Brilho eterno de uma mente sem lembranças.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças.
Acabo de ver “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” e como não poderia deixar de ser, manipulei o filme ao meu favor, ou contra mim. No primeiro vacilo de Joel previ que nada daria certo, exatamente porque daria certo.
É então a vida um roteiro de destinos prévios e caminhos prontos? Creio que seja. E a ideia é confortável para confortar as mentes perturbadas pelo peso de uma escolha e possibilitar o analgésico para os corações partidos, ainda que o coração seja a última coisa que importa quando uma lembrança precisa ser apagada. Simplesmente se repetiria toda forma de encontro até que o destino estivesse novamente ali, pronto e já narrável, como cada vez que apertamos o “play” do controle remoto e veremos exatamente as mesmas coisas, porém enxergando coisas completamente diferentes.
Clementine simboliza uma possiblidade vivaz, e sempre seria isso, em todas as vezes que recomeçassem, pois a maneira que veremos o filme não depende do play a diante, mas do play para trás. É claro que existe a possibilidade de mudança simultânea à vida acontecendo, na verdade é só por isso que, a meu ver, continuamos vivos e nos relacionando. Afinal, o destino já não reside no futuro, ele está no passado.
Encantou-me a verossimilhança do apagamento total das lembranças de alguém, de alguém. A possiblidade imaginada de que acontecesse comigo me fez automaticamente encontrar cada lembrança que eu deveria apagar e pensar em todos os objetos que deveria entregar, e a ideia de olhar meu passado sem todas essas lembranças me assusta, pois o passado é o que temos de garantido. E no caso de Joel e Clementine, como no meu, não se trata de recuperar o tempo, mas de deixar de perdê-lo, por isso o futuro sem tais lembranças seria bom.
Nem todos conseguem lidar tão bem com o momentâneo como Clementine. Reflito que a dificuldade de escolher o melhor caminho reside na dificuldade de afastarmo-nos de nós mesmos, daí que cada uma dessas escolhas, altamente comprometidas pela composição do momento, resultam em arrependimento. E o arrependimento é um dos frutos do distanciamento: como Joel, que se afastou de si mesmo e pode ver-se, pode completar-se e ser capaz de decidir sobre si mesmo, mas o arrependimento é uma consequência, nunca o ponto inicial, ainda que gere novos fatos. Quando lembramos, não somos os mesmos e podemos refletir mais que sentir.
De tudo fica a dúvida sobre o que fazer com o presente, já que as lembranças não serão apagadas jamais, a mente jamais será a mesma e o coração nunca mais deixará de ser partido e todo o futuro está comprometido pelo destino que já aconteceu. Certamente, nenhuma mente poderia ser tão brilhante como a mente sem lembranças.