“Uma Linda Mulher” (Pretty Woman)

“Uma Linda Mulher” (Pretty Woman)

 

 

Te digo, muito secretamente, quase ao pé do ouvido, que nesses idos (1990), Julia tinha um corpinho que, oras, cada um que julgue por si.

 

Vinte e um anos se passaram. Por conta desse número atingimos a maioridade e, em conseqüência, ou bem nada mais nos espanta ou antes quase tudo trafega entre o enfadonho e o mau gosto.

 

Gere, absolutamente cabível no papel do liquidador de empresas que não bebe, não fuma, não usa drogas, não dorme e sente um visível desconforto, não por questões morais, mas antes talvez pela falta de prática em se relacionar com garotas de taxímetro, nessa noite salva Julia de seu pardieiro e da inglória rotina de ligar o taxímetro a cada hora para manter uma vida de nenhuma glória.

 

Garry Marshall dirige. Pode consultar o irmão Google para checar o CV de Garry. Pesquisar nunca é demais. Ou como dirão em 2.111, “Pesquisar qua sera tamen”. Em duas palavras pode-se denominar Marshall como um veterano da astúcia que, para nosso alento, juntou suas habilidades ao texto malandro-orgânico do sr. J.F. Lawton.

 

Vinte e um anos decorridos precisamos nos entreter e de preferência sem os zilhões de microplanos e o nada glamuroso sistema de cortes da Geração Z, essa praga de comunicação irrequieta como uma corrente de 220 e que se manifesta em tudo que é obra áudio visual.

 

Pretty Woman dispensa qualquer discussão filosófica exceto a de que se qualquer um, inclusos aí camundongos, cavalos, ogros e etc. é digno de um conto de fada, por que não uma puta?

 

O interessante desse conto não está somente no fato de Julia ter sido retirada de um antro onde as concorrentes são achadas sem vida na lata do lixo, para passar 6 dias e 6 noites numa cobertura de hotel chiquérrima em Beverlly Hills, pela bagatela de 3.000 dólares. O conto impera no fato de que a proposta é limpa. Ou seja, Richard Gere não está disfarçando dentro de si um Dr. Jekyll and Mr. Hyde para mutilar sua presa no decurso da semana.

 

Pouco depois da proposta ela faz a singela confissão: eu teria aceito 2.000. Ele retruca: eu teria pago 4.

 

J.F. Lawton retirou todo o limbo concernente a essência da personagem, que nem o peixeiro limpa o peixe, tirando espinhas, vísceras, e nos entregou a posta limpinha. Dentre as indicações de praxe Julia Roberts levou o Globo de Ouro 1991 na categoria de Melhor Atriz.

 

Marshall dirige como manda(va) a velha escola: desnecessário inventar muito. Basta que a nota soe agradável.

 

Cinema hoje tem dado mostras, seja por conta de contratos na gaveta, contas a pagar ou absoluta falta de percebimento dos realizadores, de que quando se estica a carreira o caldo desanda. Não deveria ser assim, mas assim os fatos tem se mostrado. Oliver Stone, praticamente um papa na área, pecou horripilantemente contra a Sétima Arte no seu novo “Wall Street”, um trabalho que fez os galos cantarem de dor em todos os rincões do planeta. Numa analogia irresistível, seria o mesmo que Tom Jobim, se entre nós estivesse, começasse a compor coisas como Na Boquinha da Garrafa ou similares.

 

Jason Alexander contracena com Gere, na pele de seu advogado. Refrescando memórias, Jason é o melhor amigo do Seinfeld e enquanto na série genial ele faz o divertido infame inócuo, aqui ele enseja somente o infame e joga na cara de Julia o que ela representa. A auto-estima de uma profissional dessa área jamais será devidamente avaliada, o conto de fadas mostra seus espinhos, ela se sente humilhada e explica para Gere, noutro momento, que ser prostituta não estava nos seus sonhos de infância, ocorre que as coisas foram acontecendo e a subsistência precisava ser custeada.

 

Detalhe para os curiosos – o solo de piano de Gere foi escrito e executado por ele mesmo. Esse solo precede a cena em que eles (Gere e Julia) fazem aquilo em cima do piano. Você sabe, é necessário ter um piano para fazer esse tipo de coisa.

 

Tirando os poucos espinhos as fadas não poupam ninguém em Pretty Woman.

 

Através de falas inverossímeis, Gere deixa de ser um predador do big business para se tornar quase um filantropo. A melhor amiga de Julia, adepta convicta da bolsinha giratória pretende se tornar cabeleireira, e a própria protagonista declina da proposta de ser tornar uma teúda-manteúda para proclamar que: ou um príncipe num cavalo branco ou nada feito.

 

Hector Elizondo no papel perfeito do gerente cool, comenta com displicência para o milionário, quando na hora da partida este deixa um colar de rubis no balcão: deve ser triste abrir mão de tanta beleza. A obviedade do duplo sentido desta fala liquida o impasse.

 

Estamos num tipo de obra talhada para esse tipo de desfecho.

 

Encerra com um transeunte cantarolando na calçada: isto é Hollywood, um lugar para sonhar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 24/01/2011
Reeditado em 27/02/2022
Código do texto: T2749549
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