“A História de Nós Dois” (The Story of Us)
“A História de Nós Dois” (The Story of Us)
Um clichê nada mais é do que uma forma de comunicação. Depende de como se usa e com qual propósito. O próprio Modo Grego (escala musical), sob determinada circunstância, não passa de um clichê, usado tanto por jazzistas como por sertanejos. O mixolídio (quinto grau), na escala de Dó maior, se expressa na forma sol, lá, si, do, ré mi, fá, sol. Você vai ouvir o guitarrista Herb Ellis usar um mixolídio em Night and Day como vai ouvir as mesmas notas dispostas num sonzinho meia boca espargido nos 4 cantos do globo.
Ora, “A História...”, de certo modo, é um amontoado de clichês que, para a época (1999), não só funcionou com primazia, como se apresenta tal e qual um manifesto ensolarado sobre a peculiaridade de todo casal afortunado (ou não): ele tem uma história. No caso deles, (o casal Jordan), os clichês não apenas funcionam a favor, como demonstram de um jeito claro que quem tem um passado em comum, a dois, deve no mínimo pensar duas vezes antes de jogar tudo no lixo, porque a verdade é que as coisas mudam, transcendem, amadurecem e o próprio amor está deveras distante de ser uma coisa estática. Assim como a música, ele modula. Esse enredo figura em sol, quiçá em homenagem aos cabelos loiros de Michelle Pfeiffer.
Rob Reiner dirige esse drama romântico com os astros Bruce Willis e Michelle Pfeiffer, o casal Jordan que, após 15 anos de união, vêem-se naquele estágio onde pensar é preciso, e o xis da questão não são os pensamentos e sim como processá-los.
Pense numa pequena odisséia cuja redenção está na palavra. Não é de hoje que os cientistas da auto ajuda proclamam a palavra como fator curativo para a maior parte das mazelas humanas ligadas a sentimentos, comportamentos e emoções. O discurso final da heroína Michelle salva a relação.
“A História...” possui uma pá de camadas comunicativas subliminares. Ou bem muitas uniões amealharam passados tenebrosos, ou bem um ou ambos estão caindo de bêbados, de si mesmos ou de agentes por assim dizer eletrizantes, e então lhes falta consciência para avaliar em que pé estão, ou por outro lado, “A História...” telegrafa aos que nunca tiveram relação alguma com ninguém, o lado A de uma vida a dois. Clientes e carapuças transbordam.
Reiner dirigiu “Conta Comigo”, “Harry&Sally”, “Questão de Honra”, ele é praticamente um especialista em não concorrer ao Oscar fazendo filmes acima da média que agradam gregos e troianos. Existem diretores assim. Não é culpa sua. Parece terem nascido assim, incapazes de levar a estatueta para casa, não obstante marcarem acentuada presença no público sem fazer uso do caminho da baixaria explícita.
O casal Jordan tem dois filhos pré-adolescentes de 99 (ainda não estão fumando crack e levando um 38 para o colégio), são eles Josh e Erin, impressionante como o cinema pasteurizado não deixa de ser um documento vigoroso de hábitos, tendências e aspirações, com especial valia nesses tempos que passam depressa demais e apresentam impensáveis mutações a cada minuto.
Bruce é roteirista e Michelle misto de dona de casa e comunicadora de palavras-cruzadas, o roteiro lança mão de tudo que é tipo de artifício –do flash back a uns apelos a La Woody Allen para exibir em 95 minutos como o casal Jordan se conheceu, quais foram seus altos e baixos e para onde aponta a proa.
Michelle reclama com a melhor amiga (Rita Wilson), que Bruce é o menino do lápis roxo, que pinta o mundo com as cores que ele quer. Rita lhe diz o óbvio: mas foi por isso que você se casou com ele.
Quando nada mais funciona, às vezes o óbvio transforma-se na tábua de salvação. Michelle bate o pé pela separação todavia um lampejo, dir-se-ia um momento de iluminação, a leva proferir as palavras certas no momento certo:
“Há uma história aqui, e histórias não acontecem da noite para o dia. (...) Sei onde guardamos a aspirina e qual o seu humor pelo jeito que levanta a sobrancelha. Você sabe que sou mais calada de manhã e compensa de acordo. Essa dança se aperfeiçoa com o tempo. É difícil, mais difícil do que pensei que fosse, mas há mais bom do que ruim e não devemos desistir. (...) Não vou poder dizer a um estranho Josh tem as suas mãos...ou, lembra como a Erin vomitou no memorial? (...) Você é um bom amigo e bons amigos são difíceis de achar (...)”.
Em poucos minutos e com algumas palavras a mais Michelle interpreta que é uma beleza – com sorrisos, lágrimas e entonações variadas - essa cena que no enredo não pede um retorno e sim extravasa a bandeira branca e apela ao recomeço. Não é um discurso que solicitando mais discussão. É a tentativa (bem sucedida) de colocar um ponto final na discórdia mecânica.
Há dois séculos um grande autor europeu descreveu uma corriqueira situação com as palavras: “pessoas que passam a vida despercebidas de si mesmas”. Não deixa de ser um insight se pensarmos no metrônomo do séc. XIX. Agora coloque esse raciocínio nos dias de hoje e tente preencher o gabarito na primeira pessoa. Se a revisão no singular parece difícil, por falta de prática, o que não dizer de um casal? Trocando em miúdos, aí está o objetivo deste empreendimento cinematográfico – o ato de perceber-se. Só que o roteiro de Alan Zweibel pede uma oitava acima. Ele fala da revisão na primeira pessoa do plural. Michelle deu a resposta sobre o porquê desse esforço valer a pena:
“Porque nós somos nós”.
“A História de Nós Dois” (The Story of Us)
Um clichê nada mais é do que uma forma de comunicação. Depende de como se usa e com qual propósito. O próprio Modo Grego (escala musical), sob determinada circunstância, não passa de um clichê, usado tanto por jazzistas como por sertanejos. O mixolídio (quinto grau), na escala de Dó maior, se expressa na forma sol, lá, si, do, ré mi, fá, sol. Você vai ouvir o guitarrista Herb Ellis usar um mixolídio em Night and Day como vai ouvir as mesmas notas dispostas num sonzinho meia boca espargido nos 4 cantos do globo.
Ora, “A História...”, de certo modo, é um amontoado de clichês que, para a época (1999), não só funcionou com primazia, como se apresenta tal e qual um manifesto ensolarado sobre a peculiaridade de todo casal afortunado (ou não): ele tem uma história. No caso deles, (o casal Jordan), os clichês não apenas funcionam a favor, como demonstram de um jeito claro que quem tem um passado em comum, a dois, deve no mínimo pensar duas vezes antes de jogar tudo no lixo, porque a verdade é que as coisas mudam, transcendem, amadurecem e o próprio amor está deveras distante de ser uma coisa estática. Assim como a música, ele modula. Esse enredo figura em sol, quiçá em homenagem aos cabelos loiros de Michelle Pfeiffer.
Rob Reiner dirige esse drama romântico com os astros Bruce Willis e Michelle Pfeiffer, o casal Jordan que, após 15 anos de união, vêem-se naquele estágio onde pensar é preciso, e o xis da questão não são os pensamentos e sim como processá-los.
Pense numa pequena odisséia cuja redenção está na palavra. Não é de hoje que os cientistas da auto ajuda proclamam a palavra como fator curativo para a maior parte das mazelas humanas ligadas a sentimentos, comportamentos e emoções. O discurso final da heroína Michelle salva a relação.
“A História...” possui uma pá de camadas comunicativas subliminares. Ou bem muitas uniões amealharam passados tenebrosos, ou bem um ou ambos estão caindo de bêbados, de si mesmos ou de agentes por assim dizer eletrizantes, e então lhes falta consciência para avaliar em que pé estão, ou por outro lado, “A História...” telegrafa aos que nunca tiveram relação alguma com ninguém, o lado A de uma vida a dois. Clientes e carapuças transbordam.
Reiner dirigiu “Conta Comigo”, “Harry&Sally”, “Questão de Honra”, ele é praticamente um especialista em não concorrer ao Oscar fazendo filmes acima da média que agradam gregos e troianos. Existem diretores assim. Não é culpa sua. Parece terem nascido assim, incapazes de levar a estatueta para casa, não obstante marcarem acentuada presença no público sem fazer uso do caminho da baixaria explícita.
O casal Jordan tem dois filhos pré-adolescentes de 99 (ainda não estão fumando crack e levando um 38 para o colégio), são eles Josh e Erin, impressionante como o cinema pasteurizado não deixa de ser um documento vigoroso de hábitos, tendências e aspirações, com especial valia nesses tempos que passam depressa demais e apresentam impensáveis mutações a cada minuto.
Bruce é roteirista e Michelle misto de dona de casa e comunicadora de palavras-cruzadas, o roteiro lança mão de tudo que é tipo de artifício –do flash back a uns apelos a La Woody Allen para exibir em 95 minutos como o casal Jordan se conheceu, quais foram seus altos e baixos e para onde aponta a proa.
Michelle reclama com a melhor amiga (Rita Wilson), que Bruce é o menino do lápis roxo, que pinta o mundo com as cores que ele quer. Rita lhe diz o óbvio: mas foi por isso que você se casou com ele.
Quando nada mais funciona, às vezes o óbvio transforma-se na tábua de salvação. Michelle bate o pé pela separação todavia um lampejo, dir-se-ia um momento de iluminação, a leva proferir as palavras certas no momento certo:
“Há uma história aqui, e histórias não acontecem da noite para o dia. (...) Sei onde guardamos a aspirina e qual o seu humor pelo jeito que levanta a sobrancelha. Você sabe que sou mais calada de manhã e compensa de acordo. Essa dança se aperfeiçoa com o tempo. É difícil, mais difícil do que pensei que fosse, mas há mais bom do que ruim e não devemos desistir. (...) Não vou poder dizer a um estranho Josh tem as suas mãos...ou, lembra como a Erin vomitou no memorial? (...) Você é um bom amigo e bons amigos são difíceis de achar (...)”.
Em poucos minutos e com algumas palavras a mais Michelle interpreta que é uma beleza – com sorrisos, lágrimas e entonações variadas - essa cena que no enredo não pede um retorno e sim extravasa a bandeira branca e apela ao recomeço. Não é um discurso que solicitando mais discussão. É a tentativa (bem sucedida) de colocar um ponto final na discórdia mecânica.
Há dois séculos um grande autor europeu descreveu uma corriqueira situação com as palavras: “pessoas que passam a vida despercebidas de si mesmas”. Não deixa de ser um insight se pensarmos no metrônomo do séc. XIX. Agora coloque esse raciocínio nos dias de hoje e tente preencher o gabarito na primeira pessoa. Se a revisão no singular parece difícil, por falta de prática, o que não dizer de um casal? Trocando em miúdos, aí está o objetivo deste empreendimento cinematográfico – o ato de perceber-se. Só que o roteiro de Alan Zweibel pede uma oitava acima. Ele fala da revisão na primeira pessoa do plural. Michelle deu a resposta sobre o porquê desse esforço valer a pena:
“Porque nós somos nós”.