Anticristo (Antichrist)
Você já viu? Demorei muito tempo pra ver. Valeu a pena. Assisti despretensiosamente, com um olhar cheio de espectativas, um "ah, olha só, esse ainda não vi, e já falaram tão bem". E por que as espectativas me surpreenderam? Porque os comentários que rotulam o filme como "terror" em nada são sensatos, convenhamos. É chocante, tem uma angústia ferrada, eleva a coisa a uma tensão forte, mas não aterroriza. Em nenhum momento aquelas cenas causam terror, mas uma enfrentamento inevitável.
O casal abandona a cidade, os limites civilizados, atravessam a barreira que os separa da sociedade e os coloca em meio a natureza selvagem. Reduto dos medos de Von Trier, uma "igreja de Satanás", assim se revela o espaço chamado Éden, onde a historiadora e o terapeuta se entrecruzam de uma forma muito dramática. Não acreditei nas próprias palavras de Lars, quando disse sobre cenas sem dramaticidade. Acredito que quase tudo ali é fundamental para formular a viagem pela trama cáustica da dupla.
O diretor usa muitos recursos de câmera, tomadas de um ângulo superior, com enquadramento particular, chamativo, cenários contrastando com a movimentação da personagem, uma espécie de take em que a personagem se arrasta, destaca do cenário, como se Dante estivesse cruzando sozinho a jornada pelas esferas. A atuação do Dafoe e da francesa Charlotte Gainsbourg são boas, tem aquela naturalidade, rolou uma entrega e acho que os personagens são bem montados. Conheço o Dafoe de outras viagens e a Gainsbourg, não bastasse ter um pai foda, foi bastante equilibrada, não achei que o desespero ficou caricato, nem que o autocontrole da personagem pareceu forçado, tudo fluiu bastante no gesto daquela mãe, mulher.
Ainda que os comentários girem em torno do "terror" ou do "muito doido", o filme é bem direto, a doidera está formatada e permite ao espectador criar sua maneira de lidar com a experiência que este notável cineasta criou, e em um momento de dificuldades, saindo de uma depressão, segundo consta da mídia online. Von Trier teria, inclusive, tido que se justificar a respeito de sua obra quando foi levada a Cannes, tamanha a polêmica das cenas e do enredo forte. E se me tivesse inquirido o homem, questionado meus porquês, teria eu lhe dito, "fi-lo porque qui-lo!". Quer verdade mais verdadeira?