OS DEZ MANDAMENTOS
Título original: (The Ten Commandments)
Lançamento: 1956 (EUA)
Direção: Cecil B. DeMille
Atores: Charlton Heston, Yul Brinner, Anne Baxter, Edward G. Robinson, Yvonne De Carlo, Debra Paget, John Derek, Vincent Price.
Duração: 229 min
Gênero: Épico
Sinopse: A história bíblica descrita no Êxodo é retratada neste longa metragem de Cecil B. de Mille. Descreve a vida de Moisés desde de seu nascimento, quando é colocado em um cesto nas águas do Rio Nilo pela sua mãe Iochabel, e seu recolhimento e adoção pela princesa egípicia Bithiah, que o cria como um verdadeiro príncipe egípcio. Mais tarde, já adulto, Moisés descobre sua origem israelita. Daí em diante ele dedicará sua vida a libertar seus conterrâneos da escravidão e depois conduzir seu povo à Terra Prometida. Em meio a tudo isso, ele lhes dará uma legislação, fundamentada na vontade de Deus.
***
Eu sou um cinéfilo por natureza. E a minha preferência sempre foi pelos épicos monumentais, que retratam os tipos e os fatos que fizeram a História, a história e a estória, que conformam as nossas instituições e a nossa cabeça.
E um dos meus preferidos sempre foi os Dez Mandamentos de Cecil B. de Mille, estrelado por Charlton Heston, o carecão Yul Brinner e a bela Anne Baxter, entre outros monstros sagrados da Hollywood dos anos cinqüenta e sessenta.
É um velho filme, ingênuo para os padrões de hoje, com seus efeitos especiais e suas estórias carregadas de mensagens subliminares. Foi lançado em 1956, com o rótulo de “o maior espetáculo de todos os tempos.” E era mesmo. Até aquele momento, nenhum filme tinha reunido tamanho elenco de “feras”, nem criado cenários tão grandiosos como aqueles que se veem nesse filme. Talvez só o antológico “O Vento Levou”, de Darril F. Zanuk conseguisse lhe fazer parelha.
Revi o velho clássico bíblico na noite passada. Apesar de tê-lo visto algumas dezenas de vezes, desde 1962, quando o vi pela primeira vez, ele ainda me impressiona e comove. A recriação do Egito dos faraós é sensacional. E pensar que tudo aquilo foi feito sem o auxílio dos recursos da computação gráfica...
Mas o que me interessa mesmo é o enredo do filme. Confesso que a figura de Moisés e a história do Êxodo israelita do Egito, sempre me impressionaram, de um lado, e me incomodaram, de outro. De um lado impressiona por constituir uma saga heróica formidável, e de outro incomoda por nunca ter encontrado qualquer relato histórico confiável que me desse a certeza que foi aquilo mesmo que os cronistas bíblicos escreveram que aconteceu.
Já li muita coisa a esse respeito. Desde antigos autores, como Flávio Josefo e Philo de Alexandria, aos modernos Sigmund Freud e Ahemed Osman, tudo é pura metalinguagem, tentando explicar o que pode ter sido, mas ninguém com autoridade suficiente para afirmar o que realmente foi, até agora, apareceu para colocar luzes definitivas sobre esse assunto.
Quem, realmente, foi Moisés? Pesquisadores modernos, como o israelita Israel Finkerton e Neil Asher Silberman , que acham que a “Bíblia Não Tinha Razão” [1]lançam dúvidas inclusive sobre a sua existência. Freud, o famoso fundador da psicanálise, sugere que ele foi, na verdade, aquele Akhenaton, faraó que tentou, no século XIII Antes de Cristo, implantar uma religião monoteísta no Egito.[2]
Tudo é mera conjectura, mas é estranho que numa civilização como a egípcia, que tinha por hábito registrar tudo que acontecia naquela terra, não se tenha encontrado até hoje uma única referência à Moisés e ao Êxodo israelita, e até mesmo à presença dos hebreus nas terras do Nilo.
A saga dos filhos de Abraão no Egito, como é contada na Bíblia, é grandiosa demais para ter passado em branco pelas sagazes penas dos escribas egípcios. Eles registravam até as partidas de trigo que eram recolhidas nos celeiros do reino...
Mas isso não importa muito. O que ficou, na verdade, foi o fato de que Moisés, tenha ou não existido como a Bíblia o descreve, é o arquétipo construtor da idéia de que uma nação, para subsistir, tem que ter uma constituição escrita, conhecida e obedecida por todos.
E foi isso que ele fez. Todos os povos antigos tinham as suas legislações. Mas a diferença entre o Decálogo hebraico e os demais códigos antigos ( Código de Manú, Código de Hamurabi, as legislações de Sólon e Dracon, etc.), é que o Decálogo tem características de verdadeira Constituição, enquanto as demais são codificações de costumes ancestrais, transpostos para a forma escrita.
Uma Constituição reflete uma idéia de perenidade(servir para sempre) e postar-se como alicerce para a vida da nação, enquanto um código trata apenas de um aspecto da vida de uma civilização (civil, penal, comercial, etc.)
Uma Constituição tem cláusulas pétreas, sobre as quais a vida de uma nação se assenta. São os valores de um povo e de uma época que se superpõem, para guiar a vida da sociedade. É preciso muita grandeza para fazer uma coisa dessas.
Aliás, duvido que Thomas Jefferson não tenha se sentido um verdadeiro Moisés ao redigir a Constituição dos Estados Unidos da América. E não tenho dúvidas também que George Washington e Andrew Jackson, que a consolidaram, não tenham, pelo menos em suas imaginações, estufado o peito e respirado fundo, como se estivem recebendo o espírito de Josué. A colonização dos Estados Unidos, sua luta pela independência, a promulgação da sua Constituição, tem toda a feição do Êxodo israelita e a conseqüente conquista das terras palestinas e a outorga dos Dez Mandamentos.
Assim, quem conhece um pouco da História dos Estados Unidos, e assiste aos Dez Mandamentos não pode deixar de fazer essas ilações. Afinal, na cabeça dos pais da pátria americana sempre esteve presente a idéia de um destino manifesto dos Estados Unidos, igual à dos israelitas com sua terra prometida. Que ela tenha sido deslocada do mítico Vale do Jordão para as luxuriantes planícies da América é apenas uma questão de geografia.
Cecil B. de Mille, como se sabe, era judeu. Seu objetivo, ao produzir e dirigir os Dez Mandamentos (duas vezes, aliás, já que ele já havia feito um filme com esse tema em 1923), foi, como ele diz na abertura, mostrar a diferença entre uma ditadura, como a do Faraó Ransés II, suportada pelo trabalho escravo, e a democracia, formada por um povo livre, que escolhe seus líderes e trabalha para si mesmo.Tudo muito americano. Tudo muito politicamente correto e revelador.
Tudo bem que a Israel bíblica nunca foi uma democracia, mas sim, uma ditadura teocrática governada por patriarcas e sacerdotes, que o faziam em nome de Deus. Mas essa é outra história. Arquétipo é arquétipo e o que importa é o que ele inspira. O filme continua sendo lindíssimo e é uma das maiores realizações da história do cinema. Quem ainda não viu veja. Vai babar.
Título original: (The Ten Commandments)
Lançamento: 1956 (EUA)
Direção: Cecil B. DeMille
Atores: Charlton Heston, Yul Brinner, Anne Baxter, Edward G. Robinson, Yvonne De Carlo, Debra Paget, John Derek, Vincent Price.
Duração: 229 min
Gênero: Épico
Sinopse: A história bíblica descrita no Êxodo é retratada neste longa metragem de Cecil B. de Mille. Descreve a vida de Moisés desde de seu nascimento, quando é colocado em um cesto nas águas do Rio Nilo pela sua mãe Iochabel, e seu recolhimento e adoção pela princesa egípicia Bithiah, que o cria como um verdadeiro príncipe egípcio. Mais tarde, já adulto, Moisés descobre sua origem israelita. Daí em diante ele dedicará sua vida a libertar seus conterrâneos da escravidão e depois conduzir seu povo à Terra Prometida. Em meio a tudo isso, ele lhes dará uma legislação, fundamentada na vontade de Deus.
***
Eu sou um cinéfilo por natureza. E a minha preferência sempre foi pelos épicos monumentais, que retratam os tipos e os fatos que fizeram a História, a história e a estória, que conformam as nossas instituições e a nossa cabeça.
E um dos meus preferidos sempre foi os Dez Mandamentos de Cecil B. de Mille, estrelado por Charlton Heston, o carecão Yul Brinner e a bela Anne Baxter, entre outros monstros sagrados da Hollywood dos anos cinqüenta e sessenta.
É um velho filme, ingênuo para os padrões de hoje, com seus efeitos especiais e suas estórias carregadas de mensagens subliminares. Foi lançado em 1956, com o rótulo de “o maior espetáculo de todos os tempos.” E era mesmo. Até aquele momento, nenhum filme tinha reunido tamanho elenco de “feras”, nem criado cenários tão grandiosos como aqueles que se veem nesse filme. Talvez só o antológico “O Vento Levou”, de Darril F. Zanuk conseguisse lhe fazer parelha.
Revi o velho clássico bíblico na noite passada. Apesar de tê-lo visto algumas dezenas de vezes, desde 1962, quando o vi pela primeira vez, ele ainda me impressiona e comove. A recriação do Egito dos faraós é sensacional. E pensar que tudo aquilo foi feito sem o auxílio dos recursos da computação gráfica...
Mas o que me interessa mesmo é o enredo do filme. Confesso que a figura de Moisés e a história do Êxodo israelita do Egito, sempre me impressionaram, de um lado, e me incomodaram, de outro. De um lado impressiona por constituir uma saga heróica formidável, e de outro incomoda por nunca ter encontrado qualquer relato histórico confiável que me desse a certeza que foi aquilo mesmo que os cronistas bíblicos escreveram que aconteceu.
Já li muita coisa a esse respeito. Desde antigos autores, como Flávio Josefo e Philo de Alexandria, aos modernos Sigmund Freud e Ahemed Osman, tudo é pura metalinguagem, tentando explicar o que pode ter sido, mas ninguém com autoridade suficiente para afirmar o que realmente foi, até agora, apareceu para colocar luzes definitivas sobre esse assunto.
Quem, realmente, foi Moisés? Pesquisadores modernos, como o israelita Israel Finkerton e Neil Asher Silberman , que acham que a “Bíblia Não Tinha Razão” [1]lançam dúvidas inclusive sobre a sua existência. Freud, o famoso fundador da psicanálise, sugere que ele foi, na verdade, aquele Akhenaton, faraó que tentou, no século XIII Antes de Cristo, implantar uma religião monoteísta no Egito.[2]
Tudo é mera conjectura, mas é estranho que numa civilização como a egípcia, que tinha por hábito registrar tudo que acontecia naquela terra, não se tenha encontrado até hoje uma única referência à Moisés e ao Êxodo israelita, e até mesmo à presença dos hebreus nas terras do Nilo.
A saga dos filhos de Abraão no Egito, como é contada na Bíblia, é grandiosa demais para ter passado em branco pelas sagazes penas dos escribas egípcios. Eles registravam até as partidas de trigo que eram recolhidas nos celeiros do reino...
Mas isso não importa muito. O que ficou, na verdade, foi o fato de que Moisés, tenha ou não existido como a Bíblia o descreve, é o arquétipo construtor da idéia de que uma nação, para subsistir, tem que ter uma constituição escrita, conhecida e obedecida por todos.
E foi isso que ele fez. Todos os povos antigos tinham as suas legislações. Mas a diferença entre o Decálogo hebraico e os demais códigos antigos ( Código de Manú, Código de Hamurabi, as legislações de Sólon e Dracon, etc.), é que o Decálogo tem características de verdadeira Constituição, enquanto as demais são codificações de costumes ancestrais, transpostos para a forma escrita.
Uma Constituição reflete uma idéia de perenidade(servir para sempre) e postar-se como alicerce para a vida da nação, enquanto um código trata apenas de um aspecto da vida de uma civilização (civil, penal, comercial, etc.)
Uma Constituição tem cláusulas pétreas, sobre as quais a vida de uma nação se assenta. São os valores de um povo e de uma época que se superpõem, para guiar a vida da sociedade. É preciso muita grandeza para fazer uma coisa dessas.
Aliás, duvido que Thomas Jefferson não tenha se sentido um verdadeiro Moisés ao redigir a Constituição dos Estados Unidos da América. E não tenho dúvidas também que George Washington e Andrew Jackson, que a consolidaram, não tenham, pelo menos em suas imaginações, estufado o peito e respirado fundo, como se estivem recebendo o espírito de Josué. A colonização dos Estados Unidos, sua luta pela independência, a promulgação da sua Constituição, tem toda a feição do Êxodo israelita e a conseqüente conquista das terras palestinas e a outorga dos Dez Mandamentos.
Assim, quem conhece um pouco da História dos Estados Unidos, e assiste aos Dez Mandamentos não pode deixar de fazer essas ilações. Afinal, na cabeça dos pais da pátria americana sempre esteve presente a idéia de um destino manifesto dos Estados Unidos, igual à dos israelitas com sua terra prometida. Que ela tenha sido deslocada do mítico Vale do Jordão para as luxuriantes planícies da América é apenas uma questão de geografia.
Cecil B. de Mille, como se sabe, era judeu. Seu objetivo, ao produzir e dirigir os Dez Mandamentos (duas vezes, aliás, já que ele já havia feito um filme com esse tema em 1923), foi, como ele diz na abertura, mostrar a diferença entre uma ditadura, como a do Faraó Ransés II, suportada pelo trabalho escravo, e a democracia, formada por um povo livre, que escolhe seus líderes e trabalha para si mesmo.Tudo muito americano. Tudo muito politicamente correto e revelador.
Tudo bem que a Israel bíblica nunca foi uma democracia, mas sim, uma ditadura teocrática governada por patriarcas e sacerdotes, que o faziam em nome de Deus. Mas essa é outra história. Arquétipo é arquétipo e o que importa é o que ele inspira. O filme continua sendo lindíssimo e é uma das maiores realizações da história do cinema. Quem ainda não viu veja. Vai babar.
[1] A Bíblia Não Tinha Razão é o título do livro publicado por Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman,
Editora Girafa, São Paulo, 2003. Nessa obra eles sugerem que a saga do êxodo foi criada pelos cronistas da corte do rei Josias, que “criaram” uma história de Israel, a partir de velhos mitos e lendas. A esse respeito veja-se a nossa resenha publicada no Recanto das Letras.
Editora Girafa, São Paulo, 2003. Nessa obra eles sugerem que a saga do êxodo foi criada pelos cronistas da corte do rei Josias, que “criaram” uma história de Israel, a partir de velhos mitos e lendas. A esse respeito veja-se a nossa resenha publicada no Recanto das Letras.
[2] Ahmed Osman- Moisés e Akhenaton- Madras, São Paulo, 2009