“Loucos de Paixão” (White Palace)

“Loucos de Paixão” (White Palace)







Acusar de infantis algumas das situações propostas por esse roteiro equivale dizer que os navegadores lusitanos do séc. XVI eram infantis por usarem o astrolábio.

Em 1990 é possível afirmar, quase que cientificamente, que Susan Sarandon e James Spader balouçaram mais de um coração neste pseudo drama baseado em obra de Glenn Savan.

Luis Mandoki dirige.

Spader está numa despedida de solteiro quando percebe ter sido lesado pela lanchonete, que lhe deu 6 embalagens vazias de hambúrguer. Ele volta para reclamar. Há um bate boca com a garçonete. Horas mais tarde, depois da despedida, ele atraca o Volvo numa espelunca. Sarandon o reconhece e vai puxar assunto. Ela era a garçonete de algumas horas antes. Conversa vai, conversa vem, ela diz:

- Aposto que você está assim porque sua mulher o abandonou.

Spader explica que a mulher morreu.

Sarandon gargalha e exclama:

- Morreu!? Como ela fez isso?!

Spader diz algo do gênero: você tripudia porque nunca perdeu ninguém.

Sarandon continua risonha e exclamativa:

- Lógico que perdi. Perdi Charlie.

(Vale esclarecer ao leitor que eles estão num pileque semi federal).

Spader retruca – e quem é Charlie, seu cachorro?

Sarandon sorve um gole generoso e esclarece: não, meu filho.

A novela de Glenn Savan chegou ao mercado em 1987 e ele mesmo, em parceria com o roteirista Ted Tally, modulou para o cinema a história de uma garçonete de St. Louis que se envolve num romance ardente com um homem mais jovem.

Baixa auto-estima, medo da concorrência – meninas bem nascidas e recém saídas da universidade são os fantasmas que atormentam a personagem de Sarandon, que já carrega uma cruz de bom tamanho dizendo que o filho de 14 anos morrera de leucemia quando na verdade ele foi encontrado sem vida, com o corpo repleto de álcool e cocaína. Ela tem 44 anos.

Spader faz o youppie light que ainda não precisa de uma calculadora para saber quantos ternos estão no armário, completou 28 anos e destila a viuvez no celibato. Dinheiro não lhe falta e Sarandon demonstra uma garra além da vida. São dois peixes fora d‘água que se interseccionam nos lençóis. Teria acabado aí, não fosse o nosso velho conhecido, o vulgo amor.

Luis Mandoki nasceu em 1954, na Cidade do México, e dirige tanto na sua terra natal quanto em Hollywood. Você o conhece dos carnavais “Message in a Bottle” (1999)
e “When a Man Loves a Woman” (1994).

Susan e James tentam uma vidinha clandestina de casal, e do alto da sua maturidade Susan esclarece: somos diferentes, mas uma há cena, quando eles chegam para o almoço dos Horowitz, que, por mais que a história comunique que falta classe a garçonete e que suas roupas são chinfrins e seu verbo deixe a desejar, Mandoki precisou de poucos segundos para capturar aquela beleza incomum de Susan Sarandon, a cor da pele e dos olhos, os traços finos, sua personagem não tem idéia dessa beleza, algo que vende caráter, algo que exala Eu Sou o Que Eu Sou, não importa o que aconteça.

Só mesmo os artistas para nos darem algum sossego, transmitindo-nos que aquilo que parece inviável é capaz de preponderar.

Susan jogou tudo para o alto no almoço dos Horowitz, por pura insegurança e depois deixou um bilhete. Spader vai atrás dela.

Artistas... são eles que nos dizem que 2+2 são cinco. Exatamente o que queremos ouvir.








 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 01/08/2011
Reeditado em 22/09/2021
Código do texto: T3132068
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