“O Amor Acontece” (Love Happens)

“O Amor Acontece” (Love Happens)

O público madurinho - e subitamente farto há uns 5 anos de se entreter com os signos da nova juventude: caras pálidas com caninos, rebeldes em baladas, baladas de rebeldes, new youppies sem norte, etecétera - vai se ligar, pois “O Amor...”, por debaixo do aspecto comercial, sopra ventos com intenções.

Jennifer Aniston, e sabe o que as meninas falam dela? Que ela tem um colorido bonito, por isso assistem qualquer coisa que ela faça. Meninas...

Jennifer, desde a sua encarnação em “Friends” tem dado seus saltos, nenhum deles em cheio, mas o sucesso é a soma das pequenas vicissitudes, dá pra dizer que a presente obra apresenta o melhor de Jennifer.

Aaron Eckhart, um cara que você já conhece secundariamente de outras películas, cerca de 25, joga no enredo um lance que definitivamente os madurinhos vão entender.

Aaron é um viúvo que transformou a própria dor em livro e workshops, e segue pela pátria ensinando os que perderam alguém a lidar com o espaço que ficou vago.

Numa de suas palestras, ele narra a história verídica de um técnico de futebol que, para não encarar a perda, mudou-se para o escritório e se afundou no trabalho de tal forma que conquistou o campeonato. Findo o certame ele volta pra casa e mete uma bala na cabeça, pois pareceu-lhe um caminho mais fácil do que confrontar suas próprias emoções.

Dirigido por Brandon Camp, pode-se dizer de passagem que ele fez tudo direitinho e aparentemente não está contaminado pela Síndrome dos Modernos Cineastas, que eliminaram todos os planos menos o close. Brandon começou no início dos 90 como assistente de direção em "A Família Addams”, escreveu “O Mistério da Libélula” e entre um e outro produziu e contracenou tais e quais. Trocando nos miúdos, currículo conta pontos na arte em movimento. Qualquer uma delas.

O amor acontece em Seattle, local onde Aaron perdeu sua esposa e Jennifer é uma nativa fazendo a auto suficiente e espirituosa dona de floricultura. O encontro dos dois, seus passos a partir daí, desde as primeiras palavras (Jennifer se finge de muda), até os pequenos encontros onde eles não passam de dois amigos trocando figurinhas mostram que particularmente, num filme onde se espera não encontrar nada, encontra-se mais que o esperado.

Aaron pregou uma mentira em meio mundo, pois ele atesta para outros uma solução que não conseguiu aplicar em si mesmo.

Seu personagem tem vacilos e fobias, o roteiro evita muito bem o estereótipo do bem sucedido em favor de um sujeito que sofreu um infortúnio, escreveu a respeito, e da noite para o dia tornou-se um sucesso. Mas não se sente confortável nessa posição.

Jennifer anda numa perua Ford que lembra uma Kombi, escreve palavras difíceis em esconderijos e coleciona cópias dos cartões memoráveis, expressos em sua floricultura. O “Apocalypse Now” Martin Sheen faz uma ponta como o pai da defunta, e diz para o genro que ele está fazendo uma limonada sem limões.

Tudo é ligeiro em “Love...”, o poder de síntese dos gringos, quando quer funcionar, funciona que é uma beleza, o andamento do workshop dado pelo viúvo estabelece-se como um dos alicerces da trama, que ainda curiosamente ressuscita o antigo sinal de OK dos americanos, um gesto de polegar e indicador que no Brasil já teve outros significados, nenhum deles relativos ao OK.

Aaron, bisbilhotando os cartões da floricultura, se espanta com a coleção:

“Julie, nunca nos conhecemos, mas a observei com ternura todos esses anos. Parabéns e tenha um casamento lindo. Com amor, seu pai”.

Ou:

“Stacy, essas devem durar duas semanas. Voltarei a tempo de vê-las florescer”. De um fuzileiro em serviço que não voltou.

Ou:

“Querida esposa, feliz 50 anos de casamento. Desculpe as marcas da noite passada e obrigado pelo visual”.

A vida num 3x5, comenta Jennifer, que em outra ocasião dirá para o viúvo: o que vou te dizer agora será com bastante humildade. Sei muito bem que minha vida não passa de uma experiência diária onde os erros predominam sobre os acertos. Mas, você está realmente atrapalhado. Você precisa deixar alguém fazer por você o mesmo que está tentando fazer pelos outros.

Eckhart recebeu indicação ao Golden Globe Award para Melhor Ator pela sua atuação no filme "Obrigado por Fumar" (2006). Não foi sua única indicação e nem este o único trabalho pelo qual foi indicado. Aqui ele faz com precisão o sujeito na corda bamba, de um lado estende a mão, de outro precisa de duas.

“Love...” é mais uma prova de que a fusão de gente habilidosa, com vontade de realizar alguma coisa além da pasmaceira, consegue seu intento. Inda que seja na mesma medida dos cartões da floricultura.

Nos finalmente dos finalmente, nosso brother o roteirista fornece um lembrete vital, porque afinal sabemos tudo, desde o princípio, ocorre apenas que nos esquecemos:

“Quando uma coisa termina, outra começa”.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 19/11/2010
Reeditado em 11/09/2012
Código do texto: T2624870
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