“Operação França” (The French Connection)

“Operação França” (The French Connection)








 

Me parece, colega, que basta um filme. Apenas um, para ficar infectado com o vírus do cinema maiúsculo. Você vai indo, na sua toada, vendo vampiros e o Wolverine, bocejando às vezes, às vezes uma chamada falsa o desperta, tipo “Inverno da Alma”, essa aberração esquizofrênica com xis indicações ao Oscar, onde o tio da menina anda com um saco cheio de cocaína como se fosse polvilho e ela ainda por cima tem de serrar as mãos do pai para evitar a ordem de despejo, escatologia colega, é isso aí, no presente quem manda nos estúdios são os conglomerados e para eles, quanto mais a sua consciência for comprimida, melhores serão os lucros projetados. Às vezes você sibila: ai, ai, até o dia em que, por obra e graça de uma força que visa melhorar a sua compreensão das coisas, algo do tipo The French Connection cai no seu colo. A partir de então sua vida nunca mais será a mesma. Depois de um tempo e de outros espécimes vindos da mesma multi placenta atemporal você vai concluir que 90 por cento das minas e minos circulando nas telas do presente são até que pessoas legais, mas há algo de errado com eles. É como se, pensando um pouco, não fossem reais. No entanto, o “Popeye” Gene Hackman correndo pelo Brooklin nova-iorquino, ora não se preocupe, com o tempo passa-se a uma percepção incrementada.

 

William Friedkin trouxe ao (primeiro) mundo, em 1971, essa jóia policial que tirou meio mundo dos assentos e os brasileiros maiores e vacinados de então, só puderam ver a obra no mesmo ano se estivessem em NY lavando pratos ou de férias em Paris, valendo a verdade dos inversos.

 

Para eles, e não só para eles, foi como se abrissem as cortinas.

 

Gene Hackman e Roy Scheider são respectivamente os detetives Jimmy 'Popeye' Doyle e Buddy Russo, inspirados em duas figuras verídicas em meio a uma trama igualmente verídica, só que ocorrida uns anos antes e colocada no papel pelo escritor Robin Moore. The French fez bonito no Oscar de 1972.

 

De oito indicações faturou 5 estátuas, a saber: melhor filme, diretor, ator, montagem e roteiro adaptado.

 

Popeye” Hackman faz gato e sapato do personagem racista FDP entrando e saindo de botequins miseráveis e efetuando prisões e apreensões de ingredientes psicoativos da população. Se você vive num pardieiro, sem um tostão furado, rodeado de asfalto e concreto e ainda por cima com um trem estalando na sua cabeça, só mesmo chapando o coco para suportar as letras garrafais da realidade em suas vísceras. Nada de novo entre 71 e 2011.

 

A NY de Friedkin tem o charme de um terreno baldio, porém a cena da boate, quando a dupla da divisão de narcóticos resolve tomar uma saideira depois de um dia estressante é antológica. Quem está lá, cantando ao vivo para dissidentes de todos os períodos são as carismáticas integrantes do The Three Degrees. Música: Everybody Gets To Go To The Moon.

 

As meninas, literalmente, botam pra quebrar.

 

Eugene Allen Hackman nasceu em 30 de janeiro de 1930 e o personagem dele, naquele noite, deu a luz uma pequena idéia que poderia ser descrita como um misto de lógica e intuição. Alguns metros adiante Tony Lo Bianco, numa mesa repleta, brinda efusivamente e Hackman pensa: conheço esse sujeito, ele não tem dinheiro para tanto.

 

Boa parte da primeira metade do filme está centrada nessa intuição, Hackman e Scheider passam a noite na observação, amanhecem seguindo de longe, Lo Bianco troca de roupa e de carro, tem inicio uma ação policial sem brucutus e escudos, tudo na mais pura malandragem que ainda hoje, dizem, é usada para desbaratar meliantes.



Friedkin fez um trabalho vigoroso e recheado com poucos pontos de apoio, os bandidos de além mar (Marselha) Fernando Rey e Henri Devereaux abrem mão de monossílabos e tatuagens, ainda soa moderno aquele leilão de carros nos arrabaldes da metrópole, ainda soa doído os policiais no frio espiando a refeição dos estrangeiros e, para finalizar, cinéfilos especializados atestam que a perseguição final rompeu com os clichês do gênero, fazendo com que todas as cenas do conjunto parecessem verossímeis.

 

“Politicamente correto” é uma chancela desconhecida para a arte engajada desses idos, pelo simples fato de que no dia a dia as coisas se apresentavam com muito mais retidão do que o barraco escancarado da atualidade. The French não perde tempo com eufemismos e passa ao largo da escola que tampa o sol com a peneira eletrônica. Ele parte da velha filosofia que ditava, dependendo do enredo, não existir fantasia maior que o retrato nu e cru do ser humano.

 

 

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 29/06/2011
Reeditado em 21/10/2021
Código do texto: T3064944
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