VINHAS DA IRA

Sinopse:
Vinhas da Ira é um clássico do cinema, filmado nos anos quarenta (1940), mas ainda tão atual quanto Tropa de Elite ou Eu sou a Lenda. Baseado na obra homônima de John Steinbeck, ele conta a história de uma família de trabalhadores rurais, que expulsa de suas terras por conta da Grande Depressão dos anos trinta, deixa a zona rural do estado de Oklahoma para procurar melhores oportunidades na verde e florescente Califórnia. O filme é estrelado por Henry Fonda (jovem) em sua talvez melhor apresentação. Ele é Tom Joad, um ex presidiário que sai da prisão e vai com sua família para a Califórnia em busca de uma vida melhor. Atravessando metade do país numa desconjuntada caminhonete, ele vê morrer seus avós e seu melhor amigo. Enquanto luta pela sobrevivência, ele e sua família vão sofrendo, junto com o povo, as agruras que a Depressão econômica provocou e vivem também as injustiças que um perverso sistema econômico e social acarretam para os mais desfavorecidos. Dirigido por John Ford, um dos maiores diretores de todos os tempos, Vinhas da Ira é um filme que retrata uma realidade vivida nos anos trinta, mas que ainda não foi superada na maior parte do mundo. É um filme imperdível, assim como o livro, que é uma leitura obrigatória para quem gosta da boa e verdadeira literatura. 

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Vi esse filme quando ainda era criança e uma das coisas que me lembro foi que chorei de raiva dos fazendeiros e dos policiais que judiavam tanto dos pobres ohkies que deixavam suas esturricadas terras no Oklahoma para tentar sobreviver na ensolarada Califórnia. Evoquei imagens da minha infância, quando em condições não muito diferentes da família Joad, minha família também deixou o interior de São Paulo para vir tentar a sorte na cidade grande. Claro que a nossa história foi diferente. Não levamos porretadas da polícia nem precisamos trabalhar como escravos. Mas moramos em barracos tão pobres e insalubres quanto aqueles que a família Joad habitou. Trabalhamos por míseros trocados que mal davam para a comida do dia. E sofremos outro tanto de preconceitos e injustiças sociais também. Estávamos no Brasil dos anos cinquenta e afinal de contas aquele não era um ambiente muito diferente.
São Paulo sempre foi uma espécie de Califórnia brasileira para onde todos os descamisados do resto do país vem em busca de uma melhor sorte na vida. Ainda hoje é assim e qualquer semelhança entre o que vemos hoje e o ambiente de Vinhas da Ira não terá sido mera coincidência.
Vinhas da Ira me faz lembrar também de outra realidade. A dos nordestinos brasileiros. Toda vez que passo pela Estação Rodoviária do Tietê eu me lembro da família Joad. Eles estão em busca do El Dorado paulistano. Pobres diabos. Quantas injustiças sofrerão, quantas porradas levarão, quantas valetas cavarão para ganhar a meia ração de cada dia?
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John Steinbeck, o autor da obra, foi taxado de comunista e perseguido, juntamente com outros intelectuais(inclusive Charles Chaplin), em razão das críticas que fazia ao sistema capitalista. Essas críticas são bem claras em Vinhas da Ira. A família Joad, como milhares de outras, não conseguem pagar suas hipotecas aos bancos de onde pegaram dinheiro para financiar suas roças. Por isso são expulsas da terra. Quando a economia está em ascensão os capitalistas se apropriam do lucro; quando a economia está em depressão eles socializam as perdas. Uma das melhores cenas do filme mostra esse pressuposto fundamental do capitalismo. O representante do banco aparece na porta do barraco do okhie com uma ordem de despejo. O sitiante fica fulo de raiva e pega a espingarda. “ Quem é que eu devo matar por isso?”, pergunta ele. “O banco” responde o representante. Mas como é que se mata um banco? Como é que se luta contra um sistema sem alma cujo único espirito é o lucro e para quem pessoas são apenas unidades de produção?
O próprio título do filme já evoca uma imensa simbologia: As vinhas da ira são o ódio e a revolta que crescem no espírito das pessoas alijadas do resultado do processo produtivo. Embora gastem a maior da vida na execução desse processo, na hora da distribuição dos frutos eles percebem que eles vão parar na mãos de uma minoria. No caso, as vinhas representam o verde da Califórnia, onde há uma grande produção de frutas, cujos fazendeiros se aproveitam da situação miserável dos retirantes para fazê-los trabalhar como escravos. A ira é o sentimento de frustração e dor que os retirantes sentem em relação à falsa promessa dessa moderna Canaã, para onde foram atraídos por uma enganosa promessa de prosperidade e fartura. E ali, naquela injusta e perigosa Terra Prometida, só encontraram a exploração do homem e a injustiça social que trás no seu bojo a violência moral e física.

Vinhas da Ira mostra como ocorre o processo de proletarização dos trabalhadores e a perpetuação da pobreza e da ignorância nos lugares onde a educação não chega e os governantes nada fazem para mudar esse panorama.( Ou tudo fazem para conservá-lo). Essa situação ocorreu nos Estados Unidos durante a Grande Depressão e continua ocorrendo na maior parte do mundo ainda hoje. O interior do Brasil, com suas lutas pela terra, os conflitos envolvendo trabalhadores sem terra e grandes fazendeiros é um retrato bem claro dessa situação. Por isso Vinhas da Ira ainda é um filme e um livro atualíssimos que merecem ser visto e lido.
Não fosse pela qualidade de ambos(o filme ganhou dois Oscars e o livro um Prêmio Nobel), Vinhas da Ira é de uma obra fantástica que transmite uma inspiradora filosofia, escrita em um estilo que beira a melhor poesia. São excelentes as tiradas filosóficas do falso pastor Casey(John Carradine) que se torna uma espécie de guru revolucionário. E que fantástica personagem é a matriarca da família Joad, que embora em meio a situações humilhantes e francamente desesperadoras (morte dos pais, miséria, o filho procurado por assassinato, a filha gestante abandonada pelo marido) ainda consegue mostrar uma grande dignidade e transmitir uma imorredoura esperança aos membros da família combalida e desesperada. Suas frases finais são um discurso de infinita beleza lírica que transmite esperança e força: "A gente rica vem e morre. E seus filhos são fracos. Também acabam morrendo. Mas nós continuamos. Nós continuamos vivendo. Eles não podem nos vencer. Continuaremos para sempre, porque nós somos o povo". Se lembrarmos bem, Jesus também disse algo parecido. “Aos pobres(o povo) sempre os tereis convosco”. Como se vê esse é um tema atemporal.


VINHAS DA IRA


João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 25/11/2010
Reeditado em 25/11/2010
Código do texto: T2636752
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