Mar adentro
Eutanásia é uma palavra de origem grega, podendo ser traduzida como "boa morte" ou "morte apropriada". É o procedimento que antecipa a morte de um doente incurável, para lhe evitar o prolongamento do sofrimento.
Pode parecer simples, afinal, um dia todos morrem, então por que um débil deve permanecer vegetando, em qualquer que seja o sentido, visto que cedo ou tarde a morte virá buscá-lo?
Mas é muito mais complexo, visto que algumas pessoas vêem a opção de morrer como um ato de covardia. Mar Adentro é um filme inteligente que trata do assunto sem rótulos, críticas ou julgamentos.
Ramón Sampedro (Javier Barden), nascido em uma pequena vila de pescadores na Galícia era um marinheiro, amante do mar e da liberdade que sofreu um acidente quando jovem e ficou tetraplégico. O percalço aconteceu 28 anos antes e desde então, ele desistiu de viver. Lúcido e extremamente inteligente, decidiu lutar na justiça por sua autonomia, pelo direito de decidir sobre sua própria existência, o que lhe causou problemas com a sociedade, a igreja e seus familiares.
O ocorrido não o transformou em um homem rancoroso nem tampouco num santo. Dono de um humor sarcástico e de rara sensibilidade, fazia das poesias que escrevia um refúgio. Sua única janela para o mundo era a janela do seu quarto, perto do mar o suficiente para sentir sua brisa e distante para poder vê-lo.
Quando seu desejo de morrer foi levado a tribunal e se tornou um caso conhecido nacional e mundialmente, conquistou amizades e passou a receber visitas inesperadas, como duas mulheres que entraram em sua vida: uma, advogada, que a princípio apoiava a sua luta e uma vizinha, que tentava convencê-lo de que viver valia a pena.
O filme retrata o caso sob diferentes ópticas, a de Ramón, com seu incansável desejo de dar cabo a seu tormento: “A vida é um direito, não uma obrigação!”, “Quem sou eu para julgar os que querem viver?”, a de seu pai e irmão que não compreendiam nem aceitavam sua decisão: “A única coisa pior do que a morte de um filho é o seu desejo por morrer...” e a daqueles que mesmo o amando, entendiam que esse era o seu verdadeiro desejo, sendo assim, que sua vontade fosse feita, como sua cunhada, que tudo fez por ele desde que se acidentou ou Manuela e Gene, amigas que a seu lado compartilharam seu tormento.
No decorrer da trama, uma verdadeira queda de braço acontece: de um lado o desejo de Ramón pela eutanásia ativa, também conhecida como suicídio assistido, do outro, uma parcela significativa da sociedade insistindo na distanásia, em uma morte lenta e sofrida, como a que ele nunca quis ter.
Sampedro podia ser incapaz de mover um dedo, mas, não se podia negar que suas faculdades mentais continuavam preservadas e sua lucidez, criatividade, ironia e sagacidade eram impressionantes. Ainda assim, sentia que não podia mais prescindir da ausência de seu corpo.
A película lida com a questão da dignidade humana, a vulnerabilidade e a ausência de autonomia. A narrativa evolui dando solidez ao personagem, entendendo suas motivações, compartilhando de sua dor e seus desejos.
São questões que nos fazem filosofar sobre algo que anteriormente não tínhamos notado e me parece ser realmente esse o intuito do roteiro e direção de Alejandro Amenábar, em duas horas de história que emocionam não apenas durante o filme, mas ficam conosco por um bom tempo...