Matrix, Descartes, e o surgimento do cinema filosófico

Após um sem número de tentativas vãs, fúteis e vagas de ensaios pretensamente filosóficos, o cinema inicia sua vertente filosófica com Matrix, e o faz no mais espalhafatoso estilo hollywoodiano, entre pancadarias e amores.

René Descartes, o filósofo francês, inaugurou a modernidade com uma série de dúvidas tão profundas quanto gerais. Aglutinando dúvida sobre dúvida, perguntou-se se tudo o que via ao redor não seria mera ilusão. Imaginou um ser maligno que se divertisse a enganá-lo, uma espécie de demônio, um deus enganador que se divertisse a iludi-lo, engendrando um mundo ilusório, uma mera fantasia, com o intuito único de enganá-lo.

Descartes chega quase às raias da loucura ao se perguntar se tudo, até ele próprio, não seria apenas uma ilusão. Seria possível que nem ele mesmo existisse? Mas aqui, alguma luz lhe chega: ainda que ele se engane sobre todas as coisas, ainda que se engane sobre ele mesmo, de uma coisa não pode se enganar: é ele quem se engana; assim sendo, ele é, ele existe. (É o famoso: penso, logo existo. Pois , se penso, há alguém que pensa, e esse alguém sou eu, portanto, se eu penso não é possível que eu não exista).

Em Matrix, a figura do deus enganador ressurge sob a forma de uma matriz em um computador, é um programa extremamente amplo que recria um mundo virtual no qual todas as pessoas estão conectadas. No filme, a população foi capturada e conectada a um único mundo virtual onde todos vivem e interagem. Mas há uns poucos que ainda resistem, e descobrem a existência do mundo real, percebendo então terem vivido uma grande mentira, uma ilusão criada, não por um deus enganador, mas por uma máquina super poderosa capaz de conectar toda a população do planeta em plena interação!

Convém lembrar que Descartes viu-se forçado a apelar a Deus para ter seu mundo de volta. Considerou que Deus era infinitamente bom, que a força suprema não poderia ser malévola, e, portanto, não poderia haver um deus enganador, sendo tudo que vemos a verdadeira obra da criação.

Como havia Deus, ele não podia estar completamente só. Agora, no entanto, precisamos da matriz para isso.

Modernidade e filosofia chegam simultaneamente ao cinema junto com a nova era, e assim como ela, em formato digital.