Quando tudo começa...


 
“Há vinte anos eu tinha 45 alunos. Não nos queixávamos. Tinha 45 alunos, heim! Havia disciplina. As crianças eram pontuais e estavam sempre limpas. O que não significa que não houvesse pobreza. Hoje em dia é diferente. Tenho 30 alunos e não dou conta. Eles não só chegam atrasados, como chegam sujos. Os pais estão frequentemente em situação de desespero. São poucos os que trabalham. As crianças nem sabem mais o que é uma profissão. E pode-se dizer que só tem a mim com quem falar. Esperança? Não é dizer que vão passar no vestibular ou estudar muito. Não creio mais nisso, mas dar-lhes afeição porque sou apegada a elas. Enfim, é a esperança que me resta. Se eu lhes mostrasse as crianças, o estado em que se encontram! Tão pequenas e tão frágeis. As mães não cuidam mais dos seus filhos como antes. Não podem. É como se elas quisessem se livrar delas. Elas levam as crianças à escola mesmo com 40 graus de febre. Passam o dia diante da TV. À noite fazem o mesmo com eles para ficarem tranquilos. Até durante o jantar. Resultado: temos de lhes ensinar tudo! Até a dar bom-dia! Tem mais. Alguns nem sabem que podemos conversar com alguém. As palavras servem para dizer: “tenho fome”, “tenho frio”, “tenho sede”. É a sobrevivência.”
 

Certamente se eu não comentasse que este depoimento acima é de uma professora personagem de um filme ambientado na França dos anos 80 todos pensariam que é um desabafo de uma de nossas professoras da escola pública brasileira, de alguma periferia de uma cidade como a minha, a sua...

O filme é o excelente Quando tudo começa... do premiado diretor  francês Bertrand Tavernier.Quando li que o filme foi criado a partir de vivencias reais de um professor de crianças pequenas me interessei mais ainda e creio que pais e educadores saberão aproveitar tanto o lirismo quanto a dura crítica feita a burocracia que envolve a educação pública ali retratada.
 
O contexto social não é o mesmo do Brasil, mas é um filme que comove e nos faz pensar na realidade de nossas escolas, na crua falta de visão das autoridades, na descrença que há em muitos colegas de profissão, na indignação de outros, nas avaliações baseadas apenas em números, nos ambientes depredados e mau conservados, no nosso involuntário envolvimento com problemas, com as famílias das crianças.

Do contexto familiar, há de tudo um pouco no filme: descaso e violência dos pais, rebeldia de adolescente, relações mal resolvidas entre pais e filhos, mas há também afeto, preocupação e a paixão pelo oficio na postura de profissionais como Daniel
Lefebvre, o professor/diretor da escola que nós dá uma lição de humanidade.

Como educadora, tantas vezes me pego a pensar como a professora Sra. Delacourt, em seu dramático desabafo... “Enfim, é a esperança que me resta.”


 

Serviço:

Filme: Quando tudo Começa...
Título Original: Ça Commence Aujoud'hui
Gênero: Drama
Origem/Ano: FRA/1999
Duração: 105 min
Direção: Bertrand Tavernier
 
Sinopse:

 A trama focaliza a história do professor Daniel Lefebvre (Philippe Torreton), que ensina crianças em Hernaing, uma pequena cidade que sofre com o fechamento das minas de carvão e enfrenta uma taxa alarmante de 34% de desemprego. Daniel e os outros professores são aconselhados a não se envolver com os problemas crônicos da comunidade, mas é impossível para Daniel permanecer imune à miséria, à falta de assistentes sociais, à indiferença do governo e aos sérios problemas domésticos que suas crianças enfrentam.
Depois de um trágico incidente na escola, Lefebvre decide comandar uma campanha contra o governo local, reivindicando condições mínimas de vida e dignidade para a população. Além de dificuldades pessoais, como a doença do pai, um ex-mineiro que sofre de enfisema, ele irá enfrentar enormes dificuldades burocráticas e a maquinação das autoridades educacionais, que farão de tudo para colocar o professor na linha. O filme recebeu Menção Especial do Júri no Festival de Berlim de 1999.

* imgens da web

http://www.cinematotal.com/filmes_details_main.asp?id=8196