“O Escritor Fantasma” (The Ghostwriter)
“O Escritor Fantasma” (The Ghostwriter)
Taí um emprego: 250.000 US dólar para escrever a já escrita autobiografia do Primeiro Ministro inglês Pierce Brosnan, recém destituído do cargo por ser supostamente o mandante da tortura de 4 (quatro) suspeitos de terrorismo. Durante a sessão de tortura um deles teria falecido e, em vista disso, a Corte Internacional de Haia quer a cabeça do Primeiro Ministro inglês. Por conta de 4 (quatro) torturas e uma morte.
Agora é hora de perguntar: em que mundo vivem esses roteiristas? Ainda que o filme se apóie no livro do romancista Robert Harris, “The Ghost”, permanece a questão, pois o argumento exibido só seria digerível caso inserido no séc. XX, digamos em 1969. Todavia, no séc. XXI, depois dos genocidas de África e Bósnia continuarem a flautear nas praias do Adriático absolutamente impunes, cujo total do número de vitimas de cada um jamais seria 4 (quatro), a menos que 4 fosse o primeiro algarismo precedente de uma série de zeros, a grande pergunta não está na data de lançamento da obra do romancista, mas antes, quando os sociólogos catedráticos vão lançar um trabalho sobre os reais difusores de cultura em território nacional. Pode não virar filme, embora venha a ilustrar cabeças pensantes, e, não obstante, nada nos impede de dizer o nome de um dos protagonistas: sua excelência o senhor Camelô.
E assim, esse intrépido mascate, mais a sua coragem em levar mercadoria para locais nunca dantes navegados pela web, e cuja criatividade carrega na bagagem um leque infinito de opções culturais de além mar, auxilia os irmãos todos a conhecerem mais um artigo de sua excelência o senhor Roman Polanski.
Esta produção de 2009 que envolve França/ Alemanha/ Reino Unido, conta em 128 minutos como o escritor fantasma Ewan McGregor vai travar alguns diálogos com o ultrajado Pierce Brosnan, e dizer para ele: olha, seu livro é muito bom, todas as palavras estão lá, só preciso re-organizá-las.
Em entrevista recente à TV Cultura, Arnaldo Jabor atesta que o cinema, em âmbito mundial, sofre a síndrome da falta de argumento. Impossível dizer que ele está equivocado.
Esse negócio de menos de meia dúzia de torturados versus Haia e outros “ganchos” da história não alcançam sequer uma meia grande história, ficando a salvação da lavoura ao encargo de Roman e sua tarimba de fazer filmes corretamente, (pode tirar da lista “Frantic” e outras minhocas), e pode acreditar que nada, mas nada, no que concerne a Polansky, supera o insuperável “Chinatown”.
Brosnan ok como o inglês afetado, cujo ego é do tamanho do Acre, McGregor ok como o sonso de plantão, pisando em ovos com um manuscrito intragável e zanzando pela casa do ministro, que tem largas vidraças com vista para areias cinzas, numa ilha qualquer da costa leste americana.
Venha o que vier, em termos de roteiro, Roman aprendeu na prática que o que anima o cinema são as pequenas cenas, vitais na composição de todo filme que se preze. O ex-ministro visto sem som, jogando o celular no chão, o catador de folhas no meio de uma ventania, Eli Wallach num casebre à beira mar, sussurrando para McGregor que o buraco é mais embaixo, Tom Wilkinson, medindo bem as palavras para o estupefato escritor fantasma, avisando de outra forma, que o buraco continua mais embaixo, enfim, as peças do quebra cabeças são infinitamente superiores ao plano geral.
A mídia está no encalço de Brosnan, a Grã Bretanha idem, Haia idem, poucos países não reconhecem a competência desta corte: Iraque, Coréia do Norte, China, Israel e USA, exatamente onde se encontra o suspeito. As andanças de McGregor pela ilha estão por conta de descobertas importantes, feitas pelo fantasma antecessor, que morreu misteriosamente e são desconectadas do caso dos terroristas.
Jabor disse tudo...
Ewan Gordon McGregor nasceu na Escócia em 1971. De 94 para cá fez uma penca de filmes, uns com mais lustro, outros com menos. Em “O Escritor...” ele faz o que se espera de uma pseudo trama policial noir: um personagem à mercê, com a devida vírgula. Dado instante, por obra dos roteiristas ou do próprio romancista, McGregor é solicitado para interpretar a crise política momentânea e resumi-la num parágrafo para a imprensa.
Esse é o escritor: alguém capaz de captar alhos e bugalhos, moldá-los e por fim mandar tudo num único pacote para a turba.
Mesmo que seja balela.