“Wall Street” (Wall Street)

“Wall Street” (Wall Street)

 

 

 

O hiperbólico “Wall Street”.

 

A história nos conta que, quando a América era regida pelos índios, e colonos franceses e ingleses se digladiavam por um palmo de terra, mandaram erguer um muro colossal naquela parte do rio, o Hudson, que banhava a futura Nova Iorque, à espera de um ataque iminente. O ataque nunca aconteceu.

 

Mera questão de tempo.

 

Oliver Stone diz que esse filme, antes de qualquer coisa, é uma homenagem à seu pai, um corretor que não foi nem Buddy Fox(Charlie Sheen), nem Gordon Gekko (Michael Douglas), mas que levava religiosamente o filho ao cinema e reclamava: por que não fazem filmes corretos sobre homens de negócios? Tudo o que vemos são personagens caricatos.

 

Oliver conta que lá pelos idos de 1981/82, durante as filmagens de “Scarface”, conheceu pessoalmente a turma do tráfico em Miami. Poucos anos depois, em NY, por conta de “Wall Street”, ele chegou à conclusão de que a rapaziada de Miami era idêntica à de NY. A única diferença estava na mercadoria – os primeiros brincavam de pó branco, os segundos de notas verdes.

 

Daí, a exemplo, a inserção de Hal Holbrook no elenco, como um dos tenentes da corretora onde Sheen trabalha. Holbrook personifica a lisura e o fio do bigode duelando com a navalha afiada da rapaziada. Considerando greed is good – (ganância é bom), um dos motes do filme, sendo Wall Street considerada o epicentro mundial da ganância, rótulo esse residente nas primeiras páginas e não na boca miúda, a balança deve ser muitíssimo bem equilibrada. Após as filmagens Holbrook revelou a intensidade do trabalho de pesquisa, baseado sobretudo na observação do dia a dia de um corretor, e diz ter ficado estarrecido face ao dinamismo com que eles operam.

 

Michael Douglas faturou o Oscar pelo implacável/sedutor Gordon Gekko e atribui parte do sucesso do personagem ao ilustre desconhecido Allan Flusser, o alfaiate mais que habilitado a cortar um terno.

 

Lançado em 1987 retratando o ano de 1985, (data do falecimento de Louis Stone), Oliver deixou para a posteridade (já estamos na posteridade), um senhor documento sobre os mecanismos de um nicho onde a maioria dos negócios era feita sem ser por escrito e a maior garantia estava na sua palavra, ou na sua reputação, ou em ambas. Algo difícil de construir e fácil de perder.

 

Entrevistados de várias áreas e cargos no âmbito dos papéis cambiáveis atestam a veracidade que Oliver conferiu tanto ao pregão quanto aos escritórios de corretagem.

 

“Estou cansado de ver filmes sobre Wall Street repletos de imprecisões”, diz um deles, “acontece que no filme de Stone não há um erro sequer, está tudo lá, tudo como deve ser”.

 

Charlie Sheen, na cena em que ele ajeita o visual no espelho, minutos antes de seu primeiro encontro com o mega Gekko e fala para si mesmo: “esse é um daqueles momentos capazes de transformar toda uma vida”. Sheen diz que até hoje essas palavras ecoam em sua mente.

 

Para os incautos, um resumo desse trabalho cinematográfico poderia assim ser exposto: jovem corretor da bolsa (Charlie Sheen), sem um tostão furado e fadado a catar migalhas por toda a vida, etecétera, num golpe de sorte consegue penetrar na esfera de um mega investidor (Michael Douglas), e uma vez lá inserido fatura alto e conhece uma bela mulher (Daryl Hannah), até o dia em que descobre, etecétera...

 

O roteirista Stanley Weiser verifica que Douglas dá um tremendo carisma e magnetismo ao personagem Gekko (nome de um lagarto), mas comenta ter achado assustador as pessoas o olharem como um modelo a ser seguido. Qual o que... “Wall...” lançou para o grande ocidente o modismo de “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, justo quando corretores de verdade, em 1987, ostentavam o seguinte emblema: “eat what you kill” (coma o que você matar).

 

Quando Sheen entra no suntuoso escritório de Gekko, este vocifera sobre um terceiro, ao telefone:

 

- Fulano é um incompetente. Se ele tivesse uma funerária, ninguém morreria.

 

Stone diz que o diálogo de sua preferência é aquele travado entre Terence Stamp fazendo às vezes do triliardário fleumático contra o pirata norte americano, mas há outro de excelente monta, quando Douglas diz para o pupilo:

 

“A coisa não se resume em apenas ganhar dinheiro. O jogo sim, o jogo é mais importante. Dinheiro é apenas uma percepção que muda de mãos”.

 

Quando se comenta, hoje, que a escassez de roteiristas, ou de bons roteiros, está intimamente ligada à cultura dos propensos escrevinhadores de cinema, isso beira uma verdade quase absoluta pois ontem (25 anos atrás), roteiristas liam livros inteiros e hoje, quando muito, lêem sinopses no Google.

 

Tirando as jogadas um tanto ingênuas, embora pertinentes devido à época, e particularmente ocorridas no último quartel do filme - vide o embate entre o outro guardião da lisura - Martin Sheen com seu filho “fictício” Bud Fox, e demais querelas pouco cabíveis na insanidade atual, “Wall...” tem o fluído vital em cada milímetro e via de regra pode-se dizer que isso é tudo o que importa, ou, se preferir, detém o inequívoco selo de A Magia do Cinema.

 

 

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 20/01/2011
Reeditado em 27/02/2022
Código do texto: T2740737
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