LA JETÉE

Cinema antigo de ficção-científica e amor,

"La Jetée" é o máximo dentro do mínimo

Aqui onde trabalho uma visão entorpece minha manhã: um ipê amarelo carregado de flores, que caem fazendo um tapete no chão ao seu redor. Isso dá um contraste lindo com o prédio cinza. Ou com o dia cinza. Ou, ainda, com a vida cinza. Se o ipê fosse retratado numa foto preto-e-branco ele não teria graça. Só tem graça ser retratado em preto-e-branco aquilo que já é preto-e-branco, como os sonhos. Como o filme que assisti há uns três meses. É um filme de 1962, francês, chamado La Jetée. Christian François Bouche-Villeneuve, com o nome artístico que o “popularizou”, Crhis Marker, é o diretor e realizador deste grande filme de meia hora de duração.

O que La Jetée tem de mais? Em primeiro lugar, acho que o que ele tem de mais está exatamente onde tem de menos: é curto, sem cores, sem movimento... Isso mesmo: sem movimento. O filme é o que hoje, com a linguagem eletroinformática, poderia ser chamado por algum não-cinéfilo de slide show. É exatamente uma sequência de fotos o que vemos na tela. Mas... calma... Há muito mais do que isso na obra de arte à qual me refiro. As belas e intrigantes fotos em p&b vão sendo colocadas de forma tão bem encadeada que às vezes somos iludidos – num efeito psicológico “foto-novela” – de que há alí um movimento, quando na verdade, não há. O fato é que as fotos em “slide-show” dão conta, sem problema, de contar-nos a história, e, desta forma inusitada, o roteiro flui muito bem, obrigado. Além disso, não são usadas apenas fotos, mas também fotogramas – o que significa dizer que algumas cenas foram filmadas previamente no método tradicional, extraíndo-se das filmagens apenas as fotos que interessaram ao diretor. Ou seja, fotografias são, na edição, mescladas a fotogramas (estes, que são cada uma das 24 fotos de cada segundo de um filme). Além disso, há ainda uma breve cena no meio do filme em que temos movimento, e não me cabe aqui dizer qual é.

Então La Jetée é um desses exercícios estilísticos feitos por um cineasta excênctrico da Nouvele Vague? Sim, de certa forma. Mas não apenas isso. Eu diria que trata-se aqui de muito mais. Imagine uma obra de arte que tenha influenciado boa parte da ficção-científica cinematográfica posterior – sim, o filme é de ficção-científica. Imagine que o filme foi feito nos anos de 1960 e ainda hoje é impactante. Imagine que o filme tem suspense, fantasia, amor e trajédia, em apenas meia hora de projeção. Então, imagine o que um cara que se diz cinéfilo, como eu, estava fazendo a vida inteira que não conhecia este filme... Eu. Justo eu, amante de filmes de amor e de ficção-científica. De filmes que fazem pensar, enfim. É, amigos... Nem mesmo em tempos de Internet dá pra se conhecer tudo o que foi (e é) produzido.

A trama? A bela atriz Hélène Chatelain, com seu incógnito rosto, nos conduz, juntamente com seu apaixonado – vivido por Davos Hanich – a uma viagem quase sem volta, da qual eu mesmo não voltei até hoje. Não sei se a trama do filme importa ou convenha ser contada aqui. Até porque o filme é tão curto... O que posso dizer? É mais ou menos um filme sobre viagens no tempo. Inspirou Terry Gillian à realização do esplêndido Os Doze Macacos. Está bem assim? A narração de Jean Négroni, os intrigantes efeitos sonoros e a maravilhosa música de Trevor Duncan e coral da Catedral St. Alexandre-Newsky fazem toda a idéia funcionar, de forma macia e ao mesmo tempo áspera, própria à introspecção.

Universos parelelos, intuição de futuros apocalípticos, experimentação psico-estética, pactos com o impossível e com o imponderável, amores impossíveis, inexorabilidade do carrocel da vida, guerra, paixão, nostalgia, fim do mundo, mundos que habitam exclusivamente o desejo – inconsciente ou consciente... La Jetée. Compre, baixe, faça o que quiser, mas não deixe de conhecer esta pequena grande obra do cinema mundial.

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