O jardineiro fiel
Um jipe capotado às margens do lago Teirkana, na África, o vôo e o rumor de aves aquáticas, um assassinato se delineando...
O tempo retrocede, em Londres, Tessa constrange o palestrante Justin Quayle, perguntando sobre o apoio britânico à intervenção americana no Iraque.
Ela é uma mulher de ação, uma ativista irreverente, que batalha por seus pontos de vista. Ele, um homem discreto, um formal diplomata inglês, apaixonado por plantas; o jardineiro que dá nome ao filme e ao livro de John Lê Carré (The constant gardener).
É o início de uma atração entre opostos, que evolui para o casamento, passa pela perda de um filho e termina com a morte dela... Na verdade não termina, é exatamente ai que se inicia a transformação do pacato diplomata no “jardineiro fiel” em busca da verdade sobre a morte de sua esposa.
Recusa-se a crer na versão oficial de adultério, que a morte teria sido passional e o autor, seu suposto amante, Arnold Bhum, médico africano e companhia constante em suas andanças pela favela de Kibera.
Justin percebe que ela estava envolvida em algo muito maior do que ele podia imaginar e através das correspondências e dos documentos que Tessa deixou escondidos, descobre que ela e Arnold investigavam as atividades da indústria farmacêutica, que distribuía a título experimental o Dypraxa, medicamento para a tuberculose, à população pobre do Quênia, devastado pelo HIV.
O filme, uma produção inglesa que tem Ralph Fiennes e Rachel Weizs como protagonistas e Fernando Meireles na direção, é ao mesmo tempo um thriller, uma história de amor e um alerta sobre experimentos com seres humanos. Mostra empresas farmacêuticas usando pessoas miseráveis como cobaias, sem conhecimento ou recursos para a manutenção de suas próprias vidas.
Há muitas empresas que respeitam a dignidade humana em seus experimentos / pesquisas, até mesmo beneficiando muitas pessoas em sua atuação, entretanto, questionamentos devem ser feitos: “Ao acreditarmos na história do filme não estaríamos simplesmente dando crédito a histórias conspiratórias fantasiosas?” Por outro lado, “acreditar na palavra dessas indústrias e em suas condutas exemplares não seria inocência demais?”
Foi necessário que o filme trouxesse à tona esses questionamentos para refletirmos sobre a ética nas pesquisas em saúde, a necessidade do termo de consentimento esclarecido, a vulnerabilidade das populações carentes, a sobrevivência abaixo da linha de pobreza, bem como a ausência de autonomia sobre a própria existência.
Justin, que pouco sabia sobre a mulher, passa a conhecê-la e amá-la ainda mais ao descobrir que foi morta tentando denunciar um esquema de corrupção entre a indústria farmacêutica e os governos do Quênia e da Inglaterra, que propiciava a realização de testes ilegais com medicamentos.
Filmes comerciais dificilmente nos fazem “pensar”, normalmente, a maioria deles visa apenas o entretenimento, não é o caso de Jardineiro Fiel, que traz à baila um assunto extremamente polemico e atual, com fotografia exemplar, direção primorosa e trilha sonora envolvente.
Recomendo! É um filme para ser visto e “digerido”. Leva-nos a reflexão com a certeza de que nem tempo nem dinheiro foram pedidos ao vê-lo.