Um Beijo a Mais (The Last Kiss – 2005 – Paul Haggis)
Um Beijo a Mais (The Last Kiss – 2006 – Paul Haggis)
Em Crash!, último filme de Haggis, em determinado momento um negro consegue uma carona de um branco para atravessar certa região da cidade. Dentro do carro aquele que dirigia conversa calmamente com sua carona, mas não deixa de passar o olho e analisar se aquele que está sentado em seu banco é de confiança. Estamos nos Estados Unidos no século vinte e um depois dos ataques de Onze de Setembro. Los Angeles, onde ainda temos muito racismo, assim como em todos os Estados que são Unidos. Quando o homem negro vê uma pequena réplica de São Cristóvão posta em cima do painel do carro começa a rir, pois também tem uma em seu bolso. Em um tenso diálogo o homem branco começa a ficar desconfiado do negro que ri. Ele provavelmente acha que o negro irá lhe assaltar, ou qualquer coisa do gênero. Ele é um policial. Visivelmente amedrontado ele age por instinto durante a conversa e pergunta sobre o que é que o negro ri, ele responde apenas, “Pessoas, cara, pessoas!”, querendo saber como termina a cena melhor alugar o filme.
Paul Haggis tem uma habilidade incrível para criar diálogos bons e naturais, em tratar de seres humanos como seres humanos e nos contar uma história que seja plausível sem que seja idiota. Ele não torna personagens em pessoas medíocres unidimensionais. Ele dá valor ao diálogo que reflete e transparece, o que é o melhor de tudo, as tormentas internas e as rápidas e passageiras certezas que temos, todos temos.
O filme se concentra basicamente em relacionamentos, aliás, basicamente não, unicamente. E nas idas e vindas de casais. Ele mostra Um casal que tem um filho pequeno e passa por problemas, que na verdade eram anteriores ao filho. Um rapaz que foi largado pela mulher. Um bon vivant que acha sua vida boa e razoável, apesar de não fazer nada demais, e se concentra em um casal que descobre recentemente que vai ter um bebê e os pais da mulher desse casal. Paralelamente há uma adolescente que dá em cima do rapaz.
Assim como em Crash! a diversidade dos personagens pode parecer que é muita gente para um filme só. Seria, se não tivesse o cuidado de Paul com o roteiro e uma ótima montagem. Nunca há coisas dispensáveis no filme e cada parte serve para criar o clima. Que reflete muito bem uma realidade que acontece. Crise.
Ligeiramente podemos notar a contraposição que ele faz da vida de solteiro e jovem com a vida de casado, ou de relacionamentos mais sérios e duradouros. A rotina. Parecemos humanos querendo ser algo a mais. Tentando resolver nossos problemas das piores maneiras. E a principio o quadro geral do filme pode parecer ruim, mas ele chega a tocar o ponto que quer.
Ele diz quanta paciência, dedicação, perdão e respeito devemos ter pelos nossos companheiros. A mulher que vai ter um bebê e parece tão centrada perde as estribeiras quando sabe de um segredo de seu namorado. Ele que sabe da sua posição, de futuro pai, e resiste a se dar completamente para a adolescente que o seduz veementemente. O pai que chega a conclusão que seu relacionamento não vai nada bem com sua mulher e só tende a piorar se pensando em como criará o filho em um ambiente desses, sua mulher que está sempre a beira de um ataque. O casal mais velho que depois de trinta anos de relacionamento passa por dificuldades.
Os traços estão ali, não vou citar nomes de personagens, pois eles representam toda uma massa de pessoas que passam pelos mesmos problemas e só ganham rostos e nomes, pois servem melhor assim para contar uma história. Somos todos assim, ou o pior, podemos ser daquele jeito, não de um, mas de todos. Nossa fragilidade é expressamente estampada nos diálogos.
Muitas vezes as conversas refletem o cansaço das pessoas em relação ao que vivem, ao que suportam, ao que não querem viver e se sentem obrigadas. No fim o filme nos dá certo alívio com personagens que mal ou bem se acham, mesmo que passageiramente, mas a vida também é assim. Nunca saberemos o que vêm pela frente. Podemos saber, sim, o que fazer agora.
Com uma trilha sonora formidável que dá um tom mais ameno, mas por isso mesmo relevante ao filme. Tudo ali é meio pesado, mas muito simples, muito medíocre, vemos o quão importante aquelas pessoas se levam a sério e muitas das vezes isso soa ridículo. Como o apaixonado que quer ouvir da ex mulher que ela não o ama mais. Daquela que diz que o ato do namorado é imperdoável. Como alguém depois de trinta anos de casado foge de casa para depois voltar.
Essa simplicidade do difícil que é a vida que faz tudo, se não levado com certa dose de humor, seja maçante ao ponto de estourar em brigas, em que impensadamente podemos levantar até uma faca para aquele que se ama. Perdão e um pouco de bom humor. Não digo piada, nem risos, mas aquele bom humor que nos dá a paciência para escutar, refletir, recomeçar.
Na verdade a mensagem do filme está lá, ela usa a história para dar embasamento a ela. A mensagem é dita nos diálogos finais entre sogro e genro e mãe e filha que tentam se entender da melhor maneira possível. Mas o primordial é nos mostrar que nada pode ser dito quando tudo precisa ser feito. Fazer o que precisa ser feito. Custe o que custar. Falar é fácil demais, volátil demais, qualquer idiota fala que ama. Amar de fato é agir, é escolher fazer seu amor. Seja ele de um pai que abandona uma viagem insensata, seja ele de uma mulher que volta para se reconciliar com 30 anos de casamento, seja ele o amor que faz você ficar em frente a própria casa dias esperando para que aquela que ama te escute.
Ame, faça. O silencio comprova, quase sempre, as ações. Porque elas fazem parte do silêncio, elas fazem parte do amor em ato e não na tagarelice da juventude que diz amar e ser feliz em um dia e no outro já está insatisfeito. Relacionamento é trabalho, suor, e as alegrias colhidas disso. Quando passa a paixão... quando passa a paixão que tudo se esclarece, se torna visível. Nesse ponto temos todos que nos perdoar por sermos simplesmente humanos. Salve Paul Haggis.