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Por Solange Pereira Pinto
A gigante Disney comprou os estúdios Pixar (antes eram parceiros) e lançou no meio deste ano “Carros” (Cars), um desenho animado com excelente trama (já em DVD). Embora se trate de uma comédia censura livre, a animação nos faz refletir sobre o tipo de vida que levamos.
O protagonista Relâmpago McQueen é um carro de corridas estreante, ambicioso e arrogante que se acha capaz de ser campeão sem uma equipe. Ele tem talento e mostra seu poder. Mas, em um campeonato (a “Copa Pistão”) McQueen empata com seus adversários principais Rei, o ídolo e Chicks, o traiçoeiro.
Uma disputa na Califórnia é marcada para o desempate. No entanto, Relâmpago, que queria ser o primeiro a chegar ao local, acaba se “perdendo” no caminho para Los Angeles. Nisso conhece a Rota 66, praticamente desativada e a cidadezinha Radiator Springs, na qual é levado ao tribunal e tem que cumprir pena alternativa.
A partir da visão peculiar dos grandes centros urbanos, aos quais está acostumado, Relâmpago é desafiado a olhar um ambiente que lhe parece pobre e medíocre. Um lugar pequeno demais para caber sua prepotência e auto-suficiência.
É nesta parte que o filme começa a nos dizer onde estamos, cada um, nessa temporada competitiva que se chama vida. Podemos, por intermédio das alegorias dos carros esportivos e suas poderosas corridas rumo ao sucesso, verificar qual é o pedaço de estrada que nos pertence e quais cones queremos evitar ou derrubar durante os percursos que escolhemos andar, ou melhor dizendo, correr.
“Carros” é um desenho sensível, com diálogos e cenas bem-articuladas, além de uma beleza plástica em se tratando de recursos de animação. É realmente muito bem-feito. Da escolha dos personagens às paisagens percebe-se que houve uma preocupação com forma e conteúdo. Algo fundamental para que uma obra se torne importante.
Embora eu não tenha a mínima idéia em termos de bilheteria e audiência, ou até mesmo conhecimento sobre a crítica, posso dizer que “Carros” deveria se tornar um livro, um clássico moderno das histórias infantis, assim como tivemos os contos de fadas transformados em filmes pela própria Disney. Mostra valores, sem ser moralista demais ou piegas em excesso.
É raro um filme ser melhor que um livro, mas por que não transformar uma boa película em uma história impressa?
Ao terminar de assistir me recolhi entre os pneus e fui avaliar como estão minhas ferrugens, meu volante, o óleo, o combustível, e a lataria que tem me levado por autopistas e por trilhas de terras incertas. Fiz um balanço das minhas rotas para ver se ando atropelando cones e quebrando meus pára-brisas e amortecedores. Olhei minha quilometragem para verificar se ando desistindo da poleposition ou me arriscando ao podium. Parei no velocímetro para sentir como está minha velocidade. Correndo demais? Desgastando o motor? Fazendo reposição de peças? Dei uma parada no box para olhar minha equipe.
De repente, vi que preciso de algumas reformas. McQueen me ensinou, aliás, seus amigos de Radiator Springs me mostraram alguns parafusos que preciso apertar e a limpeza que devo fazer no porta-malas. Quem sabe trocar os faróis para enxergar asfaltos com novas cores e dimensões. Ou até mesmo me reconhecer um carro que já foi possante e que agora prefere passear por campos. Talvez, tenha me aberto as portas para sair velhos passageiros da minha existência e dar lugar a novos motoristas.
Afinal, quem guia é que sabe para onde o carro vai, se ele fica, ou se se perde. Mas, que às vezes preciso de um caminhão Mack para me carregar, ah, isso é a pura verdade!