“O Encantador de Cavalos” (The Horse Whisperer)
“O Encantador de Cavalos” (The Horse Whisperer)
Alguém, nalgum rincão do cosmo, proferiu que o tempo cura tudo...
“Um milhão de anos antes do homem, eles pastavam nas vastas planícies ouvindo vozes particulares. Conheceram o homem como a caça conhece o caçador, pois muito antes de usar os cavalos para o trabalho, o homem os matava para comer. A aliança com os humanos seria eternamente frágil, pois o medo gravado em seus corações era muito profundo para ser apagado. Desde esse momento neolítico, quando o primeiro cavalo foi laçado, alguns homens desenvolveram essa compreensão. Eles podiam ler a alma da criatura e amenizar as feridas que ali encontravam. Eram conhecidos como Whisperers. (Derivação de Whisper – sussurro, cochicho, murmúrio).
Kristin Scott Thomas, uma atriz ponta firme na planície das intérpretes, está lendo esse artigo, intitulado: Encantamento de Cavalos – Método ou Mito? Ela tem um motivo para isso.
Nicholas Evans escreveu, ou antes, publicou a obra em 1995 e Robert Redford dirigiu essa pequena jóia em 1998. Como todo filme que se preze, tornou-se uma cápsula do tempo. O que há na cápsula?
A história de uma mãe (Kristin), que parte para a pesquisa, agindo como se tivesse certeza e confessando estar às cegas, pesquisa de salão e de campo, no intuito de resgatar um coração partido. O coração da filha adolescente, que perdera a perna direita durante uma montaria dominical. Sendo este um resgate regido pela bengala branca somada à luz de Santa Luzia, no centro do caminho figura o cavalo desfigurado da filha - Pilgrim.
Redford dirige e interpreta o encantador.
O preço da liberdade é a eterna vigilância...(sábia pérola de outro rincão).
Scarlett Johansson, a filha, saiu para passear à cavalo numa linda manhã nevada e as coisas saíram do controle. O número de baixas do passeio foi de 50%, Scarlett estava com uma amiga, a amiga e a montaria partiram para além túmulo.
Kristin Scott Thomas, e quem sabe Hollywood lhe dê um Oscar pelo conjunto de obra, personifica com acuro a mãe que num momento de desatino, numa atitude contra a lógica da realidade ilógica, poupa a vida do cavalo e arrasta ambos, ele e a filha, para travarem contato com o encantador.
O conteúdo da cápsula gerada nos meados dos 90 alerta a mudança radical (mais um alerta...) de comportamento, face ao apresentado no encerramento da primeira década do século XXI.
NY to Montana é chão “pacas”, como diriam as meninas de 13 anos brasileiras, em 1973, Scarlett tem 13 anos, seu cotidiano ganhou uma prótese, a vida não pára, sobretudo quando às vezes parar se torna imperativo, mas só acontece nos casos em que os guardiões aparecem. E mesmo assim não se trata de uma parada, mas antes de uma bonança.
A viagem delas dá inicio ao cinema colírio, (algo raro hoje em dia), e o montante de questões apresentado, quando da estada das nova-iorquinas no rancho do encantador, extrapola a pretensão de redigi-lo.
No mundo da forma não raro nos machucamos, eventualmente a porrada é tão violenta que ficamos enfraquecidos, reclusos, belicosos. Somente a paciência amantíssima de outro ser para curar a ferida. “O Encantador...” é sobre isso, sobre a melhor espécie de cura.
Nas verdejantes pradarias de Montana ocorrerá, enfim, a fervura em banho Maria, o grande truque da história está em evitar o drama nas configurações dramalhão e dramalhinho, o cozimento passeia ritmado, as questões surgem sem a menor pressa de chegar ao ápice, Scarlett sai da auto piedade e se sente útil, Redford age como o homem que perdeu um grande amor para dar asas ao seu quinhão celeste – sussurrar nos corações dos cavalos, Kristin, devido a extensão da pausa, é convidada a se retirar de seu posto de editora na tumultuada NY, para cavalgar e supor que vai se apaixonar.
Todos ali tem uma história e um ferimento.
Às vezes nos machucamos, uns mais seriamente que os outros, não é o tempo que cura, normalmente ameniza, mas o agente curativo, desde tempos imemoriais, possui outro nome e só funciona quando manifestado na intenção de, como uma imposição de mãos, um desejo sincero ou uma prece.
Chama-se amor.