar das esperanças, engolidas pelas ondas inesperadas do mar...da vida...

E acredito que foi exatamente isto que Orson Welles sorveu delas e dos seus guerreiros jangadeiros, a nos presentear com uma obra de arte genial!!

Termino esta resenha com um tributo a toda esta nossa bela e sofrida poesia, e a todos que a ela versejaram...pelos mares da história.

HERÓICA JANGADA

Fortaleza, 04/07/2002

Por Maria Virginia.

A jangada flutua no mar...

Como pluma pairando no ar,

No remanso das águas tranqüilas...

Se veleja a batalha do dia.

Estas ondas que quebram tão calmas,

E que espumam desde o início da aurora

Não se cansam de a mim marulhar...

A contarem-me os mistérios do mar!

E eu aqui...sob estes coqueirais,

Desfrutando de “leques artesanais”

Deste mar e desta natureza...

Destes verdes só de Fortaleza!

O horizonte parece infinito...

E a jangada já quase sumindo,

Ao chegar no outro lado do mundo,

Nada encontra que seja tão lindo!

Este vento que sopra de longe,

E nos trás devaneios distantes...

Já devolve a heróica jangada,

Descansando as mãos calejadas!

Sua vela tremula agitada...

Nem de longe se mostra cansada!

Já é tarde e do mar se despede...

E na praia a ele agradece,

O presente que chega à areia!

E que jaz na sua aparadeira...

Simboliza a vitória sofrida...

Dos que buscam o sustento da vida!