“Jogo do Poder” (Fair Game)

“Jogo do Poder” (Fair Game)







Ao perguntarem para o major Lawrence, quase um século atrás, do que ele mais gostava no deserto, sua resposta foi desconcertante.

Quando a menina iraquiana, que está sendo treinada por Naomi Watts, é fustigada por outros agentes para utilizar traquitanas de espionagem, ela argumenta que se for pega, estará frita. Os agentes contra-atacam: são 50 questões, você não tem como memorizar tudo. Nessa altura o espectador já sabe que a menina é médica. Ela retruca: o corpo humano tem 206 ossos, você quer que eu diga o nome deles em inglês, latim ou árabe?

Pouco depois ela indaga para Naomi: como você consegue mentir?

Resposta: deve-se saber o motivo de estar mentindo e nunca esquecer qual é a verdade.

De tempos em tempos Hollywood percebe a necessidade de lançar um filme real sobre espionagem.

Naomi Watts interpreta a sra. Valerie Plame Wilson, casada com Sean Penn, o embaixador Wilson, nesta trama com neurônios, não apenas porque o roteirista resolveu pensar, mas porque os Donos do Mundo pensam, do contrário não seriam donos.

Doug Liman dirigiu o “Identidade Bourne”, um filme que os ortodoxos descem a lenha e os sábios à espreita aconselham: então faça você.

“Identidade...” mostra justamente o devaneio da espionagem. Fair Game destrincha o arroz com feijão.

Sean e Naomi tem amigos e vão a jantares, demonstram educação e erudição para o externo e tentam manter uma relação de filhos pequenos, contas a pagar e desertos pela frente. Sean vai para África. Naomi ronda o Iraque.

O nível de informação exposto no enredo eleva, pelo menos por um par de horas, o intelecto dopado pelo bombom insosso apresentado pela mídia no dia a dia.

Baseado em 2 livros, “The Politics of Truth”, de Joseph Wilson e “Fair Game” de Valerie Plame Wilson, o filme abre mão de micro planos e caraminholas de roteiro, expondo sem maquiagem a quantidade de informações que uma central de inteligência lida e as mentiras que os interesses maiores providenciam.

A história que o casal Wilson viveu, entre 2001 e 2003, está no olho do furacão estadunidense e sua pretensa coleta de provas de que Saddan Hussein estava prestes a aterrorizar o mundo com armas de destruição em massa. Tatibitati.

No auge da Guerra Fria, tão logo um figurão russo passou para o lado de cá, ele ficou espantado com o que saía na mídia sobre o potencial soviético. E disse: isso é uma mentira. Estamos falidos e sucateados. A quem interessa mascarar nossa situação?
O mesmo se deu com o Iraque...

No momento em que o embaixador Wilson percebeu como o governo tratava da situação, ele tratou de escrever um artigo. Cinqüenta minutos de filme e ocorre a reviravolta. O “Casal 20” sai da passarela para ser perseguido pela Casa Branca. Naomi é despedida da CIA e Sean começa uma cruzada.

Doug Liman é um cineasta de planos fechados, o que incomoda um pouco os nascidos na era dos grandes planos, a verve de seu filme, porém, não dá margem para discórdias.

Sean vai bem na foto como portador de preocupações éticas e alguém que não se deixa intimidar pela macro engrenagem da Casa Branca. Seu personagem é um sujeito que está na estrada há tempos e por mérito, cujo discurso destila “a responsabilidade de um país não está nas mãos de uns poucos privilegiados. Estamos livres da tirania desde que cada um de nós cumpra seu dever como cidadão, seja denunciando buracos na rua ou mentiras no congresso”.

Também merece atenção a maturidade do casal e como eles vão enfrentando as camadas do ego doméstico, passo a passo, para o bem maior. Você pode dizer: isso é cinema, ou, isso é mentira, ou isso não existe. Atente, porém, mesmo que não exista, foi cogitado, e se foi cogitado, já se torna um passo em direção à. A lâmpada elétrica também foi cogitada.

O casal Wilson protagoniza uma boa história de luta e sobrevivência em meio a um mar de lama sendo que, se num ponto eles foram cúmplices ou acessórios, noutro passaram a risca de giz no chão e disseram: com isso eu não concordo.

Quando perguntaram para o major Lawrence, quase um século atrás, do que ele mais gostava no deserto, ele respondeu: gosto do deserto porque é limpo.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 19/07/2011
Reeditado em 27/09/2021
Código do texto: T3104721
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.