O CÓDIGO DA VINCI


O filme O Código da Vinci, e o livro no qual ele foi inspirado, o romance homônimo de Dan Brown, são histórias de ficção, mas o tema que ele trabalha não é. Existe mesmo uma antiga tradição, desenvolvida principalmente em algumas regiões da França, que sustenta que Maria Madalena era esposa de Jesus e teve com ele um filho, ou filha, cujo nome era Sara. Essa menina teria sido criada na França, por Maria Madalena, sob a proteção de José de Arimatéia, o discípulo fariseu que forneceu o sepulcro que teria servido para o sepultamento de Jesus.
Se é verdadeira ou não essa tradição, ninguém pode afirmar. Nem negar. O fato é que Maria Madalena jamais teve status de grande santa ou de personagem importante do Cristianismo em nenhum lugar do mundo, salvo na França, onde o nome Madeleine é cultuado em praticamente todas as regiões. A igreja de Santa Madalena, em Paris, por exemplo, que reproduz um modelo do Partenon, é um dos mais belos edifícios da cidade.
Em nenhum outro país do mundo, mesmo aqueles onde o Catolicismo é a religião oficial, se cultua tanto a Madalena quanto em terras francesas. Parece que lá elas gostam mais dela do que da Virgem Maria. Deve haver uma razão para isso, pois essa tradição é milenar. Desde os primeiros séculos da implantação do Cristianismo na França, que então era uma província romana conhecida pelo nome de Aquitânia, se fala nessa suposta filha de Jesus e Madalena, que teria sido criada em terras francesas e casado com um nobre da terra. A família por ela formada teria originado, no século V, os primeiros reis franceses da linhagem dos Merovíngios, quando o domínio romano foi finalmente substituído por um reino franco.
As regiões onde essa tradição é mais forte são as províncias francesas do norte, A Alsácia-Lorena, terras fronteiriças com a Alemanha, e ao sul, onde se situam a Provença e o Languedoc. Coincidentemente, foram essas duas regiões que forneceram a maioria dos contingentes militares que no século XI (1099), capturaram Jerusalém na Primeira Cruzada. Foi nessas regiões, também, que nasceu a tradição do Santo Graal.
As histórias sobre o Santo Graal são anteriores às Cruzadas. Nos tempos do Rei Arthur (século V ou VI) já se falava nessa lenda, e nos tempos de Carlos Magno (século IX) era comum se falar que os chamados Doze Pares da França, espécie de Irmandade de cavalaria formada pelo Imperador franco eram os “guardiães do Santo Graal”, da mesma forma que os lendários cavaleiros do Rei Arthur, que formavam a famosa Távola Redonda, também o eram.
Todavia, foi depois das Cruzadas que essas lendas passaram a circular com mais insistência nos círculos intelectuais da Europa. O responsável por essa divulgação foi um escritor alemão chamado Wolfram von Eschenbach, cavaleiro bávaro, que entre 1195 e 1216, escreveu um romance cavalheiresco chamado Percival.
Na mesma época já circulavam na Europa as histórias de Chrétien de Troyes, sobre o mesmo tema, além de vários poemas cavalheirescos, que tinham como motivo o Santo Graal, mas é o romance de Eschenbach que traz maiores informações sobre o assunto. Ele criou, ou tornou populares as lendas dos cavaleiros defensores do Santo Graal. Nessas lendas, o Santo Graal era representado pela taça usada por Jesus e seus discípulos na Santa Ceia. Nela, José de Arimatéia teria colhido um pouco do sangue vertido por Jesus na Cruz e conservado como relíquia sagrada. Esse artefato, venerado por toda a cristandade no início, realizava milagres. Segundo a lenda ele teria sido escondido em algum lugar na Inglaterra ou França, guardado por cavaleiros perfeitos, conforme o código da cavalaria. E só pessoas de coração puro e sem mácula conseguiam vê-lo.
Note-se que tais romances só se tornaram conhecidos após as Cruzadas.
 
A tese de que o Santo Graal, na verdade, seria o corpo de Maria Madalena e não a taça usada por Jesus na Santa Ceia, foi uma dedução de três jornalistas o inglês Michael Baigent, o americano Richard Leigh e o neozelandes Henry Lincoln., que a publicaram num polêmico livro chamado The Holly Blood and the Holly Grail, em 1986. Eles chegaram à essa conclusão a partir de um documento encontrado nas ruinas de uma velha abadia francesa em Rennes Le Chateau, por um padre chamado Berenger Sauniére, onde se falava de uma suposta Sociedade Secreta chamada Priorado de Sion, cujo objetivo seria o de proteger o verdadeiro segredo do Graal. Essa Sociedade teria sido fundada em Jerusalém, em fins do Século XI, logo após os cruzados terem capturado a cidade. Seus fundadores eram os mesmos que deram origem aos cavaleiros templários, ou seja, os líderes cruzados que se tornaram os governantes de Jerusalém. Uma longa lista de nomes famosos na história medieval e contemporânea são listados ali como Grãos-Mestres dessa Ordem, inclusive o famoso pintor, poeta e inventor Leonardo da Vinci.
E qual seria o verdadeiro segredo do Graal? Exatamente a verdadeira história de Jesus e Madalena. Nesse sentido, a grande marcha dos cavaleiros cruzados para libertar Jerusalém das mãos dos muçulmanos não foi exatamente uma manifestação do zelo cristão, preocupado e comovido com os sofrimentos infringidos pelos seguidores de Maomé aos seguidores de Cristo, como a História oficial sustenta. Na verdade, as cruzadas foram expedições militares cujo principal objetivo era essencialmente político. Visavam recuperar para o verdadeiro herdeiro, ou seja, o descendente de Jesus, o reino de Judá. Assim, o propósito de Jesus, que na verdade era mesmo ser coroado rei dos judeus, e por isso foi executado, seria finalmente cumprido mais de mil anos depois através do seu legítimo descendente.
E quem era esse legítimo descendente? Exatamente o Conde de Lorena, Godofredo de Bulhões, a quem foi entregue o comando da primeira cruzada, a única que conseguiu seu objetivo, o de capturar Jerusalém. Assim, os cruzados, após conquistar Jerusalém, imediatamente tomaram duas providências: primeira: começaram a coletar provas materiais de que Jesus e Madalena eram realmente casados e tiveram um descendente. Segundo: tentaram fazer com que o Vaticano reconhecesse esse fato, ainda que não o tornasse público. Para isso foram criadas as duas Ordens: O Priorado de Sion, que seria a guardiã do segredo e a Ordem dos Templários, que teria a incumbência de reunir os documentos e provas que sedimentaria essa pretensão.
O Priorado de Sião e os Templários se desenvolveram como organizações paralelas, mas com muitas ligações entre si. Em certos casos, compartilharam dos mesmos membros. Todavia, a evolução de cada uma seguiu um curso próprio, que ao longo do tempo, as separou. Enquanto a Ordem do Templo, externamente, se afastou dos seus objetivos, se tornando uma poderosa organização eclesial militar, com influência política e econômica extremamente perigosa para a Igreja e para as autoridades constituídas, o Priorado de Sion se manteve nas sombras, salvaguardando o segredo do Graal, aguardando, quem sabe, o momento adequado para revelá-lo.
A Ordem do Templo foi extinta em 1307, pós um controvertido processo contra ela movido pela Igreja e pelo Rei da França, Filipe IV. Submetidos à Inquisição, torturados e presos durante sete anos, seus dirigentes e vários membros da Ordem foram finalmente levados á fogueira. Seu último grão-mestre, Jacques de Mollay, foi queimado vivo em 18 de março de 1314.
Os membros do Priorado de Sion, entretanto, nunca foram incomodados pelo Vaticano, presumivelmente porque cumpriram seu propósito de não revelar seus segredos.

No livro O Código da Vinci, o autor imagina uma conspiração urdida pelos líderes da Opus Dei, organização conservadora da Igreja Católica, para assassinar os líderes do Priorado de Sion e os pretensos herdeiros de Cristo, que no caso estão sob a proteção destes últimos. O objetivo seria sepultar para sempre esse segredo, temerosos de que um dia ele pudesse vir a luz e dar um golpe definitivo e devastador na fé cristã.
Evidentemente trata-se de uma trama imaginada pelo autor. Ainda que seja verdadeiro o fato de que a Opus Dei aplica todas as suas energias na manutenção e defesa das tradições mais conservadoras da Igreja Católica, não há qualquer evidência que seus líderes andem por aí perpetrando assassinatos e armando conspirações para evitar que segredos duvidosos sejam revelados.
Também, a bem da verdade, não há sequer uma prova definitiva de que exista ou tenha existido de fato uma Sociedade Secreta denominada Priorado de Sion. A maioria dos historiadores que se dedicou seriamente a pesquisar esse fato tem sérias suspeitas de que os documentos encontrados pelo abade Sauniére em Rennes Le Chateau, são uma grosseira falsificação.
De tudo isso, o que fica é o seguinte: a história de Jesus e Maria Madalena pode ser verdadeira ou falsa. Ninguém jamais poderá comprová-la ou desmenti-la de forma a contentar a totalidade das consciências. O que sabe hoje, graças principalmente aos documentos encontrados na biblioteca de Nag Hamadi, é que Madalena não foi uma prostituta, como alguns círculos da Igreja tentaram fazer-nos crer. Ela foi, na verdade, uma das grandes responsáveis pela divulgação da mensagem de Jesus e só eclipsada em sua condição de missionária em razão da estranha misoginia que sempre existiu nos círculos de poder da Igreja Católica, que nunca aceitou que uma mulher pudesse compartilhar com os homens o exercício do sacerdócio.
Se fosse verdadeira, essa seria uma bela história de amor. E de forma alguma abalaria a fé que os verdadeiros seguidores de Jesus tem nele, pois a força da fé que ele implantou está na sua mensagem e não sua biografia, que afinal ninguém escreveu.  Ademais, qual a diferença entre um Jesus casado e um Jesus que nunca tenha tocado em uma mulher? Só mesmo em meio a um ambiente que vê na mulher o espelho da luxúria e do pecado é que uma visão dessas poderia prosperar.
É claro que isso abalaria as estruturas montadas para explorar a ingenuidade das pessoas que só conseguem acreditar no maravilhoso se este vier vestido com as roupagens do milagroso. Mas o mundo, a vida, o universo, do jeito que ele é, por si sós, já são fenômenos tão grandiosos, que custa crer que Deus precise usar tais expedientes para fazer alguém acreditar na existência Dele. E que Ele precisasse sacrificar o próprio filho para salvar um mundo, que por direito, já é Dele, porque foi Ele que o fez.
O Código Da Vinci é apenas uma excitante aventura policial. Já a história de Jesus e Madalena é alguma coisa mais que merece pelo menos um momento de interesse intelectual. Se existe alguém que possa acreditar nela, isso já lhe vale pelo menos a proteção da tolerância que devemos ter com a crença alheia. Afinal, esse é um direito conquistado por todas as crenças, por mais absurdas que elas nos pareçam ser.
______________________________________________________________
Notas

The Holy Blood and the Holy Grail

The Holy Blood and the Holy Grail (O Sangue Sagrado e O Cálice Sagrado) é um controvertido livro escrito por Michael Baigent, Richard Leigh eHenry Lincoln.
O livro foi publicado em 1982, como resumo de uma série de documentários feito para a televisão inglês e exibidos pela BBC no início em fins da década de 70 e início de 80. Uma sequência do livro foi publicada em 1987 com o título de O Legado Messiânico. Uma das inspirações para o livro, segundo os autores, foi um manuscrito do escritor francês Gerárd de Séde, elaborado com a colaboração de Pierre Plantard, chamado O Tesouro Maldito.
No livro The Holy Blood and The Holy Grail, baseado nos autores acima citados, Baigent, Leigh e Linconl defendem a tese de que Jesus era casado com Maria Madalena e teve com ela um ou mais filhos. Após a crucificação de Jesus, seus descendentes imigraram para o sul da França, onde se casaram com famílias nobres da terra, dando origem á dinastia dos primeiros reis franceses, conhecidos como Merovíngeos. Essa dinastia, no século XI, estava representada pela Casa de Lorena, cujo príncipe, Godofredo De Boillon era o principal representante. Dessa forma, a primeira cruzada teria sido uma tentativa dessa família para recuperar a sua herança, já que Jesus era, na verdade, o legítimo herdeiro do trono de Israel. Essa pretensão estaria sendo defendida atualmente (no século XX), por uma sociedade secreta fundada na época das Cruzadas, chamada Priorado de Sion.
A conclusão dos autores é que o lendário artefato conhecido como Santo Graal, que as lendas medievais diziam ser o cálice que Jesus e seus discípulos usaram na Santa Ceia, era, na verdade, o ventre de Maria Madalena, pois quando Jesus foi crucificado, este carregava o seu sangue , na forma do seu filho. Assim, o Santo Graal, na verdade seria uma corruptela da expressão Sangue Real (Sangreal).

Quem foi Berenger Sauniére

Berenger Sauniére é um personagem real. Foi um padre nomeado para a abadia de um pequeno povoado ao sul da França, chamado Rennes le Chateau. Ao supervisionar as obras de restauração da antiga igreja do lugar, construída no século VI, consagrada a Santa Madalena, ele descobriu um pacote de antigos documentos contendo uma relação de nomes e informações relacionadas com a antiga genealogia dos primeiros reis franceses, da família dos Merovíngeos. Esse achado fez com que ele se tornasse muito poderoso e influente, acumulando uma vasta fortuna, cuja origem nunca foi descoberta. Supõe-se que teria sido o Vaticano que teria comprado o seu silêncio.
Um dos pergaminhos encontrados por Sauniére é uma lista de nomes, supostamente dos Grãos-Mestres do Priorado de Sion, desde a sua fundação, ocorrida na época das cruzadas, até o ano de 1918, quando o pergaminho foi encontrado. Entre eles há nomes de artistas, políticos, alquimistas, cientistas e maçons famosos, bem como de nobres franceses. Esses documentos estão hoje guardados na Biblioteca Nacional de Paris. A lista é a seguinte.

Os Grãos-Mestres do Priorado de Sion.

Jean de Gisors - 1188-1220
Marie de Saint-Clair - 1220-1266
Guillaume de Gisors - 1266-1307
Edouard de Bar- 1307-1336
Joanne de Bar- 1336-1351
Jean de Saint-Clair-1351-1366
Blanche d´Evreux - 1366-1398
Nicolas Flamel - 1398-1418
René d´Anjou-1418-1480
Iolande de Bar - 1480- 1483
Sandro Flipepi - 1483-1510
Leonardo da Vinci - 1510- 1519
Connétable de Bourbon- 1519 - 1527
Ferdinand de Gonzagne - 1527 - 1575
Louis de Nevers -1575 - 1595
Robert Fludd - 1595 -1637
J. Valentim Andrea - 1637- 1654
Robert Boyle - 1654 - 1691
Isaac Newton- 1691-1727
Charles Radclyffe - 1727-1746
Charles de Lorraine- 1746-1780
Maximilian de Lorraine-1780-1801
Charles Nodier-1801-1844
Victor Hugo - 1844-1885
Claude Debussy-1885-1918
Jean Cocteau - 1918...


João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 31/08/2010
Reeditado em 31/08/2010
Código do texto: T2469983
Classificação de conteúdo: seguro