“A Origem” (Inception)
“A Origem” (Inception)
Ai, ai, o Fator Hollywoodiano (e a falta que ele faz), suspiros...
Palavra que, se me dessem um emprego de tradutor de títulos de películas, ao invés deste teríamos “A Profecia de Adorno”.
Recentemente, em bate papo informal na TV, Tom Cavalcanti contou a seguinte anedota:
Lula está em Londres com a Rainha e esta indaga: Lula, quem é que é filho da sua mãe e do seu pai e que não é seu irmão? Ele não sabe a resposta. Então ela chama Tony Blair e pergunta: Tony, quem é que é filho da sua mãe e do seu pai e que não é seu irmão?Tony responde: sou eu, majestade. Lula volta para o Brasil e faz a mesma pergunta para Dilma, que não sabe a resposta e diz que vai ligar para Fernando Henrique. Ela liga e pergunta: Fernando, quem é que é filho da sua mãe e do seu pai e que não é seu irmão? Fernando responde: sou eu mesmo. Ela volta para Lula e diz: é o Fernando Henrique. Lula retruca: não, é o Tony Blair.
Pode somar essa piada com a pretensão do Fator Hollywood (aqui só funciona até a página dois), mais uns condimentos pós-freudianos e voilá, “A Origem” fará por você o que dizia o famoso pôster estrangeiro: “Obrigado televisão, por me fazer esquecer os últimos 8 minutos”. Ocorre que, com o Fator H., você esquece as duas horas inteiras ao passo que na presente a-berração tudo funciona até a página dois.
Di Caprio Leonardo você já conhece, saiu da puberdade em “Os Infiltrados”, mandou bem no “Rede de Mentiras”, não fez feio no penúltimo filme do Sam Mendes “Foi apenas um sonho”, idem para “Ilha do Medo” e aqui, bom, já dissemos, até a página dois...
Com roteiro e direção de Christopher Nolan, fiquemos na única exclamação possível: viva a liberdade de expressão, mesmo que à custa de outros filmes (“2001”, e o próprio “Ilha do Medo”), pra começo de conversa.
Decorridos 27 minutos de correria aceitável de um sonho, dentro de um sonho, que também não passa de um sonho, com pessoas dormindo conectadas a plugues (ops, já vimos isso) a atenção do futuro decano é captada com a afirmação de Di Caprio para a jovem arquiteta Ariadne:
- Você já reparou que a gente nunca lembra do começo de um sonho? Geralmente ou estamos no meio, ou no fim...
O Fator Hollywood é um negócio viciante, detentor dos seguintes parâmetros muito bem traçados: troço bem filmado, com pessoas se levando muito à sério dentro do non sense proposto, há um eixo com sentido, em geral duas estrelas brilham, a dinâmica, mesmo sem sentido, obedece ao eixo e, de fio a pavio, a coisa flui num estalar de dedos sendo que, num dia de sorte, você ganha duas ou três reflexões de brinde.
Quando termina a página dois de “A origem”, seu subconsciente se ajoelha, junto com o Id e o It, e passa a suplicar por “Minority Report” (ou por quase todo o trabalho de Spielberg), “Dejá Vu” (e por muita coisa produzida pelo Jerry Brukheimer, “60 segundos” incluso), isso porque a prolixidade da presente obra é capaz de enfartar uma Pulsatrix perspicillata (coruja-do-mato).
A trama versa sobre as vilanias do mundo corporate, sempre a apropriação indébita, desta feita através do plano sutil, Di Caprio é o que se espera de um agente à soldo do Big Business se infiltrando em mentes alheias. Ainda estamos na página um e meio. Eles constroem sonhos, os sonhos tem camadas, eles (Di Caprio e sua equipe) tem por objetivo analisar o subconsciente da vítima para ali inserir uma idéia, a fim de que a vítima julgue ser de sua autoria o brilhante pensamento e não uma sugestão oriunda do externo.
Enquanto a obra de Shakespeare efetivou um compêndio de personagens que fazem isso se utilizando de duas palavrinhas, um olhar certeiro e um momento oportuno, Christopher Nolan arquitetou um minhocário claudicante com tiros, perseguições, tiros, perseguições, tiros, perseguições, ad eternum.
Se o cinema da computação gráfica despreza o tutano dos poetas, até aí tudo bem, somos frutos disso mesmo e o gênero proposto pode e deve se atrever pelo caminho que quiser. A questão é que Nolan tinha um argumento e não soube o que fazer com ele.
Tony Gilroy, o papa da denúncia corporate, elaborou com brilhante construção o lance de sugerir algo a um terceiro e com isso faturar um troco, vide “Duplicidade”, um filme aparentemente complicado, mas honesto.
Nolan passou uma ostra de água doce para o público e o Conglomerado do Elogio taxou de obra prima, com o mesmo propósito de Di Caprio e sua gangue - implantar um conceito visando lucro.
Nosso amice Adorno profetizou, em 1947, que a cultura penderia inexoravelmente para o lado da indústria. Que seja. O mundo mudou deveras e a indústria até que andou nos trilhos. Esperemos que “A Origem” não seja amostra de um descarrilamento completo.