"POR QUEM OS SINOS DOBRAM
“A morte de cada homem diminui-me, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”
Jonh Donne
Assisti ontem ao funeral de velho amigo de longa data. Na noite anterior, em uma reunião no clube de serviços ao qual pertenço, alguns companheiros iniciaram uma discussão sobre alguma coisa. Era um assunto tão insignificante que nem me lembro mais o que era. Mas os companheiros quase foram às vias de fato por causa disso. Em frente ao caixão do meu amigo, a par das lembranças das aventuras que vivemos juntos pelas ruas da nossa cidade (fomos amigos de infância, adolescência e juventude), pensei que estávamos agora enterrando os nossos amigos e não teríamos mais tempo para fazer novos. E refleti o quanto era inútil e até ridículo ficarmos brigando por coisas que parecem, em frente à inexorabilidade da morte, tão mesquinhas. Nesse momento fiz as pazes com todas as pessoas que, de algum modo, despertavam em mim lembranças incomodativas.
Lembrei-me também de um livro e um filme chamado “Por quem os sinos dobram”, Linda e comovente estória contada por Ernest Hemingway, inspirada em um poema de Jonh Donne, poeta do século XVII. Evoquei uma lembrança da minha infância. Tinha uns dez anos de idade. Passava em frente a uma livraria e o título que mais me chamou a atenção foi esse: “Por quem os sinos dobram.” Na minha idade não tinha preparo para ler e entender uma obra dessas. Apenas folheei o livro e o devolvi á estante. Alguns anos mais tarde assisti um filme baseado no livro. Estrelado por Gary Cooper e Ingrid Bergmam. Gostei muito mas não me fixei no conteúdo da estória. Impressionou-me mais a beleza de Ingrid Bergman do que a ação heroica do personagem de Cooper. Mas fiquei com a impressão de que ali havia muito mais que uma linda história de amor e heroísmo.
Por muitos anos fiquei com aquela pergunta na cabeça: Por quem os sinos dobram? Não havia ainda lido o livro nem conhecia a poesia de Jonh Donne. Só tive a oportunidade de ler o romance de Hemingway no início dos anos setenta, em plena ditadura militar. Até então me perguntava porque as pessoas têm ideologias e matam e morrem por elas. Alguns conhecidos meus haviam se engajado em grupos de resistência à ditadura. Um deles se juntara aos guerrilheiros do Araguaia. Nunca mais ouvimos falar desse rapaz, nem seus pais sabem, até hoje, o que foi feito dele. Quanto aos outros, soube, uns tempos atrás, que o corpo de um deles foi desenterrado de uma cova rasa num cemitério do Embú.
***
A revolução espanhola, pano de fundo para a estória de Hemingway, foi um dos grandes movimentos da História, no qual as pessoas lutaram(ou acreditaram estar lutando) por uma verdadeira causa. A liberdade. Evoquei a morte de Pablo Garcia Lorca, poeta fuzilado pelos franquistas, menos pelas suas atividades revolucionárias, mais pela sua opção sexual. O fascismo não tolerava veados. Quantas vezes se mata ou se morre, por uma coisa ou outra, e sempre, no fim, para descobrir que nada era tão importante afinal? No fim das contas, o poeta tinha razão. Quando alguém morre, morre também uma parte de nós todos. E da mesma forma, quando alguém nasce, renascemos também todos nós. Diante dessa lógica irrefutável, a futilidade das nossas ideologias, a vacuidade das nossas verdades, a fugacidade das nossas presenças no mundo transparecem todas no momento em que somos confrontados com a única e fatal verdade que não pode ser negada em nenhum sistema filosófico nem no melhor dos postulados científicos. Somos, como dizia Nietzsche, pontes entre um ontem irrelevante e um amanhã imponderável. Somos alguma coisa que se move entre o Ser o Nada. Ser é ter consciência do momento em que se vive e das coisas que se está fazendo. E quando os sinos dobram, eles dobram, realmente, por todos nós.
O LIVRO E O FILME
Ernest Hemingway ganhou o prêmio Nobel da Literatura em 1954 com esse romance. Ele esteve em Espanha como correspondente de um jornal americano durante a Guerra Civil Espanhola e foi essa experiência que lhe inspirou o romance “Por quem os sinos dobram”. A Espanha, na época, estava dividida entres duas ideologias: o comunismo, inspirado pelos ideais da revolução soviética e o fascismo, inspirado pela Alemanha nazista e a Itália de Mussolini.
Robert Jordan, o protagonista do romance, é um personagem autobiográfico do autor. Ele é um jornalista americano fascinado pela cultura espanhola. Ama as touradas e admira o povo espanhol. Idealista, acredita nos ideais dos republicanos, no socialismo democrático e libertário proposto pelos seus líderes. Por isso se engaja na luta contra o franquismo, que para ele é a projeção do nazi-fascismo, ideologia que traria para a Espanha a ditadura e a infelicidade que os italianos e alemães estavam vivendo naquele momento.
Como ele é entendido em explosivos, foi designado para dinamitar uma ponte que permitiria aos republicanos deter os franquistas, na luta para tomar a cidade de Segóvia. Assim ele vai para as montanhas e se junta a um bando de guerrilheiros chefiado pela cigana Pilar. Depois de ler a sua mão, Pilar vê que o destino do americano está traçado. Durante a sua estadia com os guerrilheiros ele se apaixona pela jovem Maria, uma garota que foi torturada e violentada pelos fascistas, Os dois vivem momentos de um intenso romance. Os quatro dias que precedem a explosão da ponte são vividos pelos guerrilheiros com extrema dramaticidade, pondo a nu todas as suas virtudes e defeitos de personalidade. Todos revivem suas vidas e fazem suas autoanálises, dando ao romance um clima denso e romântico ao mesmo tempo.
Por quem os sinos dobram é uma profunda reflexão acerca da condição humana e seus desejos e esperanças. Ao invocar o absurdo da guerra, especialmente quando se trata de uma guerra civil, travada entre pessoas de um mesmo país, o leitor percebe o quanto ainda as pessoas precisam evoluir para se tornarem verdadeiros seres humanos. Percebemos que ainda domina em nós a força do ego, e que este sobrepõe a individualidade ao próprio sentimento de humanidade. No entanto é a noção de humanidade que faz com que a espécie humana progrida e permite que ela avance e sobreviva apesar de todos os desafios que o ambiente lhe apresenta. A conclusão é que o maior inimigo do homem é o seu próprio ego. Por isso, quando os sinos dobram por um homem morto, uma parte da humanidade está morrendo com ele.
“A morte de cada homem diminui-me, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”
Jonh Donne
Assisti ontem ao funeral de velho amigo de longa data. Na noite anterior, em uma reunião no clube de serviços ao qual pertenço, alguns companheiros iniciaram uma discussão sobre alguma coisa. Era um assunto tão insignificante que nem me lembro mais o que era. Mas os companheiros quase foram às vias de fato por causa disso. Em frente ao caixão do meu amigo, a par das lembranças das aventuras que vivemos juntos pelas ruas da nossa cidade (fomos amigos de infância, adolescência e juventude), pensei que estávamos agora enterrando os nossos amigos e não teríamos mais tempo para fazer novos. E refleti o quanto era inútil e até ridículo ficarmos brigando por coisas que parecem, em frente à inexorabilidade da morte, tão mesquinhas. Nesse momento fiz as pazes com todas as pessoas que, de algum modo, despertavam em mim lembranças incomodativas.
Lembrei-me também de um livro e um filme chamado “Por quem os sinos dobram”, Linda e comovente estória contada por Ernest Hemingway, inspirada em um poema de Jonh Donne, poeta do século XVII. Evoquei uma lembrança da minha infância. Tinha uns dez anos de idade. Passava em frente a uma livraria e o título que mais me chamou a atenção foi esse: “Por quem os sinos dobram.” Na minha idade não tinha preparo para ler e entender uma obra dessas. Apenas folheei o livro e o devolvi á estante. Alguns anos mais tarde assisti um filme baseado no livro. Estrelado por Gary Cooper e Ingrid Bergmam. Gostei muito mas não me fixei no conteúdo da estória. Impressionou-me mais a beleza de Ingrid Bergman do que a ação heroica do personagem de Cooper. Mas fiquei com a impressão de que ali havia muito mais que uma linda história de amor e heroísmo.
Por muitos anos fiquei com aquela pergunta na cabeça: Por quem os sinos dobram? Não havia ainda lido o livro nem conhecia a poesia de Jonh Donne. Só tive a oportunidade de ler o romance de Hemingway no início dos anos setenta, em plena ditadura militar. Até então me perguntava porque as pessoas têm ideologias e matam e morrem por elas. Alguns conhecidos meus haviam se engajado em grupos de resistência à ditadura. Um deles se juntara aos guerrilheiros do Araguaia. Nunca mais ouvimos falar desse rapaz, nem seus pais sabem, até hoje, o que foi feito dele. Quanto aos outros, soube, uns tempos atrás, que o corpo de um deles foi desenterrado de uma cova rasa num cemitério do Embú.
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A revolução espanhola, pano de fundo para a estória de Hemingway, foi um dos grandes movimentos da História, no qual as pessoas lutaram(ou acreditaram estar lutando) por uma verdadeira causa. A liberdade. Evoquei a morte de Pablo Garcia Lorca, poeta fuzilado pelos franquistas, menos pelas suas atividades revolucionárias, mais pela sua opção sexual. O fascismo não tolerava veados. Quantas vezes se mata ou se morre, por uma coisa ou outra, e sempre, no fim, para descobrir que nada era tão importante afinal? No fim das contas, o poeta tinha razão. Quando alguém morre, morre também uma parte de nós todos. E da mesma forma, quando alguém nasce, renascemos também todos nós. Diante dessa lógica irrefutável, a futilidade das nossas ideologias, a vacuidade das nossas verdades, a fugacidade das nossas presenças no mundo transparecem todas no momento em que somos confrontados com a única e fatal verdade que não pode ser negada em nenhum sistema filosófico nem no melhor dos postulados científicos. Somos, como dizia Nietzsche, pontes entre um ontem irrelevante e um amanhã imponderável. Somos alguma coisa que se move entre o Ser o Nada. Ser é ter consciência do momento em que se vive e das coisas que se está fazendo. E quando os sinos dobram, eles dobram, realmente, por todos nós.
O LIVRO E O FILME
Ernest Hemingway ganhou o prêmio Nobel da Literatura em 1954 com esse romance. Ele esteve em Espanha como correspondente de um jornal americano durante a Guerra Civil Espanhola e foi essa experiência que lhe inspirou o romance “Por quem os sinos dobram”. A Espanha, na época, estava dividida entres duas ideologias: o comunismo, inspirado pelos ideais da revolução soviética e o fascismo, inspirado pela Alemanha nazista e a Itália de Mussolini.
Robert Jordan, o protagonista do romance, é um personagem autobiográfico do autor. Ele é um jornalista americano fascinado pela cultura espanhola. Ama as touradas e admira o povo espanhol. Idealista, acredita nos ideais dos republicanos, no socialismo democrático e libertário proposto pelos seus líderes. Por isso se engaja na luta contra o franquismo, que para ele é a projeção do nazi-fascismo, ideologia que traria para a Espanha a ditadura e a infelicidade que os italianos e alemães estavam vivendo naquele momento.
Como ele é entendido em explosivos, foi designado para dinamitar uma ponte que permitiria aos republicanos deter os franquistas, na luta para tomar a cidade de Segóvia. Assim ele vai para as montanhas e se junta a um bando de guerrilheiros chefiado pela cigana Pilar. Depois de ler a sua mão, Pilar vê que o destino do americano está traçado. Durante a sua estadia com os guerrilheiros ele se apaixona pela jovem Maria, uma garota que foi torturada e violentada pelos fascistas, Os dois vivem momentos de um intenso romance. Os quatro dias que precedem a explosão da ponte são vividos pelos guerrilheiros com extrema dramaticidade, pondo a nu todas as suas virtudes e defeitos de personalidade. Todos revivem suas vidas e fazem suas autoanálises, dando ao romance um clima denso e romântico ao mesmo tempo.
Por quem os sinos dobram é uma profunda reflexão acerca da condição humana e seus desejos e esperanças. Ao invocar o absurdo da guerra, especialmente quando se trata de uma guerra civil, travada entre pessoas de um mesmo país, o leitor percebe o quanto ainda as pessoas precisam evoluir para se tornarem verdadeiros seres humanos. Percebemos que ainda domina em nós a força do ego, e que este sobrepõe a individualidade ao próprio sentimento de humanidade. No entanto é a noção de humanidade que faz com que a espécie humana progrida e permite que ela avance e sobreviva apesar de todos os desafios que o ambiente lhe apresenta. A conclusão é que o maior inimigo do homem é o seu próprio ego. Por isso, quando os sinos dobram por um homem morto, uma parte da humanidade está morrendo com ele.