“Meia Noite em Paris” (Midnight in Paris)

“Meia Noite em Paris” (Midnight in Paris)



Apenas a título de conversa fiada, dois divisores de águas tremulam firmes como birutas (biruta - aparelho que indica a direção do vento) no vasto campo de aviação filmográfico de Allan Stewart Königsberg, popularmente conhecido como Woody Allen.

No show bizz desde fins dos 50, Woody lançou seu primeiro filme em 1967. Hoje são quase 50 películas, mas, de 67 a 85 o artista em busca de si mesmo ganha a primeira biruta com “A Rosa Púrpura do Cairo” (85). Ali as águas se dividiram e todo mundo já sabia que suas naves decolavam. Em 99 vem a segunda, com “Celebridades”. De lá pra cá a tonalidade de artista maduro apenas confirma que limite não possui significado no mundo da imaginação.

Owen Wilson (o noivo), Rachel McAdams (a noiva), Kathy Bates (Gertrude Stein), Adrien Brody (Salvador Dali), Marion Cotillard (a musa de Picasso) e segue extensa lista de talentos representando talentos, cada um deles com a mais fina fala na ponta dos lábios, todos irmanados no intuito de retratar que metáfora está associada a poesia como uma irmã siamesa - não é pra quem quer e sim pra quem pode.

Owen Wilson (o roteirista que quer ser escritor), Rachel McAdams (podre de rica e prática como uma esferográfica), estão de férias na Cidade Luz, ela diz que ele é apaixonado pelo seu sonho, ele alega que vive na época errada, Woody abre o filme com a mais pura fotogênica Paris sem mostrar nenhuma titulagem, essa só aparece minutos e minutos depois, sempre ao som de um hit dos anos 30.

Owen suspeita que seu desejo de viver em outro tempo seja uma negação do presente, Rachel aposta suas fichas no marido da melhor amiga, um sujeito que sabe tudo sobre todas as coisas e ainda faz palestras na Sorbonne, em certo crepúsculo eles vão a uma degustação de vinhos e saem de lá com diferentes euforias – ela quer ir dançar e ele andar a pé na velha Lutécia.

A safra a partir da segunda biruta mostra que Woody incorporou uma tremenda habilidade em armar a cama para situações futuras sem delongas e sem desrespeitar os neurônios do público, sendo que as situações futuras só atingem o óbvio se o mesmo tiver a intenção de proporcionar, logo após, o inusitado.

“Meia Noite” exala o brilho da Aurora Boreal aos sequiosos e inconscientes de que nunca viram luz alguma, não por deficiência e sim por falta de oportunidade, e satisfaz com o gosto do dourado de ontem os saudosos de uma obra desse naipe. A maturidade do artista se livrou da fase “em busca de si mesmo” e do ceticismo rançoso e a cada novo trabalho recebemos retratos leves, às vezes cômicos, místicos, poéticos, todos amarrados por uma sagacidade desenhada não para os que precisam, esses não, para os que querem, pois essa simbiose funciona assim.

A massa que protagoniza a nossa realidade precisa, mais do que nunca, dessa espécie de âncora artística em meio ao crescente extermínio dos valores intrínsecos. Para começo de conversa, dissiparia algumas confusões. Semana passada o representante dos movimentos estudantis disse para as câmeras que o grande protagonista da cena brasileira hoje é o jovem. Minha nossa, em que mundo esse cara vive? No mesmo período uma famosa da TV americana passeou pela LA perigosa (leia-se periferia), num tour organizado que custa 100U$ por cabeça e seu depoimento para as câmeras foi: “Levamos sacos de crack para dar aos nativos”.

Basta um fragmento de consciência para duvidar dessa piada, enquanto piada.

Owen sai para caminhar depois da degustação e a meia noite, numa rua deserta, um Renault 1926 o convida para outra dimensão. Ele será apresentado para Scott Fitzgerald, Cole Porter e Hemingway e quando eles lhe perguntam sobre suas atividades é com a maior dificuldade que ele responde: sou escritor.

Isso é só o começo da proposta escrita e dirigida por W. A.

“Meia Noite em Paris” é uma metáfora com raros precedentes, pois se por um lado a mensagem de seu conteúdo pode ser climatizada para Meio Dia em São Paulo ou Quatro da Tarde no Arizona, no Acre ou em Fátima, Paris em si mesma é um símbolo dentro do símbolo que não permite sofismas, tamanha a sua significação histórica. Deixando a geografia de lado, o cerne da obra poderia ser descrito com as seguintes palavras, de autor desconhecido: “Aves exóticas e misteriosas só podem ser vistas no tempo e no momento permitidos pelo Incriado, mas podem ser pressentidas pelo sentimento de que em algum lugar do Universo o amor é livre, generoso, divertido e misterioso.”

 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 26/09/2011
Reeditado em 15/09/2021
Código do texto: T3242242
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